O discurso otimista do ministro Paulo Guedes insistindo que o Brasil está decolando e vai crescer forte no ano que vem, quando as previsões do mercado apontam para estagnação ou mesmo recessão, não se sustenta, de acordo com especialistas heterodoxos e ortodoxos em teoria econômica. Para eles, está cada vez mais difícil acreditar nas promessas de Guedes e do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de que existe compromisso com a responsabilidade fiscal ou que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro vai crescer acima da média global. Como consequência, a Bolsa de Valores cai, o dólar sobe e os juros futuros disparam.
A gota d'água foi a polêmica PEC dos Precatórios que, além de dar calote em dívidas judiciais, rompe a regra do teto de gastos — única âncora fiscal vigente. A PEC busca criar uma folga de quase R$ 100 bilhões para a gastança do governo. O valor fica muito acima dos R$ 50 bilhões necessários para que o Auxílio Brasil, programa que substitui o Bolsa Família, pague um benefício mensal de R$ 400 para 17 milhões de famílias no próximo ano, conforme prometido por Bolsonaro. Para analistas, o principal motivo da manobra contábil é eleitoreiro.
Refletindo a piora fiscal, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) acumula desvalorização de 13,4% no ano, mas, desde setembro, as quedas mensais estão acima de 6%. O dólar voltou a um patamar acima de R$ 5,50 e o real, desde o início do governo Bolsonaro, é uma das moedas emergentes que mais perdem valor. Analistas lembram, ainda, que as estimativas para a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 7,75% ao ano, já passaram para 11% a 12% para o fim do ciclo de alta, na melhor das hipóteses, porque sobrou para o Banco Central a tarefa de usar a política monetária para controlar a inflação, uma vez que não há política fiscal. Com juros de dois dígitos no ano que vem, especialistas não têm dúvida de que será muito difícil para o PIB crescer.
"Guedes está em uma realidade paralela. A situação é muito desanimadora para o Brasil. A renda per capita não vai crescer, e tudo indica que o país está caminhando para uma estagnação no próximo ano", destaca Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda do governo José Sarney (MDB), e sócio da Tendências Consultoria.
A Tendências acaba de revisar de 1,8% para 0,5% a previsão de crescimento do PIB brasileiro no ano que vem, enquanto a nova estimativa da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia é de um avanço de 2,1%. "Um dos cenários mais otimistas do mercado, hoje, é o do FMI, que prevê crescimento de 1,5% em 2022. Mas essa projeção foi feita bem antes das manobras fiscais do governo que geraram toda a instabilidade recente no mercado", diz Mailson. Para ele, ao condicionar à aprovação da PEC o pagamento mensal de R$ 400 com o programa Auxílio Brasil, o governo acirra as pressões inflacionárias, levando o benefício a ser corroído pela alta do custo de vida. "O governo está tentando dar com uma mão e tirar com a outra", complementa.
O economista-chefe do banco Haitong no Brasil, Marcos Ross, passou a prever queda de 0,3% do PIB brasileiro em 2022 e não poupa críticas ao discurso desconexo de Guedes, que chama as projeções pessimistas dos grandes bancos de "conversinha" baseada em "variáveis fictícias".
"O governo vem divulgando projeções econômicas irrealistas há algum tempo", afirma Marcos Ross. "Apenas para citar alguns exemplos, o Executivo vem projetando um cenário com inflação sistematicamente mais baixa, que tem impacto na composição do Orçamento, e crescimento econômico sistematicamente mais alto, afetando a formação de expectativas entre os agentes econômicos."
Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust, lembra que não há perspectivas positivas para a economia em 2022, especialmente, porque o cenário externo não será favorável para países emergentes, como o Brasil, diante da perspectiva de alta dos juros norte-americanos no ano que vem.
Crítica à visão liberal
O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), uma das referências entre os heterodoxos e grande crítico da agenda liberal, não poupa críticas nem ao governo nem aos economistas do mercado.
Segundo ele, o conceito de teto de gastos, que está no centro da polêmica da PEC dos Precatórios, é uma narrativa da agenda liberal totalmente desconectada de como funciona uma economia capitalista. “É tudo uma maluquice. Temos uma inflação alta no Brasil e no resto do mundo, e ela é interpretada como temporária por ser essencialmente por choque de oferta”, afirma. “O choque de petróleo é responsável por uma parcela elevada da inflação, que não faz sentido em um país que tem autossuficiência na produção, mas não tem um fundo soberano para controlar as flutuações de preços, como faz a Noruega”, explica.
Belluzzo avalia que o discurso do mercado de que o descontrole fiscal está relacionado com a ideia de romper o teto de gastos é “coisa de hospício”, porque, nas crises, o Estado é quem socorre empresas e bancos, como ocorreu em 2009 e, agora, durante a pandemia. “A economia de mercado não pode ser enclausurada em uma caixinha como a regra do teto, uma vez que é instável e tende a flutuar.”
O professor ressalta a importância das ideias da escola keynesiana, que acaba sendo a cartilha dos países nos momentos de crise. “O mercado não resolve nada sozinho. Muitos operadores repetem certos chavões e não têm noção de como funciona a economia no conjunto. O mercado depende do Estado, e a dívida pública de um país é necessária para ajudar a precificação dos títulos privados”, afirma Belluzzo.
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