Diante da alta do custo de vida e do preço salgado dos alimentos, que podem ressuscitar na memória velhos hábitos herdados do passado dramático de hiperinflação, especialistas alertam os consumidores para o risco de fazer grandes compras e de estocar produtos. "É um tiro no pé. Quando as famílias compram para estocar em casa, a mensagem que passam para o mercado é de que aquele preço é convidativo. Então, abrem espaço para novos aumentos, elevam o risco de escassez e, com isso, ajudam a produzir mais inflação", explicou André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).
Braz não recomenda uma corrida aos supermercados e não acredita que o país vive momento de descontrole inflacionário que justifique a estratégia. "Pelo contrário, a gente tem que dizer que não concorda, que o preço é demasiado e dar oportunidade para que caia. E se o valor não diminuir, basta substituir ou comprar menos. Essa é a forma de comunicar ao mercado, usando a lei da oferta e da procura, de que o preço não é o que se quer pagar", reforçou. Para ele, não faz sentido, em 2021, um comportamento do período anterior a 1994, quando foi lançado o Plano Real.
Felipe Queiroz, pesquisador da Unicamp, aponta os impactos negativos da inflação na renda. "Os salários têm sido reajustados no mínimo ou abaixo da inflação. Além disso, o aumento maior tem sido nos preços de bens essenciais, como energia elétrica e supermercado."
Contribui para esse cenário, afirma Queiroz, a falta de planejamento do governo, e de uma política econômica e social bem determinada. "O governo age modo desordenado", disse.
A corrida desenfreada aos mercados para estocar produtos, na década de 1980, foi típica de um período hiperinflacionário, de inflação inercial, quando não há fato gerador, mas ela vai aumentando por si só, destacou o economista. "Estamos vivendo um processo que lembra muito esse período, porque principalmente as famílias de menor renda, com receio de que os preços subam, tentam se proteger minimamente do processo de alta inflação", disse Queiroz.
De acordo com a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em outubro, os preços da cesta básica aumentou em 15 das 17 capitais pesquisadas. Nos cálculos do Dieese, o salário mínimo necessário para enfrentar o custo de vida deveria ser de R$ 5.005,91, ou 4,79 vezes o vigente, de R$ 1.045,00. Quando se compara o custo da cesta com o salário mínimo líquido, o trabalhador comprometeu, na média, 53,09% do ganho para comprar os alimentos.
*Estagiária sob a supervisão de Odail Figueiredo