O ano de 2021 começou a todo vapor para as empresas que decidiram abrir o capital e buscar recursos com novos sócios pelo Brasil, por meio de oferta pública de ações (IPO) na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), mas os processos deram uma bela freada. A previsão era de, no mínimo, 80 eventos (entre IPOs e follow-on, ou oferta secundária de ações). Mas, no meio do caminho, o cenário mudou e o prognóstico não se concretizou.
A inflação explodiu, os juros foram às alturas, o real se desvalorizou frente ao dólar e o entusiasmo minguou. Até agora, 44 empresas fizeram sua estreia no mercado de ações. No entanto, 64 que estavam na fila desistiram do projeto ou foram indeferidas. E cerca de 70% das que se aventuraram estão registrando resultados abaixo das expectativas.
“Das 44 empresas que abriram o capital em 2021, apenas 16 apresentam desempenho positivo. Dessas, apenas oito têm retornos superiores a 20% desde o IPO, segundo dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da B3”, informa Tuanny Blumer, diretora de Mercado de Capitais na empresa Black Financial. “O Brasil é um país com cenários muito instáveis e turbulentos. Vemos por aqui instabilidade institucional, falta de confiança, atraso nas reformas, inflação, um cenário político conturbado. Com isso, as empresas acabam tendo custos mais elevados ao buscar recursos na Bolsa”, reforça.
Há também outros motivos. Na verdade, houve um fenômeno de IPOs no Brasil. Foram muitas companhias abrindo capital ao mesmo tempo, “e para todo excesso, uma hora a conta chega”, diz Tuanny Blumer. Não é, exatamente, que os investidores brasileiros não querem investir nos ativos domésticos, mas, sem dúvida, as incertezas do cenário econômico desanimam e, quando se trata de captar ou aplicar dinheiro de terceiros, o filtro fica mais fino e as exigências aumentam para que boas empresas cheguem à Bolsa, assinala a executiva.
Outro caso de desistência são de empresas que foram compradas durante o processo de abertura de capital e, por isso, cancelaram o IPO. “Temos como exemplo as empresas BIG Brasil e a rede Natural da Terra”, cita Tuanny Blumer. Um fator importante, lembra, são os custos para abrir o capital. As taxas para pagamento da operação são grandes. “Temos um time bancos, auditores, advogados, financial services, CVM, B3, ou seja, não é algo que empresa pequena consiga absorver (de custo) caso desista (da abertura) no meio do caminho”, explica.
Também não se pode esquecer que volatilidade da Bolsa tem deixado os investidores mais atentos e precavidos. Era previsto, para o fim de 2021, que a B3 chegasse aos 150 mil pontos, mas, pelas estimativas da especialista, chegará, “no máximo a 125 mil pontos. Diante da insegurança, nos últimos meses, houve uma movimentação no cenário econômico com o Banco Central aumentando a taxa básica da economia (Selic), atualmente 6,25% ao ano, desde março com o objetivo de conter a inflação. “A renda fixa voltou a ser foco e, em conjunto com a alta taxa de juros, acabou tirando os holofotes da Bolsa, o que deixa a renda fixa mais rentável e o mercado de ações menos atrativo”, complementa Tuanny Blumer.
Guilherme Ammirabile, assessor de investimentos da iHUB Investimentos, concorda que o cenário político e econômico no Brasil inibe o apetite ao risco dos investidores locais e estrangeiros. “A falta de clareza sobre os rumos do país espanta os que querem taxas maiores de retorno”, diz. Ele também reconhece que o aperto inflacionário forçou a Selic para o alto e, assim, o investidor tende a migrar para a renda fixa e evitar o mercado de ações em meio às incertezas domésticas nos cenários político e econômico. “As empresas ficam em compasso de espera para que mais investidores voltem a se interessar pelo campo da renda variável.”
E quem entrou no boom das IPOs, no início do ano, deve analisar os próximos passos, de acordo com o especialista. “Não existe uma resposta certa. Vimos uma queda forte nos últimos meses”, assinala Ammirabile. Os investidores com maior apetite ao risco estão comprando e não vendendo. “Já aqueles com maior sensibilidade ao risco, avesso às perdas já “stopou” a posição. Devemos ter em mente que vamos dar início a uma corrida presidencial e, historicamente, período de eleições traz volatilidade para a bolsa, portanto devemos enfrentar dias difíceis”, reforça.
