Já é novembro. Panetones, guirlandas, papais noéis e enfeites natalinos ocupam lugar de destaque nas prateleiras. Apesar do otimismo do varejo, que aposta em vendas muito maiores do que as do ano passado em razão do avanço da vacinação contra covid-19, não será fácil para os consumidores realizarem os sonhos típicos da data, como mesas fartas, presentes, e viagens pelo Brasil e para o exterior. No ano da inflação a quase 10% e do dólar beirando os R$ 6, o bacalhau, por exemplo, corre o risco de ser desbancado por opções mais baratas.
A invasão antecipada de importados e produtos típicos das festas de fim de ano nas gôndolas tem também um componente emocional para o brasileiro. Para mudar o calendário das compras, o varejo conta com ingredientes como a vontade de passar as festas de fim de ano com a família após mais de um ano e meio de pandemia.
Carlos Eduardo de Freitas, conselheiro do Conselho Regional de Economia do DF e consultor econômico independente, explica que, apesar do cenário de instabilidade, o fim de ano pode, sim, ser bom para o comércio e para as vendas. “Neste ano, após o choque da pandemia — quando o Produto Interno Bruto caiu 4% —, a economia do país teve novo choque externo. De um lado, pela subida explosiva do preço do petróleo no mercado internacional. De outro, a crise hídrica no Brasil e as novas ondas da covid-19.”
Segundo o economista, os fatores citados empobreceram a população. “Sentimos isso por meio de uma inflação de custos”, exemplifica. “No entanto, dois componentes do triplo choque de custos — pandemia e crise hídrica — estão indo embora. Fica, então, a questão do petróleo, que pode subir um pouco mais devido ao inverno”, avalia.
Em relação às compras de fim de ano, o especialista defende que a demanda reprimida contribui para o aumento das vendas, ainda que discreto. Além disso, acredita que não há manobras para driblar a carestia nos preços. “Como disse, essa carestia não é, ao menos por enquanto, o velho dragão, porque não ganhou vida própria até o momento. A subida de juros do Banco Central tem sido e será importante para travar esse processo”, pontua.
Expectativa
Karoline Rosa Ferreira, dona da loja virtual Graciosas Moda, conta que suas expectativas são boas para o Natal, “mesmo sabendo que o brasileiro tem sentido os aumentos no bolso”. “Meu ramo é de moda feminina, geralmente as mulheres gostam de se vestir bem nas festas de fim de ano”, aposta. A empresária diz que muitas empresas tiveram que recorrer a internet em razão da quarentena, no ano passado, e que isso ainda tem ajudado muito os empreendedores.
Ela conta que, no ano passado, apesar da pandemia, vendeu muito bem, mas que ainda estava começando o negócio. “Tenho a esperança de que esse ano seja melhor. Porém, não posso esquecer que estamos em meio a uma crise, por isso, temos que esperar também o lado negativo. Eu sinto que as pessoas não estão comprando tudo o que veem pela frente, estão se segurando mais, por conta do aumento das coisas. E acaba que não sobra tanto dinheiro”, afirma.
Marcello Lopes, chef e empresário do Italianíssimo e do Blend Boucherie, conta que abriu os restaurantes em meio à pandemia e que foi um desafio muito grande. “Reformamos, investimos no delivery e agora, com a vacinação da população, as coisas estão melhorando. O movimento está bem melhor”, avalia.
Ele aposta em preços especiais para atrair clientes para as confraternizações. “Vamos focar em pacotes e promoções para se reunirem com segurança, já que tem quase dois anos que as pessoas não se reúnem para celebrar as conquistas. Também esperamos que, neste fim de ano e em 2022, nosso setor consiga voltar a gerar mais empregos e se recupere 100%”, diz.
Eula Silva, lojista no Brasil Center Shopping, em Valparaíso, também está otimista em relação às vendas de fim de ano. “Com o avanço da vacinação, percebemos um aumento de fluxo na empresa, desencadeando, também, o retorno das atividades da população. Então, nossos lojistas estão preparando o estoque e novidades de produtos, além de uma comunicação mais personalizada com os clientes”, afirma.
Apesar dos planos, ela pondera: “A economia não retornou aos patamares desejados, mas sabemos que o cenário pós-pandemia não seria fácil. Ainda assim, é um momento que traz boas perspectivas no comércio varejista para 2021 e 2022”.
Desemprego
Apesar de leve queda, o desemprego pode estragar os planos de fim de ano de muitas famílias. A taxa de desocupação recuou para 13,7% no trimestre fechado em julho, uma redução de 1 ponto percentual em relação ao período de três meses encerrado em abril. A melhora foi constatada pela Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), divulgada pelo Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, ainda há 14,1 milhões de pessoas em busca de um trabalho no país.
A Pnad mostra que houve um aumento no emprego com carteira assinada, no setor privado, mas o que mais avançou foram os postos de trabalho informais, com a manutenção da expansão do trabalho por conta própria sem CNPJ e do emprego sem carteira no setor privado. Essa combinação fez a taxa de informalidade subir dos 39,8% do trimestre móvel anterior para 40,8%, no trimestre encerrado em julho.
“Ainda é uma situação de desemprego muito elevado, inflação alta, evidentemente isso afeta os consumidores de forma heterogênea. Os consumidores de renda mais baixa, de até dois salários-mínimos, vão sofrer mais, porém há aqueles consumidores que viram seu poder aquisitivo crescer nesta pandemia. Isso é o efeito das desigualdades, então, resguardar-se ou não depende da situação de cada consumidor”, comenta o mestre em economia Benito Salomão. Para ele, o varejo está otimista porque há o 13º, e o Natal sempre representa de 20% a 25% do valor do varejo. “Ele realmente está bem otimista, mas não será um Natal de grandes vendas”.
A inflação disparou em setembro e registrou alta de 1,14%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), divulgado em setembro, pelo IBGE. Foi a maior taxa para o mês nos últimos 27 anos, ou seja, desde o início do Plano Real, em 1994. Com esse resultado, o indicador, que é considerado uma prévia da inflação oficial (o IPCA), mostra elevação de 7,02% no ano, com acúmulo de alta de 10,05% nos últimos 12 meses.
Ainda de acordo com o IBGE, oito dos nove grupos de produtos e serviços registraram alta em setembro. O setor de habitação, que vinha liderando a pressão inflacionária em agosto devido à energia elétrica, teve impacto de 0,25% no mês, ficando atrás do grupo de alimentação e bebidas (com impacto de 0,27% no índice) e do grupo de transportes, que foi o que mais puxou a alta, correspondendo a 0,46% do total de 1,14% registrado.
O aumento em transportes, segundo o IBGE, foi de 2,22%, influenciado pelo reajuste de preços dos combustíveis, que acelerou o ritmo de 2,02% para 3% no período observado. Com alta de 2,85% ante agosto, a gasolina é a grande vilã da inflação, tomando o posto antes ocupado pela energia elétrica. “Foi o subitem que exerceu o maior impacto individual do mês no IPCA-15”, informou em nota o órgão. Nos últimos 12 meses, a gasolina subiu 39,05%.