A retração da economia pela medida do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo e terceiro trimestres só chocou quem bate palmas para as frases feitas do ministro animador de auditório. Com a economia em recessão, Paulo Guedes voltou a apelar na sexta-feira à sua imagem favorita, palestrando para empresários: a da recuperação em V.
Como venho dizendo há tempos, a economia entrou num ciclo longo de estagnação, refletindo duas tendências. A mais antiga, iniciada há 40 anos, fez da indústria manufatureira entreposto de montagem do que gera valor em outras praças globais. A atual expressa o fim de linha da governança do Estado, capturada por oligarcas políticos e porções da elite do funcionalismo público. Reformas ditas liberais não resolvem. Não há "estatismo". Há, sim, "privatismo" do Estado.
Surpreendente, portanto, não é o ministro que avalizou a eleição de Bolsonaro prometendo levantar R$ 1 trilhão com a privatização de estatais e outro tanto vendendo imóveis da União dizer o que diz. Ele desempenha o papel de Guido Mantega no primeiro governo Dilma Rousseff: o de "levantador de PIB" no gogó. Surpreendente é haver empresário se passando por tolo ao aplaudir empulhação.
Um mínimo de conhecimento de manual sobre economia bastaria para o sujeito racional inferir que se o Banco Central tem autonomia legal para operar a taxa de juro de política monetária, vulgo Selic, com o fim de convergir a inflação para a meta que lhe foi imposta pelo ministro da Economia em nome do governo, só alineados acharão que o crescimento econômico e o nível de emprego vão bombar em 2022.
A meta de inflação é de 3,75% este ano (com a variação em 12 meses do IPCA até outubro já de 10,67%) e de 3,50% para 2022. Só inflando os juros se chegará à meta de 2022. Mas ao custo de debilitar o já abatido consumo privado, o que se consegue com demissões e aperto financeiro das empresas. Adicionalmente, juro alto atrai capitais errantes para aplicações em títulos da dívida do Tesouro Nacional, ajudando a valorizar o real, cuja depreciação ao longo do fim de 2019 iniciou a desestabilização da inflação.
A desvalorização cambial desmontou o arcabouço frágil que sustenta a suposta racionalidade da macroeconomia desde que Dilma tentou com voluntarismo e empáfia administrativa acelerar o crescimento tocado a investimentos em infraestrutura. Repete-se o passado como farsa.
O suprassumo do cinismo
Dilma não dispunha de pessoal técnico experiente para o desafio, o que continua em falta na Esplanada dos Ministérios. Desdenhou, além disso, os atentados à lógica para se reeleger em 2014 (por exemplo, congelando tarifas e preços da Petrobras) — semelhante ao que se faz com o calote dos precatórios e outras infâmias bolsonaristas.
Também não enxergou ou fez vistas grossas ao ataque às estatais e ao orçamento federal, plantando, no primeiro, caso a Lava Jato e, no segundo, as "pedaladas" (ou ocultação de despesas fiscais), a causa formal de seu impeachment. A tecnologia dos "malfeitos", como ela diria, foi posta a serviço da reeleição de Bolsonaro pelos mesmos aliados deles todos. Quem? O Centrão, o protagonista principal que se disfarça de coadjuvante da tragédia do país sem rumo, sem plano.
Por Centrão entende-se a aglomeração de partidos sem ideologia que vivia de doações privadas até que o STF as tornou ilegais e, desde então, exploram os fundos eleitoral e partidário, mais as emendas à lei orçamentária, chegando, com Bolsonaro, ao suprassumo do cinismo — o tal "orçamento secreto", uma conta hoje de R$ 16 bilhões posta na lei pelo relator geral escolhido pelo presidente da Câmara ou do Senado e distribuídos, sem critério nem publicidade, aos políticos submissos ao que eles mandam votar. Bolsonaro é sócio júnior dessa lambança, embora a sagacidade do Centrão o ponha como responsável.
Círculo vicioso do atraso
Os problemas são velhos e se agravaram com o governante fraco, que disfarça com grosserias. O problema mais sério implica ou assumir o protagonismo do Congresso, adotando-se o semipresidencialismo, ou reformar o processo orçamentário, de forma a moralizar a partilha dos impostos arrecadados e os gastos pagos com emissão de dívida.
Sem isso, vai-se ampliar o que se vê: deputado de oposição votando projetos de interesse de quem lhes dá acesso ao dinheiro público do "orçamento secreto". Dão banana a quem os elegeu. Reformas dos partidos e do sistema eleitoral são condições indispensáveis.
Trata-se, no entanto, apenas de moralizar a política. Por si, não trará o desenvolvimento num estalar de dedo. Isso é o mais difícil.
Pelo que os empresários escutam dos candidatos da tal terceira via e reagem a tais falas, deduz-se que uns e outros tomam indicadores do IBGE e reformas contábeis/administrativas como plano econômico.
Candidatos e seus economistas não falam de planejamento; ignoram as rupturas tecnológicas que ameaçam setores inteiros; passam ao largo da agenda da Governança Ambiental, Social e Corporativa, ESG, na sigla em inglês; não dizem como empregar 171 milhões de pessoas com idade para trabalhar, se há apenas 89 milhões (52%) na força de trabalho, das quais dois terços com empregos precários que as fazem depender de programas sociais. É o círculo vicioso do atraso.
Gente é a maior riqueza
A visão alienada sobre o desenvolvimento que enriquece nações que já foram mais pobres que a nossa e hoje desafiam EUA e Europa, que se movem para não ficarem para trás, tem que ser enfrentada, tal como a disposição do chamado "mercado" de aderir ao que não funciona.
Não tem futuro presidente entender progresso como a exploração de minérios e a expansão de pastos, aceitando degradar a Amazônia e os órgãos que a protegem. Ou candidato saudosista da Petrobras neste tempo terminal para os combustíveis fósseis. Falta-lhes a noção de que a maior riqueza de um país é a capacitação de sua gente, o que distingue os países desenvolvidos e os emergentes bem-sucedidos.
É distração, neste contexto, falar de terceira via, de agenda com cores liberais, incitar caça a comunistas escassos até na China. O caminho é o que tiver de ser para o desenvolvimento acontecer. Como fazer? Para começar, deixar de ovacionar o candidato que desfia uma penca de platitudes, jura apoiar o "livre mercado". Muito pouco, ou nada, se a economia está virtualmente estagnada há quatro décadas.