O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenta emplacar um Bolsa Família turbinado pagando, “pelo menos”, R$ 400 para as famílias cadastradas no programa. Mas o ministro da Economia, Paulo Guedes, cada vez mais isolado no governo, não dá sinais a interlocutores de que pretende jogar a toalha. Pelo contrário. Na visão de analistas, passou a atender aos projetos populistas do presidente e tenta contornar de forma nada ortodoxa a regra do teto de gastos, por meio de “uma licença” para desrespeitar o limite.
O “superministro” vem perdendo credibilidade e poder, mas tenta se cacifar para continuar em um eventual segundo mandato de Bolsonaro. Por isso, busca uma forma de viabilizar o benefício de R$ 400, como Bolsonaro vinha pedindo desde o início, lembram analistas.
“A espinha do ministro Paulo Guedes parece ter dobradiças para se curvar, com facilidade, às imposições da ala populista”, comentou o economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas. Ele lembrou que Bruno Funchal, secretário especial do Tesouro e Orçamento, chegou a dizer que não concordaria com o rompimento do teto de gastos.
“O desespero eleitoral leva ao desatino fiscal. Já vimos este filme e o final não foi feliz”, emendou Castello Branco. Para ele, o governo e o Congresso estão mais preocupados com o calendário eleitoral do que com a responsabilidade fiscal. “As consequências decorrentes da sinalização para o populismo fiscal são a alta da inflação, a elevação dos juros, a redução dos investimentos e o desemprego”, alertou.
Pelas estimativas do economista-chefe da RPS Capital, Gabriel Leal de Barros, o reajuste de 20% no Bolsa Família e a ampliação no número de famílias beneficiadas para 17 milhões custariam R$ 13 bilhões a mais, por ano, para os cofres públicos em gastos obrigatórios e permanentes. Contudo, para chegar aos R$ 400 anunciados como piso, seriam R$ 35 bilhões a mais, despesa que está sendo considerada como “temporária”, até dezembro de 2022. Com isso, a soma chega a R$ 48 bilhões, valor que não cabe no teto de gastos considerando a peça orçamentária de 2022. E, ao que tudo indica, na avaliação de Barros, o novo benefício deverá ser financiado via aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, que institui o calote de dívidas judiciais.
Na avaliação de Barros, o novo auxílio de R$ 400 “é contraproducente, vai desorganizar a economia, elevar a inflação e retrair o investimento”. “É um enorme equívoco político e que terá repercussões socioeconômicas muito negativas”, completou.
Para Paulo Guedes, a PEC dos Precatórios se tornou a única saída disponível para o enorme problema fiscal que precisa resolver. Ao adiar o pagamento de mais da metade dos R$ 89,1 bilhões em dívidas judiciais no ano que vem, a PEC pode abrir um espaço de R$ 50 bilhões no Orçamento de 2022 para incluir o projeto social que Bolsonaro quer emplacar para tentar se reeleger.
Especialistas alertam, no entanto, que o custo desse calote será elevado, sem contar a piora na imagem do país para os investidores, pois não haverá mais garantias de que decisões judiciais serão cumpridas.
Clima mais calmo nos mercados
Apesar das preocupações dos investidores com o impacto fiscal das ações do governo na área social, o mercado financeiro teve um dia menos volátil, ontem. O dólar à vista encerrou a sessão em queda firme, devolvendo parte dos ganhos expressivos da terça-feira, quando chegou a tocar na casa de R$ 5,61. No fechamento, a moeda norte-americana era negociada a R$ 5,561, queda de 0,59%. A Bolsa de Valores de São Paulo (B3), fechou em leve alta de 0,10%, aos 110.786 pontos.