BALANÇO

Renda dos servidores públicos avançou 8% entre 2012 e 2021

Enquanto isso, os trabalhadores com carteira assinada não tiveram ganho real algum, pois a variação da renda média foi de -0,1% no mesmo período

Enquanto a inflação oficial ultrapassa 10% e corrói, cada vez mais, o poder de compra dos brasileiros, as diferenças entre as remunerações dos trabalhadores do setor privado e os rendimentos do funcionalismo público não param de crescer e devem aumentar ainda mais se houver um novo reajuste no ano que vem, conforme as promessas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que não cabem no Orçamento.

De acordo com levantamento feito pela economista Ana Tereza Pires, pesquisadora da consultoria IDados, a pedido do Correio, os ganhos dos servidores públicos cresceram 8%, em termos reais (acima da inflação) entre o primeiro trimestre de 2012 e o segundo trimestre de 2021. Enquanto isso, os trabalhadores com carteira assinada não tiveram ganho real algum, pois a variação da renda média foi de -0,1% no mesmo período, segundo os cálculos da especialista. “Enquanto os trabalhadores do setor privado não tiveram nenhuma correção, em termos reais, na renda, os servidores tiveram um ganho expressivo acima da inflação média no período, de 69,4%”, explicou.

“O trabalhador do setor privado tem muito pouco poder de barganha enquanto os servidores têm reajustes quase que automáticos. E, se a conjuntura econômica continuar ruim como atualmente, com desemprego elevado, inflação alta e pouco crescimento na economia, a tendência é que esse desequilíbrio fique maior”, destacou a economista.

Vale lembrar que, conforme dados do Banco Mundial, o salário médio dos servidores é 96% acima da média dos rendimentos dos trabalhadores do setor privado. Esse indicador é de 2018, mas analistas reconhecem que o quadro atual tende a ser pior. Os dados levantados pela especialista do IDados mostram que, no mesmo período, o número de servidores nas três esferas de governo diminuiu 13% entre 2012 e 2019, mas os ganhos do setor público apresentaram aumento de 8%, entre os com carteira, e de 16%, entre os sem carteira. Conforme dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), os reajustes concedidos em setembro ficaram 1,9% abaixo da previsão de inflação para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), de 10,4% em 12 meses.

Os dados do Painel Estatístico de Pessoal (PEP), do Ministério da Economia, também mostram um quadro preocupante do ponto de vista das contas públicas, e que vão na contramão da fala do ministro da Economia, Paulo Guedes, que vem afirmando que o congelamento dos salários dos servidores por dois anos deve gerar uma economia de R$ 150 bilhões para os cofres públicos nas três esferas de governo. O painel mostra que o gasto mensal do governo federal com os servidores ativos e inativos cresceu quase 5% em relação ao período pré-pandemia, apesar da redução de 35 mil vagas entre 2019 e 2021. O painel mostra que o custo em outubro de 2019, com a folha de pouco mais de 1,2 milhão de pessoas, era de R$ 24,1 bilhões e passou para R$ 25,4 bilhões, no mesmo intervalo do ano passado, e para R$ 25,3 bilhões, em outubro deste ano. (ver quadro).

“A questão é que a pandemia mudou um pouco essa situação de desigualdade. A crise ainda reduziu mais os salários dos trabalhadores do setor privado em algumas áreas enquanto o setor público manteve a renda constante e ainda não teve redução de despesa apesar da redução no número de servidores”, destacou Daniel Duque, especialista em mercado de trabalho e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Ele ressaltou que o Brasil tem um número pequeno de servidores que custam muito caro para o governo se comparado com outros países desenvolvidos. "Existem cerca de 10 milhões de servidores em todo o país, mas a renda per capita do funcionalismo está acima da média de economias ricas que sequer concedem estabilidade no emprego como no Brasil”, comparou, citando como exemplo os Estados Unidos e vários países da Europa.

