A corrida eleitoral deve ajudar a enterrar os planos de privatizações do ministro da Economia, Paulo Guedes. Quando assumiu, o Posto Ipiranga do presidente Jair Bolsonaro (PL) prometeu arrecadar R$ 1 trilhão com a venda de estatais, mas, ao longo do governo, a promessa virou lenda. Apenas duas estatais restaram na lista de promessas para 2022, os Correios e a Eletrobras, e o prazo está acabando.
Os projetos para a venda dessas duas companhias que o ministro vem citando aos quatro ventos como vitórias de sua gestão mostraram-se desastrosos e estão empacados. O consenso entre analistas é de que os Correios têm menos chance de privatização do que a Eletrobras.
O projeto de lei de privatização dos Correios foi aprovado pela Câmara dos Deputados em agosto deste ano, quando foi enviado ao Senado Federal. A única atualização do PL 591/2021 é que ele aguarda para ser incluído na pauta da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) desde 9 de novembro.
E, de acordo com os especialistas e parlamentares, esse projeto não terá condições políticas para ser debatido na Casa, especialmente, depois da confusão nas negociações para a aprovação da PEC dos Precatórios. A PEC foi promulgada pelo Congresso Nacional, na quarta-feira (8) de forma fatiada, contrariando muitos que só votaram a favor se as mudanças propostas pelo Senado não fossem retiradas pela Câmara.
Após a promulgação sem o acordo, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) demonstrou indignação com a falta de cumprimento dos acordos. Durante o seminário realizado pelo Correio sobre os desafios do Brasil para 2022, realizado na última quinta-feira (8), a pré-candidata à Presidência pelo MDB classificou a promulgação como "imoral" e ressaltou que, a partir agora, o governo terá muito mais dificuldade para aprovar matérias de interesse dele na Casa, principalmente, em 2022.
Apesar de defender a privatização de estatais, mas de forma seletiva e estratégica, a parlamentar foi categórica em relação à privatização dos Correios: "Somos contra a privatização dos Correios", afirmou.
O especialista em contas públicas e secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, não vê espaço político para o governo avançar na agenda de privatização no ano que vem.
"Não creio que as privatizações da Eletrobras e dos Correios avancem em 2022. Há embaraços técnicos, no Tribunal de Contas da União (TCU), e políticos, em um ano eleitoral. As duas estatais, juntas, têm mais de 100 mil empregados, os sindicatos são fortes — com poder de pressão sobre os parlamentares — e não concordam com as privatizações", destacou. Ele lembrou que os Correios têm 98,1 mil servidores, a Eletrobras, aproximadamente, 12,9 mil.
A Eletrobras é vista como a única "jóia da coroa" que ainda pode ser privatizada pelo atual governo, mas as dúvidas são crescentes após a aprovação da Medida Provisória para a desestatização da companhia, que é um verdadeiro desastre, de acordo com os analistas. Além do problemas com a modelagem no TCU, eles ressaltam que a MP virou uma colônia de jabutis que devem ajudar a retroceder o setor elétrico e aumentar o custo para os consumidores. Um deles, por exemplo, obriga que a estatal privada contratar energia de usinas térmicas a gás em regiões do Nordeste onde elas não existem ou não há infraestrutura.
"A MP da Eletrobras prejudicará o funcionamento do setor elétrico com essa história das usinas a gás do Nordeste. Mas o processo está no caminho certo, contratando os bancos para fazerem a oferta", afirmou a economista e advogada Elena Landau, ex-diretora do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e responsável pelo processo de privatização do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Ela reconheceu a necessidade de privatização da Eletrobras, porque a receita não garante o volume de investimento necessário para a expansão do setor. "A modelagem tem problemas, e as autoridades ainda não conseguiram explicar direito de onde saíram os números. Isso mostra que o trabalho não está sendo bem conduzido e não dá elementos para o TCU avaliar o valor da outorga com precisão", alertou.
A avaliação pelo TCU do processo de privatização da Eletrobras está prevista para ocorrer na próxima quarta-feira (15), mas não há garantias de que haverá tempo hábil para que o governo consiga desestatizar a empresa ainda na primeira metade de 2022, como vem prometendo. Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), acredita que a privatização da Eletrobras tem chance de sair ainda no próximo ano.
"Temos o TCU, que adiou a reunião, mas continuo confiante de que essa privatização poderá ocorrer entre março ou abril", afirmou o especialista em infraestrutura. Contudo, reconheceu que, depois desse prazo, será mais difícil devido às eleições. "Em meio à campanha, vai ser mais complicado, porque há muitos grupos organizados contra a privatização", destacou. Mas, no caso dos Correios, Pires também não vê nenhuma chance de a empresa ser privatizada.
Falta de números
Como não tem números robustos para apresentar sobre privatizações, porque ele conta apenas apenas de venda das participações em empresas públicas - que nem sempre foram para o caixa da União -, o ministro começou a se apropriar de dados de outras pastas, como o Ministério da Infraestrutura. Nos últimos discursos, Guedes insiste em citar os dados da pasta comandada pelo ministro Tarcísio de Freitas, para mostrar números de investimentos contratados e que "somam cerca de R$ 600 bilhões a R$ 700 bilhões para os próximos anos", citando os leilões de concessão de infraestrutura.
"Guedes passou a se apropriar de números de outras pastas e agora está misturando tudo para tentar dizer que houve privatizações. Até privatização de estatais estaduais ele anda colocando na conta. Mas ele prometeu arrecadar R$ 1 trilhão com venda de estatais. Isso ele não está entregando", destacou Elena Landau. Ela lembrou que, em vez de vender, houve capitalização e até mesmo criação de novas empresas.
Conforme dados do Tesouro Nacional, entre 2019 e 2020, saíram do caixa da União R$ 49,3 bilhões para capitalização, aportes e subvenções para custeio de estatais federais. E, de janeiro a outubro deste ano, R$ 18,8 bilhões de despesas com aumento de capital das estatais não dependentes.
Os valores contratados citados por Guedes são de longo prazo e podem ser adiados se a economia voltar a andar para trás, de acordo com Pires. "Os investimentos podem acontecer, mas tem muitas interrogações. O grande obstáculo é a segurança jurídica e a estabilidade regulatória que, com medidas como a PEC dos Precatórios, aumenta a incerteza e afugenta o capital", frisou.
Para Castello Branco, Guedes, que entrou no governo como um liberal, sairá com a pecha de populista. "O ministro tenta apresentar algumas iniciativas isoladas positivas, mas o balanço global das privatizações é um pífio. Tanto que o secretário responsável pelo programa de privatizações, Salim Mattar, demitiu-se", ressaltou. "Creio que o presidente Bolsonaro será o primeiro a não ter interesse nas privatizações em 2022. Preocupado sobretudo com a reeleição, não irá apoiar um tema polêmico", completou.
Vale lembar que, em uma das apresentações que costumava fazer, Mattar dizia que governo atual herdou uma dívida líquida de R$ 3,8 trilhões. Em outubro, conforme dados do Banco Central, essa dívida estava em R$ 4,9 trilhões. Logo, houve um aumento de R$ 1,1 trilhão em menos de quatro anos de mandato - mais do que Guedes prometeu em arrecadar com a venda de estatais. Para Elena Landau a secretaria especial de desestatização "é ineficiente". Procurado, o Ministério da Economia não comentou as críticas.