A falta de carros novos no mercado, pela escassez de insumos provocada pela pandemia e a consequente alta do dólar frente ao real, valoriza o produto e também eleva a demanda por usados e seminovos. No entanto, um detalhe que vem passando despercebido é que, com essa conjuntura adversa, a apólice de seguros também fica mais salgada para todos. Isso porque, nos cálculos atuariais para avaliar o valor das apólices, as seguradoras levam em consideração, entre outros itens, o custo das peças de reposição, que está nas alturas.
Um conjunto de fatores acendeu o alerta dos que procuram por carros usados nas concessionárias. Os consumidores, aos poucos, estão começando a perceber mudanças estruturais, segundo Sérgio Ricardo de Magalhães Souza, consultor técnico de seguros e coordenador do programa de pós-graduação em seguros da Universidade de Petrópolis (Ipetec). Ele chama a atenção para os fatores sensíveis que vão onerando o bolso do comprador.
“Usando como referência um Ford Fiesta do ano de 2014, que valia R$ 28 mil em 2020, hoje, custa R$ 36 mil. E o seguro, que estava em torno de R$ 1,2 mil, atualmente, não sai por menos de R$ 1,5 mil”, conta Magalhães Souza. Mesmo com poucos carros na rua (novos e usados), não somente pela pandemia, mas pelos constantes aumentos da gasolina, o sumiço dos componentes — alguns importados — e a logística de transporte fazem a diferença. “O custo de manutenção é um fator que está no radar das empresas de seguro”, conta Souza.
Os semicondutores (chips usados em diferentes mecanismos do carro) estão entre os que mais aumentaram — mais de 200% em alguns casos, segundo a KPMG. Para se ter uma ideia, dependendo do modelo, cada carro tem mais de mil. Desse total, 30% estão nos dispositivos de segurança; 25%, em conectividade; 30%, em itens de conforto e conveniência; 15%, no trem de força, explicam técnicos do setor. A crise dos chips começou em 2020 e não foi resolvida. Segundo o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, a previsão é de a que se estenda até o fim do ano.
Luiz Mário Rutowitsch, presidente do Clube dos Corretores de Seguros do Rio de Janeiro (CCS-RJ), assinala que o ponto mais importante a ser considerado é a sinistralidade (acidentes, roubo e furto, principalmente). “A flexibilização do distanciamento social, além da convivência com a demanda por peças, não resolveu a questão do aumento do desemprego e também trouxe, embora de forma discreta, um certo retorno da violência no geral e contra motoristas, em particular”, esclarece. Isso também provocou uma reanálise das áreas de maior risco.
“São dados muito cíclicos. Muitas vezes, os índices de roubo sobem em uma região. O preço sobe. No ano seguinte, se aquele local passou por algum projeto de segurança pública, os moradores dali voltam a ter o valor do seguro com reajustes menores. Mas também há outros fatos, como o perfil do comprador e o modelo do carro. A sinistralidade não é só da pessoa. É da carteira, já que esse é um setor que tem o princípio da mutualidade, ou seja, cada um paga um pouco para cobrir o risco recíproco”, diz Rutowitsch.
Jeniffer Elaina da Silva, especialista em seguros, lembra que os carros usados estão andando pelas ruas e ficando mais valorizados, porém, muitos dos proprietários acham que, por não serem novos, não chamam a atenção e estão isentos de roubo ou outro tipo de problema. “A verdade é que qualquer veículo pode sofrer um sinistro, e o seguro auto será de grande valia caso isso aconteça. Existem diferentes modalidades de seguro que podem ser contratadas, por isso é preciso escolher aquela que melhor atenda às necessidades do motorista”, aconselha.
Regulamentação
Assuntos que vêm há anos causando polêmica, ao serem debatidos, são o uso de peças de reposição recondicionadas e a flexibilização dos produtos oferecidos pelas empresas seguradoras, para adequar às necessidades mais urgentes e ao orçamento do comprador. Se por um lado, as práticas tendem a reduzir o valor do seguro, por outro, a cobertura fica mais restrita e é preciso cuidados para saber se a peça é mesmo de confiança. Em agosto último, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) regulamentou o uso de peças usadas.
Na Circular nº 639/2021, a Susep detalha que, “no caso de utilização de peças usadas, deverão constar da relação informações sobre a procedência, condições e garantia das peças”. Luiz Mário Rutowitsch aprova a iniciativa. Ele entende que a flexibilização ou a criação de produtos adequados a cada perfil vai facilitar a contratação do seguro. “Quanto às peças recondicionadas, é importante destacar que não significa que a peça esteja ruim ou que vai prejudicar aquele veículo, porque a ideia é que haja um registro de todas elas”, contou.
Tanto Rutowitsch quanto Sérgio Ricardo de Magalhães Souza citam exemplos semelhantes: de um carro que, eventualmente, bateu de frente e teve perda total para a seguradora. “Não é qualquer peça. E nada vai ser feito sem que o consumidor autorize. Se o sinistro foi na dianteira de um carro zero-quilômetro, muitas vezes, a suspensão traseira, as peças de freio, entre outras, estão intactas. Se o cliente consentir, será usada uma peça recondicionada com garantia, que será vendida a um preço menor”, explica Souza.