2022 será terrível

Correio Braziliense
postado em 14/11/2021 00:01

É mais fácil falar das certezas que nos aguardam em 2022, ano de eleições, do que do cotidiano político desenrolado à nossa vista. O presente tomado por decisões irracionais e oportunistas do governo em conluio com o Congresso, em especial a Câmara, distorce qualquer cenário econômico por mais capazes que sejam os nossos futurólogos.

Se já não está bom, em 2022 estará pior.

Foi o que aconteceu com a inflação medida pelo IPCA de outubro: avançou 1,25% em relação a setembro e 10,67% em 12 meses, a maior para o mês desde 2002. Ninguém acertou (o mais pessimista previa 1,19%). Nem o Banco Central, diga-se, cada vez mais constrangido por não entregar as certezas, que valem bilhões no jogo de compra e venda de títulos da dívida pública, esperadas pelos operadores do mercado financeiro. Uma aposta mal feita estraga o bônus do ano...

O BC vem subindo a Selic às talagadas. Saiu de 2% ao ano, seu nível em março passado, o menor da história, para 7,75% em outubro, e com aceno formal de 9,25% em dezembro. Depois da invertida da inflação, porém, crescem as pressões dos traders da dívida e seus consultores para o BC usar o chicote monetário sem dó. No lombo de quem?

Sem inibição, seus porta-vozes defendem a Selic elevada a 9,75% em dezembro, com o BC inflando-a em 2022 até a faixa de 12% a 13%.

Em linguagem franca: presidente fraco, obcecado com a reeleição e capturado por políticos que o apoiam em troca do controle da lei orçamentária e do direcionamento da despesa pública conforme seus interesses pessoais, e ministro da Economia sem nenhuma autoridade, depois de desmoralizado pelo próprio chefe, são o retrato de um país em que só os mais atrevidos têm a ganhar.Ou seja: quem aplica dinheiro em prazos curtos, arbitrando juros referenciados pela taxa Selic que o BC pilota ao sabor das pressões da inflação, do câmbio, como um equilibrista com labirintite.

Tudo começou com a asneira no fim de 2019 ao aceitar passivamente a desvalorização do real frente ao dólar — o "regime de juro baixo e câmbio alto", como anunciou com ar festivo o ministro da Economia no início do ano passado. A inflação começou a desandar ali.

Basta juntar as pontas soltas desse carretel de imprudências para se inferir que a economia será magérrima em 2022, o desemprego não vai ceder. Não haverá a pujança falada pelos inquilinos do poder.

Cadê os bons propósitos?

Então, o BC corre atrás da inflação, que disparou e corrói o poder aquisitivo da sociedade, sobretudo dos mais pobres, com a gasolina chegando a R$ 8, o preço da cesta básica encostando em R$ 700 etc.

Como se virar com salário mínimo de R$ 1.100? Até o Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil pelo bolsonarismo e que vai pagar em média R$ 400 a 17 milhões de famílias, já vai começar defasado.

É muita lambança para uma economia cujo crescimento potencial vem encolhendo há quatro décadas, desde que o liberalismo financista se tornou hegemônico e descartou a indústria como prioridade, além de desprezar o planejamento do Estado como coisa de comunista.

Reúna ideologia — sim, o tal neoliberalismo é uma ideologia tanto quanto a socialdemocracia keynesiana, mas disfarçado sob a forma de evidências precisas — com gestão inepta, que vem de longe, adicione a governança disfuncional de um sistema em que o presidente divide amplos poderes com o parlamento moldado pela Constituição de 1988 para ser a âncora da República, e se tem o resultado de um país com economia estagnada e demandas sociais legítimas insaciáveis.

O orçamento está deficitário desde 2014, o que não é grave, se as razões fossem o gasto com investimento bem gerido, com educação de qualidade, tudo gerando empregos, que fizesse a assistência social ser uma política residual. Mas cadê os bons propósitos e visão?

Dólar justo seria R$ 4,50

As perdas resultantes do crescimento abaixo do pleno potencial da capacidade produtiva da economia são pouco mencionadas, mas estão no radar dos grandes investidores, sobretudo do exterior. Onde não há crescimento no ritmo devido, prosperam os piores instintos.

Isso vai piorar com a inflação na ribalta, tornando a vida menos acessível e a governança política, mais difícil. Com crescimento as pessoas tendem a ser mais tolerantes com desaforos. Com estagnação, eventualmente recessão, tudo mal resolvido aflora e torna explosivo o ambiente político. A sensação é de que a corda está para romper.

O dramático é que não tem de ser assim. Como registra há semanas o economista-chefe do Institute of International Finance, think tank dos grandes bancos do mundo, Robin Brooks, o "valor justo" do real frente ao dólar é de R$ 4,50, considerando os "altíssimos" termos de troca, graças às commodities, da balança comercial.

É da derrota do real e dos choques de oferta no exterior que vêm as pressões inflacionárias. "A demanda não é fonte de inflação no Brasil", diz Brooks, ex-chefe de moedas do Goldman Sachs e, antes, do FMI. Ao subir a Selic, o BC faz o oposto: sufoca o consumo.

R$ 430 bi perdidos ao ano

Tudo considerado, Brooks estima a folga na economia para crescer sem inflação, criando empregos, em algo como 5% do PIB. Equivale a R$ 430 bilhões não realizados este ano. Na verdade, é muito mais. O produto realizado é cumulativo e se procria gerando mais valor.

A perda de PIB potencial paga qualquer programa social, que seria menor, já que o progresso atrai investimentos, que criam empregos e aumentam a renda, que expandem o consumo, a produção, num circuito que se auto alimenta e forma cidadãos. Chama-se desenvolvimento.

Se crescesse ao ritmo de 2,5% desde a década passada, e não 0,3% como foi, ou 1,3% como tem sido desde a recessão de 2014 a 2015, o PIB do Brasil, em dólares, estaria mais perto de US$ 4 trilhões, como o da Alemanha, e não de US$ 1,6 trilhão, como deve ser este ano.

Isso é o que se deve ter em mente ao se olhar o que os governantes e políticos estão fazendo. Se chegam ao ponto de pôr na Constituição o calote de dívidas transitadas em julgado, colocando em xeque até o pagamento da dívida mobiliária do Tesouro, não é o caixa público que está puído, mas a moral dos eleitos para nos representar, não para servir a si próprio, aos filhos, amantes, militantes etc.

O país não está à beira do precipício, como dizem. Estará se o eleitor não se atentar que nenhuma economia tolera desaforo sem fim.

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