CONJUNTURA

BC reage a risco fiscal e eleva juros para 7,75%

Taxa básica da economia chega ao maior nível desde setembro de 2017 e deve subir novamente em dezembro. Objetivo do Copom é evitar novo estouro da meta de inflação no próximo ano. Decisão foi tomada por unanimidade pelo colegiado

Rosana Hessel
postado em 28/10/2021 06:00
Foi a sexta elevação consecutiva da Selic, que estava em 2% ao ano -  (crédito: Raphael Ribeiro/BCB)
Foi a sexta elevação consecutiva da Selic, que estava em 2% ao ano - (crédito: Raphael Ribeiro/BCB)

Diante da deterioração das expectativas do mercado e do aumento da desconfiança no governo, refletida na valorização do dólar — que tem ajudando a elevar ainda mais a inflação deste ano e do próximo —, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, precisou dar um sinal de que não vai deixar o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) estourar o teto por dois anos consecutivos. Ao fim da reunião de ontem, o Copom acelerou o ritmo de alta da taxa básica da economia (Selic) e elevou os juros de 6,25% para 7,75% ao ano, o maior patamar desde setembro de 2017, quando era de 8,25%.

Foi a sexta elevação consecutiva da Selic, que estava em 2% ao ano, o menor nível da história, entre agosto de 2020 e março de 2021. Uma alta de 1,5 ponto percentual foi mais forte do que o sinalizado no último Copom, em setembro, mas era esperada pelo mercado depois de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciarem que pretendem furar o teto de gastos — regra constitucional que limita o aumento de despesas à inflação — a fim de obter recursos para o novo Bolsa Família. E da pior forma possível, segundo analistas: quebrando regras fiscais e dando pedaladas nos precatórios, que são dívidas judiciais transitadas em julgado.

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- (foto: editoria de ilustração)

A decisão foi unânime, de acordo com o comunicado divulgado pelo Copom após o término da reunião, a penúltima deste ano. A piora nas previsões para o IPCA em 2022, devido aos recentes questionamentos em relação ao arcabouço fiscal, “elevaram o risco de desancoragem das expectativas de inflação, aumentando a assimetria altista no balanço de riscos”, foi uma das justificativas da medida.

O colegiado ainda sinalizou que na última reunião do ano, fará um aumento de mesma magnitude na Selic. Se isso for confirmado, a taxa básica chegará a 9,25% em dezembro, mesmo patamar de agosto de 2017. Mas, ao que tudo indica, a Selic continuará subindo no ano que vem, podendo chegar a 11% em março, ou mesmo a 11,5% em maio, tornando a política monetária ainda mais contracionista para a atividade econômica.

A meta de inflação deste ano, de 3,75%, está perdida, porque o IPCA acumulado em 12 meses até setembro está em 10,25% e estourou o teto de 5,25%. Para 2022, a meta é menor, de 3,50% e algumas estimativas já superam o teto de 5%. Esse objetivo precisa ser perseguido pela autoridade monetária para manter alguma credibilidade.

Na avaliação do ex-diretor do BC e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes, a decisão do Copom veio na medida certa. Pelos cálculos dele, o IPCA ficará perto de 6% no fim de 2022. “A principal preocupação do Copom deve ser o controle da inflação, e, nesse sentido, o BC precisará saber dosar o aumento dos juros, sem ficar melindrado com as pressões dos agentes financeiros, que fazem apostas para o juro futuro cada vez mais altas e ganham com isso. O BC tem que mostrar independência tanto do governo quanto do mercado”, disse Gomes, que apostava na alta de 1,5 ponto na Selic e prevê a taxa básica chegando a 11% em março e mantendo-se nesse patamar até dezembro de 2022.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, lembrou que a alta de 1,5 ponto percentual tinha virado consenso e reflete o grau de estresse do mercado diante do desarranjo fiscal. “A mudança no regime fiscal em um momento como o atual, e para ampliar despesas de uma forma desordenada, causa uma péssima impressão nos investidores, porque dá a ideia de que as regras no Brasil são para não serem cumpridas. As expectativas para o próximo ano estavam piorando e, por isso, o BC precisou ser mais agressivo”, avaliou Vale, que reduziu de 0,4% para zero a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no ano que vem.

Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, também não se surpreendeu com a alta da Selic. “A mensagem principal do comunicado do Copom foi em relação ao tamanho do ciclo para cumprir a meta em 2022, e isso exigirá juros de dois dígitos, chegando a 11% no início do ano que vem”, disse.

Com a Selic em 7,75% ao ano, o Brasil lidera o ranking das taxas de juro real (descontada a inflação) em um levantamento feito pela Infinity Asset com 40 países, considerando uma estimativa média para o custo de vida para os próximos 12 meses. O juro real brasileiro, de 5,96% ao ano, é quase o triplo do praticado pelo México.

Meteoro na dívida

Com a alta mais forte na Selic, o governo pode segurar a inflação, mas terá um novo problema pela frente: o aumento da dívida pública. Conforme dados do Banco Central, para cada ponto percentual a mais na taxa básica, a dívida pública bruta aumenta em R$ 31,8 bilhões por ano. Logo, apenas com essa alta de três pontos percentuais na reunião de ontem e na próxima, o custo da dívida vai crescer em R$ 94,9 bilhões. O valor é superior ao dos precatórios que vencem no ano que vem, de R$ 89,1 bilhões, que o ministro Paulo Guedes classificou como um “meteoro” nas contas do governo. Esse cairá no bolso dos brasileiros.

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