O rendimento médio mensal real do brasileiro teve queda recorde de 3,4% em 2020, durante o auge da pandemia do novo coronavírus, atingindo seu menor valor desde 2012. Os dados foram divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Com a pandemia, o rendimento mensal médio real de todas as fontes caiu de R$ 2.292, em 2019, para R$ 2.213 em 2020. Esse é o menor valor registrado pela série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), iniciada há oito anos.
A maior parte das fontes de renda registrou queda. A mais intensa foi notada entre as chamadas "outras fontes", que englobam aposentadorias, pensões e aluguéis. No caso dos aposentados e pensionistas, o IBGE atribuiu parte da redução ao aumento da mortalidade entre idosos na pandemia. "Pode ser efeito da mortalidade da covid-19, mas também de um represamento do INSS em liberar os benefícios, porque as agências de atendimento estavam fechadas, as pessoas não conseguiam fazer perícias", ponderou Alessandra Scalioni Brito, analista do IBGE.
Com a crise sanitária e econômica, o total de pessoas que mantinha algum rendimento do trabalho recuou de 92,8 milhões para 84,7 milhões, uma redução de 44,3% para 40,1% da população. Já o rendimento médio mensal habitualmente recebido do trabalho registrou aumento em 2020 por conta de um efeito estatístico. Com a saída de 8,1 milhões de pessoas do mercado de trabalho, em conseqüência do desemprego recorde, a média dos ganhos dos que permaneceram trabalhando subiu. Isso ocorreu porque a maioria das pessoas que perderam o emprego recebia rendimentos mais baixos; assim, a média acabou aumentando. A taxa média de desemprego no ano de 2020 foi de 13,5%, a maior da série iniciada em 2012. Em 2019, foi de 11,9%.
A Pnad revelou, ainda, que o número de pessoas que recebiam "outros rendimentos" subiu de 16,4 milhões, em 2019, para 30,2 milhões, em 2020, com um aumento de 6,5%. O crescimento é explicado pelo grande contingente de pessoas que passou a receber o Auxílio Emergencial, benefício criado pelo governo para socorrer as pessoas que se viram sem dinheiro para prover o próprio sustento em consequência do desemprego e das restrições impostas pelo combate à pandemia, como o isolamento social.
Com a redução da participação da renda vinda do trabalho, o rendimento proveniente de outras fontes (28,3%) e de outros rendimentos (14,3%) cresceu e bateu recorde. Entre os dois indicativos o crescimento mais expressivo foi o da proporção de pessoas com outros rendimentos, que foi de 7,8% em 2019 para 14,3% em 2020.
Em comunicado, o IBGE destacou que "a tendência de aumento do peso do rendimento de outras fontes e redução da parcela correspondente ao rendimento do trabalho, observada entre 2019 e 2020, ocorreu em todas as grandes regiões".
A região Sul registrou o maior percentual (46%) de pessoas com rendimento habitualmente recebido do trabalho. Enquanto isso, o Nordeste teve o pior desempenho nesse quesito, com 32,6% de pessoas com rendimento recebido do trabalho — percentual inferior ao das que sobreviviam com recursos de outras fontes (32,8%), um indicativo do peso que as diferentes formas de auxílios e benefícios assumiram para a população local.
De acordo com a Pnad, o maior valor do rendimento médio mensal real foi percebido no Sudeste (R$ 2.575). O menor, no Nordeste (R$ 1.554). Por outro lado, o Sudeste também foi o que registrou maior queda nesse quesito (-4,7%); já no Sul (-4,3%) o recuo foi mais intenso que a média nacional. O Centro-Oeste (-3,3%) acompanhou a média do país; a região Norte, por sua vez, registrou estabilidade do indicador, enquanto o Nordeste apresentou aumento de 1%.
Benefícios avançam
A pandemia da covid-19 tirou os trabalhadores brasileiros do mercado de trabalho e fez com que grande parte passasse a depender de benefícios sociais. Dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) 2020, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que a proporção de domicílios que recebem programas sociais saltou de 0,7% em 2019 para 23,7% em 2020. O aumento se deve ao Auxílio Emergencial, criado em 2020 pelo governo para diminuir os impactos socioeconômicos da pandemia, que acabou de ser pago ontem aos brasileiros.
Além disso, com a migração de pessoas que recebiam o Bolsa Família para o Auxílio Emergencial, já que este benefício pagava um pouco mais que o outro, houve redução da proporção de lares que recebiam o Bolsa Família. Entre 2019 e 2020, o número caiu de 14,3% para 7,2%.
