Jornal Correio Braziliense

CORREIO DEBATE

'Teto de gastos mudou e não é o mesmo do passado', afirma Solange Srour

Para a economista-chefe do Credit Suisse, o próximo ano será de grandes desafios, em um cenário sem âncora fiscal, com inflação alta e recessão

Apesar do discurso otimista do ministro da Economia, Paulo Guedes, a economista-chefe do Credit Suisse, Solagne Srour, alertou que 2022 será um ano bem complicado e com grandes desafios, sem âncora fiscal, com inflação alta e recessão. 

“A incerteza em 2022 vai ser vivenciada sem a âncora fiscal. O teto de gastos mudou e ele está mais o mesmo do passado”, afirmou, em tom taxativo, nesta quinta-feira (9/12), durante o seminário Correio Debate: 2022, para onde vai o Brasil, organizado pelo Correio Braziliense. A economista lembrou que a regra constitucional que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior foi modificada com a PEC — para aumentar o espaço de gastos do governo — antes do prazo previsto, 2026. Para ela, após a mudança na única âncora fiscal vigente, "ela não perdura em governos diferentes". 

Na avaliação da economista do banco suíço, "2022 é um ano de grandes desafios, com grandes incertezas e fundamentos deteriorados”.  Ela lamentou o fato de o governo ter resolvido mudar o arcabouço fiscal sem que o país tivesse saído da pandemia e após ter elevado os gastos em 2020 no combate à covid-19. “Vamos passar por um ano bem complicado. Será preciso uma nova agenda, que é a volta da agenda pré-pandemia”, emendou.

Bolsa Família e precatórios

Solange Srour contou que se inclui no grupo de economistas que enxergam que o teto de gastos foi modificado e ressaltou era possível aumentar o gasto social, pagar os precatórios sem acabar com o arcabouço fiscal, o que vem deteriorando as expectativas.

"Seria completamente factível dar o reajuste do Bolsa Família, organizar os gastos sociais e pagar os precatórios sem mudar a indexação do teto”, destacou. Ela contou que vê dificuldades para o Brasil escapar de uma recessão em 2022 e se beneficiar de um cenário global ainda positivo. “É um engano entender que está tudo bem”, disse.

A especialista rebateu as críticas feitas à regra do teto durante o debate. “A regra do teto não é ruim. Ela foi mal aproveitada, porque o processo de consolidação fiscal parou na reforma da Previdência. Perdemos a oportunidade com a covid-19 e, agora, vamos começar 2023 tendo que criar uma nova âncora fiscal sob uma circunstância mais difícil, com recessão e inflação alta, acima de 6%”, afirmou.  

“Do ponto de vista fiscal, andamos para trás desde a aprovação da reforma da Previdência. Do ponto vista da consolidação fiscal, a reforma previdenciária foi a última reforma nesse sentido, mas a PEC Emergencial foi uma oportunidade perdida para criar gatilhos para quando o teto fosse rompido para trazer outras reformas. Perdemos essa oportunidade. Agora o teto de gastos foi modificado neste ano e pode ser modificado no ano que vem”, destacou.

A economista considerou importante o governo fazer bons programas de assistência aos mais fragilizados, mas é preciso rediscutir esse gasto sem aumento de despesa. ”Se compararmos o gasto social no Brasil com outros países, vemos que gastamos muito e muito mal. O teto não chegaria ao limite por causa da desigualdade. Tem proposta no Senado muito bem desenhada e que não foi discutida”, alertou. Ela ainda acrescentou que não vê o novo Bolsa Família, o Auxílio Brasil, resolvendo o problema da desigualdade.

Solange Srour destacou que o otimismo de alguns analistas do mercado está mais relacionado com o cenário externo e com a expectativa de que a casa vai ser organizada “de alguma forma” após as eleições. E, quando o próximo presidente assumir, o novo governo terá que fazer uma nova regra do teto, porque haverá uma pressão maior da sociedade por mais gastos, mas não para aumentar o valor dos gastos, e, para investir mais. “Essa nova regra precisará mudar a estrutura do gasto obrigatório, porque ele não pode continuar crescendo de forma rígida como vem ocorrendo desde a criação da regra do teto”, afirmou.

Inércia inflacionária

De acordo com Solange Srour, a inércia inflacionária não vai garantir um recuo da inflação para abaixo do teto do meta em 2022, como espera o Banco Central, depois de o objetivo deste ano não ter sido cumprido. Vale lembrar que a deste ano, de 3,75%, com teto de 5,25%, já foi superada com a inflação oficial devendo encerrar este ano acima de 10%, praticamente o dobro da meta.

As projeções do Credit Suisse indicam queda de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) de 2022, inflação de 6% ao ano — acima do teto da meta, de 5,25% — e a taxa básica de juros (Selic) de 12,25% anuais. Ontem, o Banco Central elevou a taxa básica de juros de 7,75% para 9,25% e sinalizou novo aumento em fevereiro para 10,75%.

“A inércia inflacionária no Brasil nunca foi baixa e ela é cíclica. Ela está baixa, mas volta quando a inflação sobe. E acho que vamos passar por um período complicado, porque a inflação deste ano está fechando o ano entre 10% e 11% e, mesmo com a desaceleração da economia, eu não vejo a inércia retrocedendo. Vejo ela bastante alta”, frisou. “Os salários vão acompanhar a inflação. Não espero ganhos reais, mas isso será repassado para preços e podemos entrar em uma espiral inflacionária”, alertou.

Reajuste a servidores

Para a especialista, será muito difícil, daqui para frente, o governo fazer novo ajuste fiscal, sem conceder novos reajustes aos servidores, após dois anos de congelamento com as mudanças na regra do teto. “Não vai ser possível não dar reajuste por quatro anos seguidos para os servidores”, frisou. Para ela, a nova âncora fiscal deverá ser discutida, enquanto que a reforma administrativa — possivelmente pelo próximo governo — precisará tratar da despesa com pessoal, a segunda maior entre as obrigatórias.

“E vai ser um desafio avançar com essa agenda com os fundamentos deteriorados”, lamentou.
Solange Srour lembrou que, apesar de a inflação ser global, o descolamento das expectativas de inflação no Brasil é muito maior do que em outros países. E lembrou que o país gastou muito, como países desenvolvidos, mas, ao modificar o arcabouço fiscal, isso também contribuiu para o aumento das pressões inflacionárias e das perspectivas de crescimento do país.