Após a difícil aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, a PEC23/2021, na última semana, a bola da vez na Câmara dos Deputados será a prorrogação da desoneração da folha de pagamento. Antes mesmo da votação em segundo turno dessa PEC, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL) já sinalizava que esse seria seu próximo foco — algo que foi confirmado por parlamentares.
Até então, o que se tinha, ao menos publicamente, era um posicionamento contrário por parte da equipe econômica com relação a essa prorrogação. O projeto que tramita na Câmara (PL 2541/21) prevê que os 17 setores atualmente contemplados continuem pagando menos sobre a folha de pagamento até 2026. Entre os segmentos beneficiados, destacam-se comunicações, construção civil, couro, calçados, call centers, indústria têxtil, fabricação de veículos, proteína animal, máquinas e equipamentos, tecnologia da informação, transporte rodoviário coletivo e de cargas e transporte metroferroviário de passageiros.
Para o governo, manter a desoneração significava abrir mão de cerca de R$ 8 bilhões em arrecadação no ano que vem. Deputados, então, articularam com o governo e o convenceram de que esse montante não compensaria as perdas do governo com uma possível onda de demissões no próximo ano, de acordo com o deputado Efraim Filho (PB), líder do DEM na Câmara e autor do projeto de lei. Apesar de a matéria ter ficado "parada" nas últimas semanas, houve diálogo permanente, garante o parlamentar.
"Com o avanço da PEC dos Precatórios e o diálogo político que nós tivemos, o próprio Lira reverberou em algumas oportunidades que a PEC dos Precatórios ajudaria a abrir o espaço fiscal para a aprovação da desoneração", afirma Efraim Filho.
O projeto, que está na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), deverá ser votado na próxima quarta-feira (17/11) e tem parecer favorável do relator, deputado Marcelo Freitas (PSL-RJ). Segundo Efraim Filho, a votação desta semana pode ser feita de forma a levar o tema diretamente ao Senado após a aprovação na CCJ ou aprovar um requerimento de urgência para que o tema vá ao Plenário da Casa, já que há uma corrida contra o tempo.
"Eu estou, hoje, mais animado do que nunca para a aprovação dessa matéria na Câmara e também, rapidamente, no Senado antes do fim do ano, isso é importante para que dê tempo para as empresas se planejarem e trazer segurança jurídica para investimentos e ampliação das atividades para 2022. O maior desafio do Brasil é preservar empregos e gerar novas oportunidades e a desoneração tem tudo a ver com isso", afirma.
Mesmo que a aprovação do projeto não esteja garantida, a desoneração para o próximo ano está. Na última semana, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse, em mais de uma oportunidade, que o governo federal vai prorrogar por mais dois anos a desoneração da folha de pagamento. A prorrogação foi um pedido dos deputados que articulam a favor da proposta ao governo.
Proposta fraca
Apesar de ser considerada necessária por aqueles que defendem a competitividade da indústria, a proposta é fraca do ponto de vista de soluções permanentes, na avaliação do deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP), presidente da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo. Ele conta que, durante as conversas pela aprovação da PEC dos Precatórios — que ele votou contra — houve conversas sobre o uso de parte do espaço fiscal liberado pela proposta para custear a desoneração.
Fonteyne diz ser a favor de desonerar todos os setores da economia, mas reconhece que não há espaço fiscal para isso. Diante disso, o mínimo que deve ser feito, segundo ele, é desonerar aqueles que geram mais empregos. No entanto, ele avalia que os empresários precisam de soluções mais concretas, que resolvam as dificuldades de geração de empregos em nível estrutural.
"Precisamos resolver o problema de tributação na contratação. Não faz sentido ficar pagando imposto sobre contratação de empregados. Hoje há um desestímulo à formalização. Estamos com uma massa enorme de pessoas que nem procuram mais empregos. Temos que resolver isso de forma definitiva, não ficar prorrogando de barrigada em barrigada a desoneração", afirma o parlamentar.
De acordo com as regras atuais, a desoneração permite às empresas substituírem a contribuição previdenciária de 20% sobre salários por alíquotas entre 1% e 4,5% da receita bruta.
A limitação aos 17 setores, cria um ambiente de desvantagem competitiva àquelas empresas que ficam de fora, segundo Fonteyne. O parlamentar acredita, no entanto, que não há mais espaço para fazer reformas estruturais no governo Bolsonaro, já que as eleições se aproximam.
Solução paliativa
A lei da desoneração da folha de pagamento passou a valer ainda em 2011, durante o governo de Dilma Rousseff, com o objetivo de aumentar o número de trabalhadores formais e prevenir demissões. Mas foi em 2020, durante a pandemia da covid-19, que ela ganhou os moldes em vigor hoje, através de uma Medida Provisória que virou lei.
Segundo Felipe Queiroz, economista e pesquisador da Unicamp, o contexto agora é outro: há um alto índice de desemprego fruto da omissão do governo quando o assunto é política de geração de empregos. “Por um lado, isso [a desoneração] diminui o custo de produção, mas falta ao governo uma política de geração de empregos. A desoneração é uma política paliativa de longo prazo, é preciso ter algo que melhore isso. A participação da indústria no PIB está nos níveis pré Juscelino Kubitschek, e o governo diz que o mercado vai se ajustar”, avalia.
Já Otto Nogami, professor do Insper, entende que a desoneração é necessária, mas também avalia que trata-se de uma medida tímida perto do alto nível de complexidade que o empresariado brasileiro enfrenta. “A primeira questão é que os encargos sociais aqui talvez sejam os mais altos mundialmente. Então o custo da mão de obra na indústria é extremamente elevado e isso tira a competitividade das empresas. Então é importante [desonerar], mas é preciso rever toda a estrutura tributária que incide sobre o trabalho. Acho que é uma lição de casa que deveria ser feita urgentemente pelo governo”, afirma.
“A situação atual dos encargos penaliza a indústria nacional e a produtividade. Essa revisão é importante. Não é só desonerar, precisa partir para uma decisão mais definitiva. Não adianta ficar com solução paliativa”, prosseguiu.
Nogami pontua que, para uma retomada eficaz da economia, é preciso tornar o sistema mais simples para os geradores de empregos. “A empresa tem um objetivo-fim, mas gasta grande parte do seu tempo com burocracia, recolhimento de impostos, o que atrapalha a fluidez dos negócios”, concluiu.