AGRONEGÓCIO

Protecionismo disfarçado de proteção ambiental, diz Aprosoja Brasil sobre União Europeia

Associação disse que a medida anunciada pela União Europeia de restringir as importações de commodities agrícolas não é uma preocupação ambiental

A Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) afirmou nesta terça-feira (23/11) que a medida anunciada pela União Europeia de restringir as importações de commodities agrícolas sob o argumento de tentar conter o desmatamento não passa de “protecionismo comercial disfarçado de preocupação ambiental”. 

A UE apresentou um projeto de lei ao Parlamento do bloco, na semana passada, com uma lista de commodities, a maior parte produzida pelo Brasil, como soja, café, carne bovina e cacau, que poderão ser impedidas de entrar na região. Segundo a associação, a iniciativa é uma afronta à soberania nacional e coloca a conversão de uso do solo permitido em lei na mesma vala comum do desmatamento ilegal, que já é punido pela legislação ambiental brasileira.

O agronegócio brasileiro já vinha sendo alvo de barreiras sanitárias. Em outubro, a China suspendeu as compras de carne brasileira depois que foram registrados indícios de contaminação de gado pelo “mal da vaca louca”. As suspeitas não foram confirmadas, mas, mesmo assim, as importações não foram retomadas até o momento.

Em posicionamento contra as medidas, a Aprosoja disse em nota que “a União Europeia precisa entender que (os europeus) não são mais a metrópole do mundo e que o Brasil e demais países da América do Sul deixaram de ser suas colônias”. Para a Aprosoja, “se os europeus estão preocupados com nossas florestas, eles poderiam aproveitar a qualidade de suas terras para replantar também as suas florestas, e instituir como aqui a reserva legal e as áreas de proteção permanente dentro das propriedades rurais. Portanto, respeitem a nossa soberania!”

A associação observou que se trabalha há décadas para que a indústria europeia e as tradings que atuam no mercado global de grãos aceitem o Código Florestal (Lei 12.651), que foi aprovado de forma democrática pelo Congresso Nacional em 2012, como regra suficiente para a preservação ambiental.

“Esta Lei, única no mundo, coloca sob responsabilidade exclusiva dos produtores a preservação entre 20% e 80% de vegetação nativa em suas fazendas, além de topos de morros, cursos d’água e toda sua biodiversidade incluída”, afirmou em nota.

Para a Aprosoja, após a União Europeia obrigar o cumprimento de exigências pelas suas indústrias, toda a soja produzida no Brasil passa a ser obrigada a cumprir a regra, independentemente se será consumida pelas aves e suínos no Brasil ou China.

“Sabemos que o foco dos europeus sempre foi a Amazônia e suas riquezas. No entanto, hoje se sabe que mais de 80% do bioma encontra-se preservado, da forma como os europeus encontraram quando colonizaram o País. Além disso, seja por outras leis ou pelo próprio Código Florestal, houve uma blindagem dos 80% preservados, de forma que a produção precisa ser feita nos 20% restantes”, continuou a associação.

Desmatamento ambiental

A Aprosoja ressaltou ainda que, em relação ao desmatamento ambiental, as medidas de controle e de melhoria da gestão já vêm sendo implementadas pelo governo brasileiro, que recentemente reduziu o prazo para zerar o desmatamento ilegal de 2030 para 2028. “Se isso não é suficiente, podemos concluir que as intenções da União Europeia não dizem respeito à preservação ambiental, mas, sim, de uma tentativa de exercer barreiras comerciais contra produtores de alimentos do Brasil para proteger agricultores daqueles países”, ressaltou a Aprosoja.

A tentativa de restringir a produção de alimentos no Brasil, emendou a associação, “trará impacto direto não somente para os brasileiros, mas também aos países que são abastecidos pelo Brasil, entre eles grandes mercados na Ásia, na África e, até mesmo, na própria Europa”.

E reiterou em nota, ainda, que a Amazônia e o Cerrado brasileiro já estão sendo preservados, e que o modelo produtivo no Brasil é apontado pela ONU como solução para a redução do aquecimento global. Conclui-se, portanto, segundo a Aprosoja, que “se trata de medida de caráter flagrantemente protecionista, com graves consequências para a produção de comida para a sua população e para mais de um bilhão de pessoas que dependem dos alimentos produzidos de forma sustentável. Sugerimos que outros países despertem para isso e se posicionem”, concluiu.

Produção em áreas desmatadas

Para o socioambientalista e pesquisador dos impactos do agronegócio, Thiago Ávila, ao mesmo tempo que não é razoável países que sempre reivindicam o livre mercado ao restante do mundo agirem de forma protecionista em relação a importações vindas do Sul Global, não é possível ignorar que a produção de soja, carne ou outras commodities em áreas desmatadas deve ser combatida por qualquer governo que tenha compromisso com a natureza e com as futuras gerações.

“Deter o desmatamento impedindo o escoamento da produção dessas áreas não é ruim para o Brasil. Ao contrário, trata-se de uma medida necessária para assegurar o equilíbrio no meio ambiente e preservar os direitos de povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, famílias camponesas e tantos outros setores que hoje sofrem com o desmonte ambiental e a política pró-desmatamento do atual governo”, explicou o socioambientalista.

Ávila acrescentou que o que se espera dessa medida é que, ao menos internacionalmente, haja uma pressão para que o agronegócio pare o desmatamento de biomas e não coloque o lucro a curto prazo acima dos interesses da população, hoje, e das futuras gerações. “Em todas as pesquisas de opinião recentes sobre o meio ambiente fica evidente a preocupação da população com o desmatamento e a devastação ambiental, portanto, essa pressão internacional vem fortalecer as demandas sociais que, hoje, não encontram ouvidos dispostos no governo”, destacou.

Para o economista William Baghdassarian, professor de Economia do Ibmec Brasília, o que aconteceu nos dois últimos anos é que o Brasil passou de um país protagonista positivo nas questões de meio ambiente para um protagonismo negativo. “Essa é uma retaliação que busca alinhar o consumidor com essas práticas que ele entende como corretas”, disse.

Além disso, Baghdassarian explicou que o país exporta commodities que também são exportadas por outros países, e quem compra se questiona: “Por que vou comprar de um país que possui práticas que vão contra ao que eu acredito?”. “É uma questão civilizatória”, acrescentou.

“Do ponto de vista econômico, têm consequências de curto e médio prazo. No curto prazo, serve de alerta para o setor do agronegócio, que vê essas políticas que são implementadas atualmente com simpatia. No médio prazo, à medida que alguns países deixam de comprar soja brasileira, os outros que vão comprar, vão comprar mais barato. Assim, vamos ter um problema sério de entrada de dólar no Brasil, porque temos que lembrar que o país deixou de ser um país que vendia avião, carro, arma de guerra, para ser um país que vende soja e carne”, pontuou o economista.

 

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