SERVIÇO PÚBLICO

No TCU, servidor administrativo poderá fazer auditoria

Com isso, cerca de 200 profissionais que nada têm a ver com as atividades-fim do TCU poderão participar de auditorias, fiscalizar órgãos e autarquias federais e empresas estatais

Vicente Nunes
postado em 08/10/2021 06:00
Segundo alegou o Tribunal de Contas da União, regra constitucional do teto de gastos obrigou o órgão a reformular a estrutura dos cargos -  (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Segundo alegou o Tribunal de Contas da União, regra constitucional do teto de gastos obrigou o órgão a reformular a estrutura dos cargos - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

O Tribunal de Contas da União (TCU), que serve de referência para as boas práticas no serviço público, deu um péssimo exemplo ao arrombar a porta para um trem da alegria de seus funcionários. O órgão autorizou que servidores da área administrativa — como nutricionistas, psicólogos, médicos, bibliotecários, enfermeiros, analistas de sistemas, programadores — passem a ter o mesmo tratamento das carreiras de Estado, hoje restrito aos auditores de controle externo.

Com isso, cerca de 200 profissionais que nada têm a ver com as atividades-fim do TCU poderão participar de auditorias, fiscalizar órgãos e autarquias federais e empresas estatais. Terão poder, inclusive, para supervisionar os auditores nas fiscalizações e arquivar representações que propõem investigações. Esses mesmos servidores poderão, ainda, exercer cargos de diretoria nas unidades técnicas finalísticas do órgão de instrução e fiscalização, que reúne atividades de supervisão de todas as fases de fiscalização (planejamento, coordenação e execução).

Segundo auditores do TCU, a Resolução nº 332, de 6 de outubro de 2021, na prática, retira daqueles que são alvo do Tribunal o direito de serem fiscalizados e terem seus processos instruídos por agentes legalmente aptos ao exercício das atividades de fiscalização e instrução processual, cujo resultado afeta direitos subjetivos dos jurisdicionados, questão já reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pela Justiça Federal.

As decisões do TCU vão além: o órgão abriu a possibilidade de os gabinetes de ministros terem um servidor de fora do quadro próprio de pessoal exigido desde a Constituição de 1946, mesmo que oriundo de um ministério, de uma autarquia ou de estatal alvo de fiscalização. Isso significa dizer, por exemplo, que um funcionário do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ou da Petrobras pode ser requisitado para atuar no TCU, em flagrante conflito de interesse. A resolução segue na contramão do requerimento aprovado pela CPI da Covid, que recomendou ao TCU requisitar todos os auditores cedidos aos órgãos fiscalizados, de forma a prevenir conflito de interesses.

O problema da resolução é que essa pessoa terá acesso a processos bilionários de interesse do governo referentes ao órgão, à empresa ou à autarquia de origem, que ficará responsável para o pagamento do salário durante todo período da cessão ao Tribunal. Mais adiante, voltará para o posto original carregado de informações privilegiadas. Isso se, enquanto estiver no TCU, não interferir em favor do órgão ou entidade que o cedeu. Afinal, é para lá que voltará quando não mais servir ao Tribunal.

A reação contrária à Resolução nº 332, do TCU, é enorme entre os auditores. Tanto que a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) convocou reunião extraordinária para 11 de outubro, a fim de definir as ações a serem adotadas contra o Tribunal.

Já está certo que o Congresso Nacional e o Judiciário devem ser acionados. Para a entidade, as decisões do TCU fragilizam os 33 tribunais de contas do Brasil, ao dar um mau exemplo. Para os auditores de controle externo, há risco de prejuízos ao processo de fiscalização do dinheiro público.

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Para ministros, críticos querem "reserva"

Para ministros do Tribunal de Contas da União, as queixas dos auditores contra a Resolução nº 332 partem de pessoas que querem manter “reserva de mercado” dentro do órgão. Os ministros alegam que, com o teto de gastos, o TCU não está conseguindo repor as vagas abertas por aposentadorias — somente com a reforma da Previdência, foram mais de 100. Portanto, o jeito foi reformular a estrutura de cargos e equiparar, em termos de funções, quase 200 pessoas que atuam na área administrativa, mas têm ótima formação.


O comando do TCU diz que os servidores administrativos têm os mesmos salários dos auditores de controle externo, fizeram concursos tão difíceis quanto os que criticam a equiparação de funções, e podem executar trabalhos de fiscalização, desde que preparados para isso. Não por acaso, haverá processos seletivos internos nos setores que demandam pessoal.


Segundo os ministros, das vagas abertas com as aposentadorias de auditores de controle externo, foi autorizado concurso para o preenchimento de apenas 14 postos. Portanto, a Resolução nº 332 foi aprovada para não interromper os trabalhos de fiscalização.


Em notas, associações de auditores afirmam que não há como médicos, nutricionistas, bibliotecários, enfermeiros e analistas de sistemas atuarem na fiscalização de ministérios, autarquias federais e estatais. E prometem recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a decisão do TCU. (VN)

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