Mercado financeiro

Barulho político e crise fiscal aumentam a desconfiança de investidores

Taxa de investimento no primeiro semestre de 2021 é maior do que no mesmo período do ano passado, mas especialistas alertam que isso não significa aumento da confiança dos investidores

Bernardo Lima*
postado em 21/10/2021 00:02
 (crédito: Miguel Schingariol / AFP)
(crédito: Miguel Schingariol / AFP)

Segundo a Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), o fluxo de investimentos diretos no mundo e no Brasil voltou a se recuperar no primeiro semestre de 2021, depois de um colapso em 2020 com a pandemia da covid-19.

Dados da Unctad divulgados nesta terça-feira (19/10) revelam que a economia brasileira teve uma recuperação de 80% na taxa de investimento direto, atingindo US$ 45 bilhões nos primeiros seis meses de 2021. Na avaliação de especialistas, a retomada parece alta em razão do fraco desempenho em 2020, quando a taxa foi de US$ 25 bilhões. Mas, em 2019, a economia nacional recebeu cerca de US$ 69 bilhões em investimentos. Diante desses números, especialistas apontam que ainda há receio de se investir no Brasil.

“Estamos vivendo um momento muito crítico no Brasil, e o problema é principalmente político”, afirma o gestor de investimentos da ParMais, Alexandre Amorim. O constante atrito entre os Poderes tem repercute mal no exterior e provoca desconfiança nos investidores “Hoje, existe um sentimento muito ruim em relação ao Brasil lá fora, e as notícias que chegam por lá não são nada animadoras”, comenta Amorim.

Ele cita como exemplo a política social do governo Bolsonaro. O ministro da Cidadania, João Roma, avisou, nesta quarta-feira (20/10), que o governo começará a pagar a partir de novembro o Auxílio Brasil, programa que irá substituir o Bolsa Família. O novo benefício terá um valor de 400 reais. Mas, apesar de prometer responsabilidade fiscal, o ministro não informou quais são as fontes de recursos do programa.

De acordo com Amorim, esse é um dos principais motivos que causam a desconfiança do mercado financeiro: "O que está se olhando agora é a questão política, ponto. Essa sede por dinheiro que está causando irresponsabilidade fiscal", acredita. "Enquanto isso não se resolver, o mercado não vai olhar para outra coisa”, ressalta.

Para o sócio proprietário da SM Managed Futures e professor do Insper João Luiz Mascolo, vários vários fatores atestam a desconfiança do mercado. “Bolsa caindo, taxa de juros longa subindo, dólar subindo. São diversos indícios de que isso está acontecendo”, descreve. Para ele, a origem para esse quadro desfavorável está no governo. “A razão para isso é a iminência de não se obedecer o teto de gastos, que é uma âncora importante da economia brasileira”, alerta.

O analista acredita que investidores só retomarão a confiança na economia quando o país implementar políticas consistentes de responsabilidade fiscal. Mas ele considera essa hipótese improvável, levando-se em conta as eleições de 2022. “Temos eleições no ano que vem, então é muito difícil esperar que o Executivo e o Congresso segurem os gastos”, lamenta.

Mas existem opiniões diferentes. Para o economista e pesquisador da Unicamp Felipe Queiroz, a preocupação do mercado financeiro com o teto de gastos é exagerada. “O teto de gastos é balela. Em última instância, querem cortar verbas de tudo que seja necessário como educação e saúde em nome do respeito ao pagamento de juros e do serviço da dívida. E quem são os credores dessa dívida? Os donos dos títulos, que são os grandes bancos”, critica.

Felipe Queiroz chama a atenção para os solavancos da economia brasileira. “Há uma forte correlação entre as manifestações desastrosas do presidente e ministros e a taxa de câmbio. Toda vez que o governo fala uma besteira, age de uma forma proposital contra a lógica, afeta o mercado cambial, muito negativamente. O câmbio está em seu maior patamar histórico desde o Plano Real”, conta. Nesta quarta-feira (20/10), o dólar fechou em queda de 0,59%, cotado a R$ 5,561.

“A taxa de juros sobe e uma parcela maior do orçamento do Estado é direcionado ao capital financeiro só para serviço da dívida, isso não faz um país ser grande”, critica Queiroz.

Taxa de câmbio

O vigor da agropecuária brasileira parece desmentir a péssima avaliação dos investidores quanto à economia brasileira. Nos últimos, anos tem crescido o valor das exportações de commodities que saem direto do campo para as mesas de chineses, árabes e europeus. Ao mesmo tempo, a recuperação dos preços do minério de ferro também ajuda a balança comercial brasileira. Mesmo com esse ingresso de dólares, a taxa de câmbio permanece desfavorável a quem depende de produtos importados ou vinculados ao mercado internacional como os combustíveis.

Para o gestor de investimentos Alexandre Amorim, um dos motivos do dólar permanecer em alta está ligado a questões políticas. “Se eles não entenderem a gravidade do problema fiscal, vai jogar o risco lá em cima, o dólar sobe, impacta na inflação e combustível. Enquanto não caírem na real que a taxa de juros mais baixa impacta todo mundo, o problema vai persistir”, prevê o especialista.

*Estagiário sob supervisão de Carlos Alexandre de Souza 

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