EQUIPE ECONÔMICA

Furo no teto de gastos provoca debandada no Ministério da Economia

Quatro secretários do Ministério da Economia pedem demissão após Paulo Guedes ceder a pressões do presidente Jair Bolsonaro e admitir mudanças na regra que limita o crescimento das despesas públicas. Analistas preveem elevação de juros

Rosana Hessel
postado em 22/10/2021 06:00
Considerado um dos principais defensores de uma política de equilíbrio fiscal, Bruno Funchal deixa o cargo por divergir dos rumos do governo -  (crédito: Ministério da Economia/Divulgação)
Considerado um dos principais defensores de uma política de equilíbrio fiscal, Bruno Funchal deixa o cargo por divergir dos rumos do governo - (crédito: Ministério da Economia/Divulgação)

Depois de aceitar mudanças na regra do teto de gastos para garantir a implementação do Auxílio Brasil, o novo programa fiscal desejado pelo presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, perdeu mais quatro integrantes da pasta. Pediram demissão, “por motivos pessoais”, o secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal; o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt; a secretária especial adjunta do Tesouro e Orçamento, Gildenora Dantas; e o secretário-adjunto do Tesouro Nacional, Rafael Araújo.

A pasta ainda não informou o nome dos substitutos, mas disse que, até serem nomeados, os atuais secretários continuam no cargo. Ao O Estado de S. Paulo, Funchal, considerado o principal fiador da política fiscal, disse que a saída foi “uma questão de princípios”. Ele Bittencourt foram para a Economia a convite do ex-secretário especial da Fazenda Waldery Rodrigues, que deixou o cargo em maio deste ano.

De acordo com fontes ouvidas pelo Correio, são cogitados como substitutos de Funchal o ex-ministro do Planejamento e atual chefe da Assessoria Especial de Assuntos Institucionais do Ministério da Economia, Esteves Colnago, e o diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do Banco Central, João Manoel Pinho de Mello, cujo mandato no BC termina em 31 de dezembro.

Licença para gastar

A nova debandada na pasta ocorre após as afirmações de Guedes, na quarta-feira, de que pediria uma “licença” para desobedecer a regra do teto, vista como um dos principais mecanismos de controle fiscal. A virada populista do ministro fez o dólar atingir a maior cotação em seis meses e a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) desabar (leia na página 8). No mercado financeiro, a declaração foi vista como a confirmação de que o teto passou a ser uma referência meramente formal, que pode ser ajustado conforme as conveniências do governo. Com a queda da Bolsa, os investidores perderam R$ 284,4 bilhões, em um único dia, no valor de mercado das ações, segundo cálculos da consultoria Economatica.

“Guedes criou hoje o teto de gastos endógeno. Quando as despesas batem no teto e o governo quer gastar mais, eleva-se a altura do teto. Se eu soubesse que seria assim, não teria perdido tanto tempo criticando o teto de gastos”, ironizou o economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB).

Cada vez mais isolado na Esplanada, Guedes não comentou a saída dos auxiliares e cancelou a participação, no início da noite, em um evento organizado pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic).

O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros PP-PR), minimizou as demissões. “Equipe econômica que vem bem conduzindo esta crise provocada pela pandemia terá substituições por técnicos igualmente qualificados, que continuarão prestando bons serviços. Guedes firme e forte como sempre na condição da economia”, escreveu nas redes sociais.

A Secretaria do Tesouro Nacional, que passou a ser chefiada por Funchal após a saída de Mansueto Almeida do cargo, no ano passado, abriga os servidores mais resistentes aos impulsos populistas do governo Bolsonaro.

Lambança

O diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, elogiou a atitude de Funchal e de Bittencourt. Em postagem nas redes sociais, ele deu parabéns aos secretários por “não aceitarem participar da maior lambança fiscal da história das contas públicas no Brasil”.

O especialista em contas públicas Guilherme Tinoco lembrou que o teto de gastos, em 2020 e em 2021, não impediu gastos extras em uma situação de tragédia por conta da pandemia. Mas criar um extrateto em ano eleitoral não tem muita justificativa, assinalou. “O governo teve muito tempo para rever despesas e para abrir espaço para programas sociais e, para ampliar o Bolsa Família para 17 milhões de famílias, ele poderia pegar uma parte das desonerações e outra, de emendas do relator. Daria para fazer algo dentro da regra”, afirmou.

O principal mecanismo com que o governo conta para aumentar as despesas e viabilizar os projetos eleitorais do presidente é a PEC dos Precatórios, aprovada ontem pela comissão especial da Câmara encarregada de analisar o tema. O projeto, que vai agora ao Plenário da Casa, além de limitar o pagamento das dívidas judiciais da União, cria uma nova forma de calcular o teto.

Pelas estimativas de Felipe Salto, a PEC abre um espaço de R$ 94,4 bilhões no teto de gastos, mas o custo para o Auxílio Brasil prometido por Guedes e Bolsonaro, de R$ 400 por mês para 17 milhões de famílias, custaria R$ 47 bilhões. “O fruto da manobra dos precatórios e do recálculo retroativo no teto é muito maior do que a promessa de elevação de gastos sociais (R$ 47 bilhões). Para onde vai o resto?”, destacou.

Para saber mais

A emenda constitucional do teto de gastos (EC95), aprovada pelo Congresso Nacional em 2016, e em vigor desde 2017, tem o objetivo de controlar o crescimento das despesas públicas. Desde 2014, o governo vem tendo saldo negativo no resultado primário — receitas menos despesas, antes dos gastos com juros da dívida pública. Atualmente, o teto é a principal âncora fiscal vigente, que deveria garantir que o governo não dará calote nos títulos públicos. A cada ano, o teto é corrigido pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 12 meses até junho do ano anterior. A regra tem validade de 20 anos, mas o indexador poderá ser modificado na metade do prazo. Japão, Holanda e Suécia são países que possuem ou tiveram um modelo de limite para despesas. Economistas de linha heterodoxa criticam a regra. Para os ortodoxos, ela evitou a explosão na dívida pública, ao contribuir para a queda dos juros básicos nos últimos anos.

Secretário do DF é um dos cotados

Nos bastidores de Brasília, voltou com força a especulação sobre a saída do ministro Paulo Guedes. Um dos cotados é o secretário de Economia do Governo Distrito Federal, André Clemente. Ele é auditor da Receita do Distrito Federal e acumula, entre outras experiências, atuação na administração pública e no Conselho de Administração do Banco Regional de Brasília. Não seria o primeiro titular do governo de Ibaneis Rocha a ir para a Esplanada. Em março, o então secretário de Segurança, Anderson Torres, assumiu o Ministério da Justiça. Em outras crises que envolviam a permanência de Paulo Guedes, outro nome frequentemente mencionado para comandar o Ministério da Economia era o de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central.


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