O brasileiro tem feito um verdadeiro malabarismo com as contas para tentar driblar a carestia em praticamente todos os itens de consumo, duráveis e não duráveis, devido à alta inflação. A mais recente Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é uma prova disso. Os dados referentes a agosto mostram que, da mesma forma que a produção industrial recuou 0,7% no mês, ante julho, o volume de vendas do comércio varejista no país despencou 3,1%.
De acordo com o IBGE, seis dos oito setores pesquisados tiveram taxas negativas, com destaque para a retração de 16% verificada em “outros artigos de uso pessoal e doméstico”, setor que engloba as grandes lojas de departamentos. O recuo significativo nesse segmento veio após alta de 19% em julho.
O economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fábio Bentes, explica que a queda nas vendas em lojas de departamento não chama muito a atenção, uma vez que, no mês anterior, a alta foi expressiva. Já quedas em outros segmentos, especialmente aqueles que vendem itens essenciais, mostram que a inflação tornou-se uma ameaça ao setor. “A inflação, de fato, está se constituindo em um obstáculo para o comércio. Está se tornando um estrago para o crescimento das vendas”, ressaltou Bentes.
Um desses itens essenciais são os alimentos que, com energia elétrica e combustíveis, formam a tríade de vilões da inflação. Para Bentes, a queda das vendas em supermercados, por exemplo, embora não tenha sido tão expressiva em agosto, já vem de três recuos, o que causa preocupação. “Se você olhar os dados, verá que a inflação de alimentos têm subido mais que a inflação em geral. Para o comércio, isso é ruim, porque esse é o principal segmento do varejo brasileiro”, explicou o economista da CNC.
Leonardo Carvalho, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), avalia que a queda expressiva nas vendas de varejo em agosto reflete, também, a taxa ainda baixa de ocupação da população, se comparada ao período pré-pandemia. O nível de renda das famílias também está abaixo do que se verificava antes da crise sanitária. Para completar, os preços não colaboram. “A inflação tem atuado em itens que são muito importantes para definir orçamentos das famílias, principalmente as de mais baixa renda, como alimentos, energia elétrica, combustível, que têm apresentado aceleração maior que os demais itens”, pontuou Carvalho.
Consumo
O gerente da PMC, Cristiano Santos, afirma que a receita nominal de hiper e supermercados, que registrou variação quase zero (0,3%), e a queda de 0,7% em combustíveis demonstram diminuição nos gastos das famílias na passagem de julho para agosto. “Hiper e supermercados, assim como combustíveis e lubrificantes, vêm sendo impactados pela escalada da inflação nos últimos meses, o que diminui o ímpeto de consumo das famílias e empresas”, avaliou Cristiano Santos.
Apesar do recuo em agosto, o varejo está 2,2% acima do período pré-pandemia, mas esse nível, porém, não é homogêneo entre os setores, explicou Santos. “Há atividades que ainda não recuperaram as perdas, como materiais para escritório, informática e comunicação; combustíveis e lubrificantes e tecidos; e vestuário e calçados”, observou.
Mesmo com dois recuos consecutivos, em julho e agosto, o setor varejista acumula alta de 5,1% no ano e crescimento de 5% nos últimos 12 meses, segundo a pesquisa. “Foi um setor que sofreu bastante no início da pandemia, mas se reinventou com a reformulação das suas estratégias de vendas pela internet”, diz nota técnica do IBGE.
Para Bentes, o volta da circulação de pessoas ao nível pré-pandemia conseguirá manter o comércio vivo, ainda que a passos lentos, uma vez que a alta inflação não tem solução a curto prazo. “O cenário de inflação não vai se resolver este ano, pois é influenciado por fatos complexos, como a alta de energia elétrica e dos combustíveis e a forte demanda por petróleo, problemas que não são solucionáveis a curto prazo. Ainda assim, as vendas devem crescer, mas em ritmo mais lento. Isso porque a circulação deve se igualar ao nível pré- pandemia. Agora, a alta dos juros e a inflação elevada manterão o freio de mão puxado”, explicou.