O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu vários trechos da portaria nº 620/21, do Ministério do Trabalho, que determinava que empresas não poderiam exigir comprovantes de vacinação contra a covid-19 dos funcionários. A matéria suscitou controvérsias e levou partidos políticos e sindicatos a entrar com ações contra o governo, alegando afronta à Constituição. Com a decisão de Barroso, os empregadores retomam o direito de exigir ou até de demitir quem se recusar a apresentar o documento. A portaria foi editada pelo ministério no último dia 1º de novembro.
Mas, de acordo com Barroso, a exigência não deve ser aplicada a pessoas que tenham contraindicação médica baseada no Plano Nacional de Vacinação ou em consenso científico. O ministro seguiu orientação da Corte que, no ano passado, entendeu que a vacinação no país é obrigatória, mas não pode ser forçada, sendo possível aplicar sanções para quem não se imunizar. Na contramão, a portaria do governo classificou como "prática discriminatória" a demissão por justa causa do empregado ou a exigência de vacinação para a admissão.
Mariana Machado Pedroso, sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados, destaca que a decisão de Barroso ainda é preliminar, mas não causou surpresa, porque respeita entendimento do STF, embora, lembra ela, a "vacinação compulsória" — quando o governo cria meios de acesso ao cidadão — indicada pelo tribunal seja diferente do conceito de "vacinação obrigatória". "Também muito importante na liminar foi o ministro Barroso entender que o governo não pode interferir no poder de decisão da empresa".
"Vale destacar, ainda, o que tem sido pouco falado. A liminar toca não somente no poder do empregador, mas Barroso destaca, e eu acho extremamente relevante, o direito de os demais empregados a um ambiente saudável. Ou seja, a demissão por justa causa ou a não contratação de quem não tiver imunizado são uma proteção aos funcionários. Achei bem interessante esse ponto", afirmou Mariana.
Donne Pisco, sócio-fundador do Pisco & Rodrigues Advogados, reforça que a "suspensão da portaria do Ministério do Trabalho destaca a falta de justificativa para a proibição da exigência de vacina". Ele deixou claro que não havia sentido na medida do governo, porque existe manifestação anterior do próprio STF, "prevista na Lei n° 13.979/20, sancionada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro".
O governo chegou a equiparar a exigência de vacina a práticas discriminatórias relacionadas a sexo, raça, cor, idade e deficiência e a estabelecer punições para os empregadores que descumprissem a determinação do Ministério do Trabalho. Na decisão, Barroso lembrou que o país e o mundo enfrentam uma pandemia de graves proporções. "A enfermidade por covid-19 mostrou-se altamente contagiosa e é responsável, no Brasil, pela impressionante cifra que ultrapassa 600.000 mortos. As pesquisas disponíveis indicam que a vacinação é uma medida essencial para reduzir o contágio por covid-19, para minimizar a carga viral e assegurar maior resiliência aos infectados", apontou.
A alegação de prática discriminatória também foi barrada. "Não há comparação possível entre a exigência de vacinação contra a covid-19 e a discriminação por sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade ou gravidez. Esses últimos fatores não interferem sobre o direito à saúde ou à vida dos demais empregados da companhia ou de terceiros. A falta de vacinação interfere", argumentou o ministro.
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Fiscalização trabalhista em xeque
Após o governo federal anunciar a simplificação de mais de mil normas do trabalho e a instituição do Marco Regulatório Trabalhista Infralegal, por meio do decreto nº 10.854/2021, especialistas e entidades de classe temem a perda de espaço do Ministério Público na fiscalização das leis trabalhistas.
Ao todo, foram consolidadas, em 15 normas, o conteúdo ainda válido de mais de mil decretos, portarias e instruções normativas trabalhistas. A medida, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, determina que a atividade de fiscalização de relações de emprego é exclusiva dos auditores-fiscais vinculados ao Ministério do Trabalho e da Previdência.
Na avaliação da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), falta mais aprofundamento sobre o tema. A entidade é contrária ao enxugamento das normas. "A ausência de espaço para prévia discussão assume especial gravidade quando se cogita de modificação do arcabouço normativo trabalhista", aponta.
"Por força de compromisso expressamente assumido pelo Brasil perante a comunidade internacional, pressupõe, segundo o modelo tripartite, interlocução entre o governo e os destinatários da normatização, empregadores e trabalhadores, estes devidamente representados pelas entidades sindicais que os congregam", observou a ANPT.
Para o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luiz Colussi, há uma "extrapolação" do governo com a medida. "Essa mudança pode provocar uma insegurança jurídica, justamente o que o novo decreto pretende, que é justamente trazer a segurança jurídica. E esse ponto fica contraditório, inseguro", diz.
Colussi afirma que a Anamatra ainda vai avaliar o decreto. "Estamos examinando e discutindo o texto para entender se não há uma extrapolação do poder regulamentar do Ministério do Trabalho e Previdência e uma invasão da competência que é do Congresso Nacional para legislar sobre o direito do trabalho", destacou.
Debate
O decreto por um lado, ao simplificar as normas, facilita o entendimento do empresário. "Mas há jabutis que efetivamente não são bem-vindos", aponta o juiz Guilherme Feliciano, professor da Universidade de São Paulo e ex-presidente da Anamatra. Ele disse que vários aspectos deveriam ser feitos por meio de lei e não de decreto do Executivo. Entre os jabutis, ele aponta novas normas sobre a frequência do empregado.