Especialistas lembram que um reajuste linear para o funcionalismo, além de injusto, deve aumentar as diferenças salariais entre os trabalhadores do setor público e do setor privado e, para piorar, também não corrige as discrepâncias entre as remunerações dos servidores, cujo teto de R$ 39,2 mil nem sempre é respeitado. Alguns privilegiados recebem supersalários ou até mesmo tem agora teto duplex -- recentemente instituído pelo Ministério da Economia, fazendo com que servidores civis e militares aposentados que continuam na ativa. “Aumentar linearmente os salários não ajuda a melhorar a qualidade do serviço público. É preciso arrumar ferramentas de remuneração que melhorem a produtividade do setor público”, defendeu Daniel Duque.

Saiba Mais

Perda de R$ 10,6 bi

A pandemia retirou das famílias brasileiras R$ 10,6 bilhões em 2020, a despeito do reforço proveniente de medidas emergenciais de socorro financeiro à população. O pagamento do auxílio emergencial elevou a massa de renda em circulação nas regiões Norte e Nordeste, mas não foi suficiente para repor todos os rendimentos perdidos do trabalho e de aposentadorias no restante do país.

Ricos ganham 35 vezes mais que os mais pobres

Apesar de o índice de Gini, usado para medir a desigualdade social, ter caído em 2020, a parcela de 1% da população que tem os rendimentos mensais mais elevados recebe, em média, 34,9 vezes mais do que a metade mais pobre da população. Os dados, divulgados ontem, fazem parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

De acordo com o levantamento, a renda mensal dos que fazem parte do 1% mais rico da população é, em média, R$ 15.816. Já o rendimento mensal dos 50% mais pobres é de R$ 453, ou seja, cerca de 35 vezes menor. Em 2019, a diferença entre as rendas era ainda maior, de 40 vezes, a mais alta da série estatística.

A ligeira queda na concentração de renda se deveu, principalmente, à distribuição do Auxílio Emergencial durante a pandemia da covid-19. “Entre 2019 e 2020, a desigualdade medida pelo Índice de Gini se reduziu em todas as regiões, sobretudo no Norte e no Nordeste, regiões com maior proporção de domicílios recebendo Auxílio Emergencial”, indicou o IBGE.

De 2019 para 2020, o índice passou de 0,544 para 0,524. Essa foi a maior queda da série histórica do indicador. O indicador, adotado como critério internacional, mede a concentração de renda e o nível de desigualdade entre membros da sociedade. Quanto mais próximo de zero é o índice, menos desigual é o país.

“Houve uma piora do mercado de trabalho. Muita gente perdeu a ocupação, mas o Auxílio Emergencial segurou quem tinha rendas domiciliares menores. Isso tornou a distribuição de renda do país menos desigual”, destacou Alessandra Scalioni, analista da pesquisa.

O diretor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Social, Marcelo Neri avalia que o auxílio emergencial pode ter sido generoso, proporcionando uma “melhora fugaz” nos indicativos sociais, mas não foi implantado de forma sábia: “Acho que esse é um efeito limitado. Não investimos em um aprendizado ou projeto para saber o que fazer agora nesse processo de saída do auxílio emergencial”.

Para o economista, a parcela da população que vinha recebendo o benefício deve sofrer para pagar as contas nos próximos meses. “Os 29 milhões que contavam com o auxílio deixarão agora de recebê-lo. Acho que vamos ter fortes efeitos adversos, não só na desigualdade mas na pobreza brasileira”, explicou.

“Agora, será difícil sair dessa situação de auxílio. No primeiro semestre de 2021 quando o auxílio acabou, a pobreza triplicou e agora estamos vivendo um momento parecido.” O levantamento ao qual Marcelo Neri se refere, publicado em abril deste ano pela FGV, constatou que, em meio à pandemia do coronavírus, o número de cidadãos que vivem abaixo da linha da pobreza triplicou, atingindo 27 milhões de pessoas, 12,8% da população brasileira.

Comparando agosto de 2020 com fevereiro de 2021, esse número triplicou. No ano passado eram 9,5 milhões de pobres. A taxa deste começo de década foi maior que a do início da anterior (12,4%), em 2011, e que a de 2019 (11%).