O lado bom
Denis Morante, sócio-diretor da Fortezza Partners, especialista em fusões e aquisições, tem uma interpretação diferente da conjuntura. Para ele, 2021 tem sido “um ano excelente” para abertura de capital. “Havia tempo que não tínhamos um período tão significativo”, diz. As 64 empresas listadas na CVM como desistentes em suas IPOs, segundo ele, não mudaram as projeções. “Sentiram um certo aperto, mas vão voltar. Essa temporada não acabou. A abertura de capital tem uma janela. A primeira fechou, mas a próxima deve acontecer em meados de novembro ou no início de dezembro”, calcula.
Morante diz que um dos motivos para essa volta é o fato de o Brasil ter “boas empresas”. E se algumas delas que no início do ano venderam ações pela primeira vez não tiveram lucro à altura, foi consequência dos últimos 70 dias de baixa na Bolsa de Valores. “Vale lembrar que muitas empresas compraram ou se fundiram com outras. Em alguns casos, entraram em ação os fundos de private equity – aqueles que investem em empresas não listadas na bolsa, participando ativamente da gestão com o objetivo de desenvolvê-las para posteriormente realizar o desinvestimento com ganhos”.
“No mundo empresarial, não há sensação de crise política. É claro que se tivesse mais tranquilidade, governabilidade e inflação sob controle, ajudaria. Mas mesmo durante a pandemia, as empresas se tornaram mais eficientes e produtivas, apesar de o Brasil não ser um país intensivo em inovação. Com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas do país), em 2022, as aberturas de capital vão avançar”, prevê Morante.
“Tempestade perfeita”
Alan Gandelman, vice-presidente da Corretora Planner, ao contrário, enxerga o país em “uma tempestade perfeita”. “Juros subindo, inflação em dois dígitos, crise energética, risco de apagão e dólar e combustíveis cada vez mais caros levam a um ciclo vicioso de elevação do custo da produção, dos transportes e da logística. Ou seja, os IPOs concorrem com investimentos de maior retorno ou de menor risco”, explica Gandelman. Ele não prevê novas emissões em 2021 e acredita que, no ano que vem, também estarão paralisadas. “Nova janela só se abrirá quando houver a certeza de um nome palatável para as eleições presidenciais ou uma terceira via. Do contrário, nada acontecerá até 2023. As perspectivas não são das melhores”, diz.
Não importa o momento ou quando virá a janela. Para o investidor interessado em IPOs, o conselho básico, segundo Guilherme Ammirabile, “é não apostar todas as fichas no mesmo cavalo”. Diversificar a carteira de investimento é importante, e, em um cenário de incertezas, isso se torna ainda mais estratégico, de acordo com os especialistas. Eles destacam que o que vai determinar a composição da carteira é o perfil de cada investidor, segundo o especialista. “Além disso, ter recurso em caixa como reserva de emergência para aproveitar oportunidades faz parte do planejamento. Muito importante também atentar para os prazos de investimento dos ativos”, aconselha.
Setor arriscado
A abertura de capital (IPO) é a estreia de uma empresa na Bolsa de Valores (B3)
Motivos da desistência
A previsão era de, no mínimo, 80 eventos (entre IPOs e follow-on, ou oferta secundária de ações).
Mas o cenário mudou e o prognóstico não se concretizou.
44 empresas fizeram sua estreia no mercado de ações.
64 estavam na fila desistiram do projeto ou foram indeferidas.
70% das que se aventuraram registram resultados abaixo das expectativas.
8 têm retornos superiores a 20% desde o IPO.
A previsão, em 2021, era de que a bolsa chegasse aos 150 mil pontos.
Chegará no máximo a 125 mil pontos, nas previsões mais recentes.
A renda fixa voltou a ser o foco e tirou os holofotes da Bolsa.
Dicas
As instabilidades política e econômica afastaram os investidores. Agora, as empresas aguardam o melhor momento para novas emissões Quem quiser participar e aproveitar a nova janela dos IPOs tem que ficar atento, porque o investidor torna-se dono de parte da companhia.
Por isso, deve prestar muita atenção ao prospecto do IPO. Pesquise o histórico geral da empresaInforme-se sobre as vulnerabilidades. As empresas são obrigadas a revelar os riscos de seu negócio, na seção Fatores de Risco.
Fontes: B3, CVM, Black Financial, Corretora Planner, iHUB Investimentos e Fortezza Partners.
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