A pandemia da covid-19 deixou um rastro de destruição na economia global em 2020 e uma das sequelas, sem dúvidas, é a inflação, que cresce em vários países. No Brasil, a carestia está mais forte do que nunca e supera 10% ao ano, em grande parte, devido ao aumento de riscos internos — mais relacionados às mazelas do governo Jair Bolsonaro (sem partido) que tenta criar um Bolsa Família turbinado para ter uma plataforma eleitoral. Isso vem minando qualquer otimismo na economia, alertam especialistas.
O dragão inflacionário ganha corpo quando o governo perde credibilidade e sai destruindo qualquer chance de expansão de uma economia e de aumento do emprego. Com isso, as previsões para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2022 estão desabando e os especialistas não descartam uma nova recessão em pleno ano eleitoral. Eles reconhecem que, diante do aumento das incertezas em relação à questão fiscal, a inflação não dará trégua, porque o dólar seguirá valorizado frente ao real, pressionando os preços dos alimentos e dos combustíveis. O pior cenário possível, o de estagflação — quando não há crescimento e os preços disparam —, também é uma possibilidade, e eles alertam que não vai ter Bolsa Família turbinado que ajude o presidente a ganhar votos.
Analistas reconhecem que essa piora nas previsões é resultado, principalmente, das recentes sinalizações do governo, que deixou o Centrão dar as cartas na política econômica, para se reeleger a qualquer custo. E, com a debandada de quatro secretários do Ministério da Economia, em 22 de outubro, logo após o ministro da pasta, Paulo Guedes, admitir que o governo pretende pedir “licença” para gastar mais e para estourar o teto de gastos — emenda constitucional que limita as despesas à inflação do ano anterior — o pessimismo tomou conta do mercado.
A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, considerada pela equipe econômica como saída para criar o novo auxílio de R$ 400 prometido por Bolsonaro e ainda criar espaço para emendas parlamentares para agradar o Centrão, é bombardeada de críticas, especialmente, após as mudanças no texto original feitas pelo relator, o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), porque abre um espaço fiscal que pode chegar a R$ 100 bilhões, bem mais do que os R$ 50 bilhões previstos para o novo Bolsa Família, comprovando os fins eleitoreiros da medida.
“Virou um ônibus. Cabe tudo nessa PEC. Realmente, essa é uma das piores PECs da história, pelo conjunto de erros e novidades”, alerta o economista e ex-ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria. Para ele, será muito pior para o futuro da economia se essa proposta for aprovada. Não à toa, uma nova onda de revisões das previsões do mercado está em curso e os dados não são nada animadores, apesar de Guedes minimizar o pessimismo e chamar de “conversinha”, como fez Bolsonaro no ano passado, quando chamou a pandemia da covid-19 de “gripezinha”.
Dólar
De acordo com os analistas, a retomada da atividade em V (quando há crescimento rápido e forte) que Guedes tanto fala, na verdade, nunca existiu, porque há muita desigualdade no país e ela foi agravada com a pandemia. Não será um auxílio emergencial que vai corrigir esse problema, mas um plano melhor elaborado para reduzir a informalidade no país. “O que estamos vendo, na verdade, é um V de voo de galinha, porque o crescimento não se sustenta. Não é possível vermos uma recuperação mais prolongada do PIB brasileiro. Os outros países também estão subindo os juros e a inflação é global. Além de termos problemas internos criados pela má gestão do governo, o mercado internacional não vai ajudar em 2022”, pontua Mailson. “As perspectivas iniciais para este ano e o próximo, que eram positivas, não se concretizaram, isso é muito triste”, acrescenta.
Grandes bancos, como o Itaú Unibanco, já admitem recessão no ano que vem. A nova previsão do banco é de queda de 0,5% no Produto Interno Bruto (PIB) de 2022 devido à piora no quadro fiscal. Antes, a estimativa previa crescimento de 0,5% no PIB.
Herança
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, que reduziu de 0,4% para zero a estimativa para o PIB no ano que vem, admite que é possível haver recessão no país em 2022. Segundo ele, devido ao abandono pelo governo do compromisso em respeitar as regras fiscais, o dólar poderá subir para R$ 6 e isso pressionará mais a inflação, fazendo o Banco Central elevar a taxa básica da economia (Selic) para mais de 10% para segurar a inflação dentro do teto da meta do ano que vem, de 5%. Se houver mesmo um descontrole das contas públicas e uma piora do cenário externo, com os Estados Unidos — onde a inflação em 12 meses está em 5,4%, praticamente a metade da brasileira — voltando a aumentar os juros, as perspectivas atuais ainda podem piorar.
O especialista em contas públicas Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), também não descarta uma recessão em 2022. Segundo ele, o cenário pessimista, com taxa de crescimento de 0,1% no PIB do ano que vem passou a ser o mais provável, algo que chega a ser desolador quando se olha para a trajetória da dívida pública bruta.
As novas estimativas da entidade indicam que a dívida bruta ficará acima de 100% do PIB em 2026 nesse novo cenário pessimista, em vez de 2027. “O conjunto de políticas e medidas em gestação gerará, claramente, menos crescimento econômico, maior resistência da inflação à elevação dos juros e subida da dívida pública. O quadro é muito negativo e a herança para 2023, se o caminho não for revertido logo, será pesada”, alerta Salto. Segundo ele, o governo está destruindo a responsabilidade fiscal e a social “em uma tacada só” ao defender a PEC dos Precatórios.
A falta de planejamento do governo é um dos principais problemas apontados pelos especialistas, que não param de revisar as previsões de crescimento da economia para baixo. Segundo eles, a pandemia foi uma bomba atômica na economia global, mas o governo Bolsonaro ajudou a minar as chances de retomada da atividade que vinha sendo esperada no segundo semestre, quando houvesse avanço da vacinação, ao antecipar o debate eleitoral flertando com medidas populistas e eleitoreiras para manter-se no poder.
“A economia brasileira é muito desigual. Já era sabido que é preciso haver uma proposta de responsabilidade fiscal e social desde o início da crise provocada pela pandemia. O auxílio emergencial é paliativo, mas o problema é permanente. E quando não se faz um bom planejamento, não há espaço no Orçamento para política social”, pontua a economista Silvia Mattos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), ao analisar os ruídos do mercado. “Estamos vendo um cenário bastante deteriorado, com inflação alta, juros também, piora do risco país no ano que vem, um risco de desaceleração global que não vai ajudar muito o país a crescer”, alerta.
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