A inflação continua acelerando. Depois de registrar alta de 1,16% em setembro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 1,25% em outubro, na maior variação para o mês desde 2002, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O resultado surpreendeu o mercado, que apostava numa elevação ao redor de 1%. O IPCA acumula alta de 8,24% no ano e de 10,67% em 12 meses — o mesmo patamar de 2015, no pior momento do governo da então presidente Dilma Rousseff. E os mais pobres, mais uma vez, estão pagando a conta mais alta (veja na página 8).
Os dados do IBGE desencadearam uma nova onda de revisões para cima para o custo de vida neste ano e no próximo. As novas estimativas apontam o IPCA encerrando o ano em 10%, acima das últimas projeções de mercado coletadas pelo boletim Focus, do Banco Central, de 9,33%. O resultado acumulado está bem acima do teto da meta deste ano, de 5,25%. Para 2022, o consenso em formação é de que a inflação também vai estourar o teto da meta, de 5%.
Além disso, a carestia está disseminada, pois os nove grupos de produtos pesquisados tiveram alta, com destaque para transportes e alimentos e bebidas. Gasolina, etanol, óleo diesel e gás de botijão registraram algumas das principais altas acumuladas em 12 meses, de 42,72%, 67,41%, 41,34% e 37,86%, respectivamente. Já as passagens aéreas e o transporte por aplicativo, com altas de 33,86% e 19,85%, apenas em outubro, foram os principais destaques do IPCA do mês passado, refletindo o aumento na demanda por serviços, com o avanço da vacinação.
Em outubro, o índice de difusão voltou a subir, alcançando 67%, o que, segundo analistas, indica que será mais difícil o custo de vida arrefecer nos próximos meses. Eles lembram que há uma expectativa de novos reajustes nos combustíveis neste mês por conta da alta dos preços do petróleo e da contínua valorização do dólar — que reflete o aumento da desconfiança de investidores no governo. Com isso, o Banco Central precisará ser menos leniente com a inflação daqui para a frente. O aumento das pressões inflacionárias lá fora, com os Estados Unidos registrando alta de 6,2% nos preços ao consumidor, também deverá ajudar a valorizar o dólar ante o real no ano que vem, pois a expectativa é de que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) comece a aumentar os juros.
"Os grandes vetores da inflação são a energia elétrica e os combustíveis, pois respondem por 50% da alta do IPCA no ano. E eles devem continuar sendo as maiores influências no indicador deste mês, porque o último reajuste do diesel e da gasolina, no fim de outubro, terá impacto na inflação de novembro e ainda não podemos descartar um novo reajuste em breve", afirmou o economista André Braz, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre /FGV).
Braz não descarta alta de 1% no IPCA de novembro e admite que, no fim do ano, o indicador deverá ficar acima de 10%. "O Banco Central vai ter o desafio de controlar a inflação apenas com a política monetária, pois não há sinais de colaboração do governo na área fiscal", lamentou.
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Surpresa
Fabio Romão, economista sênior da consultoria LCA, revisou de 9,7% para 10,02% a previsão para o IPCA de 2021. A estimativa de 5% para 2022 foi mantida, "por enquanto". Segundo ele, a surpresa no IPCA ocorreu, em grande parte, devido à aceleração mais do setor de serviços, que deverá crescer 5% neste ano e 5,2% no ano que vem, após a alta de apenas 1,6% em 2020.
"Houve inflação nos artigos de residência e de vestuário, nos restaurantes, nas passagens aéreas, refletindo a reabertura da economia. O consumidor está mudando o alvo de consumo agora, deixando de lado os gastos com bens duráveis que foram prestigiados na pandemia", explicou Romão. Contudo, devido à inflação mais forte e o desemprego ainda elevado, a tendência é que a renda do consumidor encolha e, com isso, "não haverá estímulo muito grande para aumentar a demanda por serviços".
Juros altos e PIB em queda em 2022
Ao revisarem as projeções de inflação para cima, analistas lembram que o Banco Central precisará acelerar o ritmo de alta da taxa básica de juros (Selic) se quiser manter a inflação dentro da meta no ano que vem. Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, destacou que a recente crise fiscal ainda não mostrou seu pleno impacto na economia, mas dá mostras do que pode significar para 2022. "O IPCA de outubro, que novamente veio acima das expectativas de mercado, ainda tem a ver com o que aconteceu antes da quebra do regime fiscal, mas sinaliza os problemas que teremos pela frente. Com cerca de 35% do IPCA crescendo acima de dois dígitos, o BC terá dificuldade para trazer a inflação para a meta ano que vem", disse.
"Mesmo com os juros subindo para os 11,75% — nova projeção ante os 10,5% esperados anteriormente —, não mudamos a expectativa de 4,7% de IPCA em 2022. Subir os juros para esse patamar ajudará a manter o IPCA nessa faixa, pois, caso contrário, teríamos que aceitar uma Selic menor e a inflação teria que ser ajustada para 5,5%", alertou o economista.
Vale manteve em 0% a previsão para o Produto Interno Bruto (PIB), no ano que vem, mas disse que "há 50% de chance de uma recessão acontecer", especialmente com juros mais elevados.
Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust, revisou a estimativas de inflação para 10,10% em 2021 e para 5,94% em 2022. "A inércia começa a forçar a inflação mês a mês, que passa a ficar próxima de 1% em novembro e em dezembro, o que é muito preocupante. Será preciso que o Banco Central dê uma paulada mais forte nos juros se quiser cumprir o compromisso de trazer o IPCA para o centro da meta em 2022", alertou.
Velho lamentou o fato de o BC ter demorado para começar a reagir à persistência inflacionária. "O timing para um ajuste monetário mais forte foi perdido em maio. O mercado está percebendo que a inflação está muito disseminada e não ocorre apenas pelos reajustes dos preços administrados (como conta de luz e transporte)", disse.
Arnaldo Lima, diretor de Estratégias Públicas do grupo Mongeral Aegon (MAG), elevou a projeção de alta do IPCA de 2021 de 9,7% para 9,9%, mas manteve, "neste momento", a previsão de 4,5% para 2022. Ele também reconheceu, no entanto, que deve haver uma alta mais forte nos juros para a convergência da inflação para a meta em 2022, "mesmo acarretando perda de dinamismo econômico". Ele lembrou que, além dos combustíveis e da energia, "outra fonte de pressão inflacionária é a taxa de câmbio, cuja desvalorização também é reflexo do elevado risco fiscal".