A dona de casa Ana Paula de Melo Silva, 27 anos, recebia o Bolsa Família há três anos, mas na pandemia passou a receber o Auxílio Emergencial. "Foi uma necessidade, porque eu não tinha renda nenhuma e com a covid-19 tudo ficou mais difícil", desabafou. Mãe solteira de três filhos, ela mora de aluguel no Riacho Fundo 1 sozinha com as crianças e recebia R$ 375 do governo durante a pandemia.
Agora que o auxílio acabou, a falta de informação sobre o Auxílio Brasil, que entra no lugar do Bolsa Família, a deixa aflita. "Como recebia o Bolsa Família, acho que o meu já vai ser atualizado automaticamente, mas não sei como vai ser", disse.
Categorias
Segundo o IBGE, o Auxílio Emergencial fez com que a participação de "outros rendimentos" na renda domiciliar per capita atingisse 7,2%, a maior da série histórica da pesquisa. Em 2019, a proporção foi de 3,4%.
A categoria "outros rendimentos" foi a única que cresceu de 2019 para 2020. A participação do rendimento de todos os trabalhos na renda domiciliar caiu de 74,4%, em 2019, para 72,8% em 2020. "O mercado de trabalho sofreu bastante com a pandemia. Por causa do distanciamento social, alguns setores que dependiam de movimentação de pessoas, como o de serviços, foram ainda mais afetados. O trabalho em si perdeu espaço", explicou a analista da pesquisa Alessandra Scalioni.
Por outro lado, o pagamento do Auxílio Emergencial fez com que a proporção de pessoas que tinham outros rendimentos atingisse 14,3% em 2020, o que representa 30,2 milhões de pessoas. É a primeira vez, desde o início da pesquisa, que este grupo supera os que recebem aposentadoria e pensão (12,4%).
Ricos ganham 35 vezes mais que os mais pobres
Apesar de o índice de Gini, usado para medir a desigualdade social, ter caído em 2020, a parcela de 1% da população que tem os rendimentos mensais mais elevados recebe, em média, 34,9 vezes mais do que a metade mais pobre da população. Os dados, divulgados ontem, fazem parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De acordo com o levantamento, a renda mensal dos que fazem parte do 1% mais rico da população é, em média, R$ 15.816. Já o rendimento mensal dos 50% mais pobres é de R$ 453, ou seja, cerca de 35 vezes menor. Em 2019, a diferença entre as rendas era ainda maior, de 40 vezes, a mais alta da série estatística.
A ligeira queda na concentração de renda se deveu, principalmente, à distribuição do Auxílio Emergencial durante a pandemia da covid-19. "Entre 2019 e 2020, a desigualdade medida pelo Índice de Gini se reduziu em todas as regiões, sobretudo no Norte e no Nordeste, regiões com maior proporção de domicílios recebendo Auxílio Emergencial", indicou o IBGE.
De 2019 para 2020, o índice passou de 0,544 para 0,524. Essa foi a maior queda da série histórica do indicador. O indicador, adotado como critério internacional, mede a concentração de renda e o nível de desigualdade entre membros da sociedade. Quanto mais próximo de zero é o índice, menos desigual é o país.
"Houve uma piora do mercado de trabalho. Muita gente perdeu a ocupação, mas o Auxílio Emergencial segurou quem tinha rendas domiciliares menores. Isso tornou a distribuição de renda do país menos desigual", destacou Alessandra Scalioni, analista da pesquisa.
O diretor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Social, Marcelo Neri avalia que o auxílio emergencial pode ter sido generoso, proporcionando uma "melhora fugaz" nos indicativos sociais, mas não foi implantado de forma sábia: "Acho que esse é um efeito limitado. Não investimos em um aprendizado ou projeto para saber o que fazer agora nesse processo de saída do auxílio emergencial".
Para o economista, a parcela da população que vinha recebendo o benefício deve sofrer para pagar as contas nos próximos meses. "Os 29 milhões que contavam com o auxílio deixarão agora de recebê-lo. Acho que vamos ter fortes efeitos adversos, não só na desigualdade mas na pobreza brasileira", explicou.
"Agora, será difícil sair dessa situação de auxílio. No primeiro semestre de 2021 quando o auxílio acabou, a pobreza triplicou e agora estamos vivendo um momento parecido." O levantamento ao qual Marcelo Neri se refere, publicado em abril deste ano pela FGV, constatou que, em meio à pandemia do coronavírus, o número de cidadãos que vivem abaixo da linha da pobreza triplicou, atingindo 27 milhões de pessoas, 12,8% da população brasileira.
Comparando agosto de 2020 com fevereiro de 2021, esse número triplicou. No ano passado eram 9,5 milhões de pobres. A taxa deste começo de década foi maior que a do início da anterior (12,4%), em 2011, e que a de 2019 (11%).
* Estagiário sob a supervisão de Odail Figueiredo