CONJUNTURA

Com Selic acima de 10%, consumidor deve se programar melhor para não se endividar

A deterioração das expectativas para a atividade econômica contribui para tirar o sono das famílias brasileiras, principalmente as mais endividadas, que voltarão a conviver com juros de dois dígitos em 2022

A deterioração das expectativas para a atividade econômica, devido às incertezas em relação ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido) — que partiu para o vale-tudo antecipado das eleições — contribui para tirar o sono das famílias brasileiras, principalmente as mais endividadas, que voltarão a conviver com juros de dois dígitos no ano que vem.

As previsões do mercado só pioram e indicam que a inflação oficial deverá estourar o limite da meta neste ano, de 5,25% e de 5%, respectivamente, com o cenário fiscal cada vez mais preocupante. Os dados do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) da última semana confirmam os prognósticos nada animadores, após a surpresa com a alta de 1,25% do indicador no mês de outubro — a maior variação para o mês desde 2002. Com isso, o IPCA subiu 10,67% no acumulado em 12 meses, consolidando o patamar de dois dígitos pelo segundo mês seguido, tendência que deve prosseguir até dezembro, pelo menos.

Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o Banco Central acelerou o ritmo de alta da taxa básica de juros (Selic), para 7,75% ao ano, e sinalizou juro básico de 9,25% em dezembro. Contudo, devido à piora no cenário fiscal e ao aumento das pressões inflacionárias, as apostas do mercado indicam a necessidade de um aperto monetário maior e de uma Selic mais perto de 10% no fim do ano.

E o custo dessa insegurança maior será alto para os contribuintes. Conforme dados do BC no relatório fiscal de outubro, a cada ponto a mais na Selic, a dívida pública bruta aumenta R$ 32,2 bilhões por ano, quase um Bolsa Família, que, no Orçamento de 2022 estava previsto em R$ 34,7 bilhões. Mas essa fatura tende a aumentar em, pelo menos, R$ 322 bilhões, se considerarmos as altas da Selic desde março até 12%, considerado piso para o início do próximo ano.

Com a Selic voltando a ficar acima de 10%, o consumidor precisará se programar melhor, pois os empréstimos no mercado custam muito mais do que a taxa básica. E, como o nível de endividamento das famílias vem batendo recordes, o crédito ficará cada vez mais escasso e mais caro no mercado, tanto para os consumidores quanto para as empresas, o que vai travar qualquer crescimento da economia no ano que vem, avisam os analistas.

Fábio Gallo, professor de Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), lembra que, para quem está endividado ou na beira do endividamento, "vai ser complicado sair dessa bola de neve diante dessa alta dos juros". "A situação está terrível para todos, principalmente para as pequenas empresas conseguirem manter seus negócios. Muitos empresários não conseguiram os auxílios do governo para redução dos custos da folha e acabaram demitindo ou fechando. Agora, com a Selic em dois dígitos vai ser muito mais difícil", afirma.

Analistas reconhecem que esse ciclo de alta dos juros, iniciado em março deste ano, seguirá até a primeira metade do ano que vem, na melhor das hipóteses. "As condições de crédito estão piorando e esse quadro não deve melhorar em 2022, quando a Selic voltar para dois dígitos, pressionada pela inflação mais alta e essa pressão em torno do teto de gastos", destaca Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).

Ele lembra que, conforme pesquisa da entidade, houve nove altas consecutivas de juros praticados no comércio e no mercado financeiro, e, com os juros mais altos, o custo do crédito para o consumidor e para as empresas também fica mais caro, o que vai contribuir para o aumento da inadimplência daqui para frente.

"Do ponto de vista das empresas, o juro mais alto na economia desacelera o crescimento. E, como o país pode entrar em recessão no ano que vem, as empresas não investem nesse ambiente, porque não tem sentido aumentar a produção se não vai haver aumento do consumo", explica Ribeiro.

"E, por outro lado, como o custo do crédito para as empresas e para as famílias fica mais caro, os bancos passam a ser mais seletivos no crédito e reduzem o prazo dos financiamentos. Eles não querem empréstimos de longo prazo, porque não sabem o que virá pela frente na economia e na política. Logo, com o crédito mais restrito, haverá desaceleração econômica e aumento do desemprego. O consumidor desempregado não paga dívida e a inadimplência aumenta. E a inadimplência aumenta. E ficamos nessa roda", lamenta.

Recorde

O número de famílias endividadas atingiu um novo recorde em outubro, chegando a 12,1 milhões, conforme dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Pesquisa recente da entidade indica que o percentual de famílias que estão endividadas com cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, crédito consignado, empréstimo pessoal, prestação de carro e da casa chegou a 74,6%, em outubro, dado 8,1 pontos percentuais acima do mesmo mês de 2020, "o segundo maior aumento da série histórica".

Enquanto isso, as concessões de crédito às pessoas físicas já estão caindo. Em setembro, recuaram 2% na comparação com agosto, conforme dados do Banco Central. "A evolução do endividamento das famílias e das empresas não surpreende dado o aperto monetário do Banco Central. Esse dado eleva a dificuldade do equilíbrio do orçamento das famílias em um momento em que a inflação está alta e o desemprego relativamente elevado", destaca Fábio Bentes, economista da CNC.

Ele reconhece que os juros mais altos têm atingido de forma mais forte as famílias com renda abaixo de 10 salários mínimos. "Com a inflação e os juros em alta, a tendência é que o endividamento permaneça elevado por algum tempo. Mas isso dependerá do grau de repasse das instituições financeiras aos tomadores finais", destaca Bentes. Para ele, neste ano, o crescimento do comércio está garantido, com alta de 4,6%. Mas no ano que vem, "a tendência é de um crescimento menor".

Planejar é essencial

Diante da escalada dos juros e do endividamento elevado das famílias, especialistas orientam os consumidores a programarem bem as despesas ao longo do mês para não ficarem ainda mais no vermelho. O recomendável é não comprometer mais do que 30% da renda familiar com dívidas, para começar.

Ricardo Rocha, professor de Finanças do Insper, recomenda que é preciso fazer um bom planejamento para não cair na bola de neve do endividamento elevado. Ele lembra que a chegada da primeira parcela do 13º salário poderá ajudar na quitação daquelas dívidas mais caras. "É preciso começar 2022 com o uso adequado do 13º, fazendo um orçamento para as despesas de início de ano, com meta de reduzir o endividamento ou alongar, se for a melhor alternativa", sugere.

Contudo, esse salário extra pode não ser uma garantia para muitos brasileiros, uma vez que pesquisa feita pelo Datafolha, a pedido do Sindicato das Micro e Pequenas Empresas do Estado de São Paulo (Simpi), revela que uma em cada cinco empresas deverá atrasar o 13º deste ano. O levantamento indica que 26% das micros e pequenas indústrias têm mais dificuldade para pagar o benefício neste ano do que tinham em 2020.

"É importante fazer um bom planejamento financeiro, saber administrar o orçamento familiar de forma rígida e não esquecer de fazer previsão de gastos futuros para o próximo ano", reforça Fábio Gallo, professor de Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ele recomenda colocar tudo no papel e separar os gastos por quatro grupos: A (Alimentação), B (Básicos), C (Contornáveis) e D (Desnecessários).

"É preciso determinar um valor fixo para cada uma dessas despesas no mês, inclusive, para a alimentação, que é mais essencial, e, assim, evitar comprar itens supérfluos. É possível substituir os produtos mais caros pelos mais baratos. Muitas famílias já estão trocando a carne pelo ovo. Mas o importante é não gastar além do valor destinado na planilha", afirma.

No segundo grupo, estão os itens básicos, como contas de luz, gás e telefone. O jeito é tentar economizar o máximo possível. A terceira categoria possui aqueles gastos que fazem a vida melhor, mas podem ser cortados no caso de emergência, como TV a cabo, serviços de streaming, de banda larga e até academia. "Eu já vi desempregado pagando academia. A banda larga pode ser necessária para algumas pessoas, mas é preciso colocar tudo isso no sinal amarelo, pois podem ser cortados", conta Gallo.

Finalmente, no último grupo, estão aquelas despesas que o consumidor nem lembra que está comprando. Como exemplo, o professor orienta sempre conferir a fatura do telefone celular, porque pode aparecer algum pacote ou item que não foi contratado ou esquecido. Outro gasto desnecessário é a anuidade de cartão de crédito. "Hoje em dia não tem sentido pagar para uma bandeira se você pode ter cartão gratuito", ressalta. 

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