TRIBUTOS

Guedes retirou taxação de recursos em paraísos fiscais da reforma tributária

Sob a alegação de que a regra seria negativa para o mercado e afastaria investidores, Guedes teria convencido o relator, deputado Celso Sabino (PSL-PA) a retirar o artigo da proposta

Fernanda Fernandes
postado em 05/10/2021 13:38 / atualizado em 06/10/2021 13:04
 (crédito: Washington Costa/ Ascom/Ministério da Economia)
(crédito: Washington Costa/ Ascom/Ministério da Economia)

O ministro da Economia, Paulo Guedes, mandou retirar, em julho deste ano, o artigo 6º da Reforma Tributária que determinava a taxação dos recursos de pessoas físicas brasileiras alocados em empresas mantidas em paraísos fiscais, as chamadas offshore. Na época, Guedes deu poucas justificativas sobre a retirada do artigo. "Ah, 'porque tem que pegar as offshores' e não sei quê. Começou a complicar? Ou tira ou simplifica. Estamos seguindo essa regra", disse o ministro, em uma das ocasiões.

A regra para tributação de offshore estava no projeto de lei original do governo, mas foi retirada na versão seguinte, apresentada em 13 de julho, escrita por Guedes e pelo relator do projeto, o deputado Celso Sabino (PSL-PA), que teria sido convencido pelo líder da pasta econômica de que o dispositivo seria negativo para o mercado e afastaria investidores.

Pouco tempo depois, Sabino chegou a sinalizar a reinserção da medida que, segundo ele, cobriria com "folga" a redução de impostos com a reforma do Imposto de Renda (IR). Mas após nova reunião com Guedes, acabou retirando definitivamente o artigo da proposta. A medida previa que os recursos fossem declarados anualmente e instituía a cobrança de tributos, mesmo sobre recursos não repatriados (regularizados junto à Receita Federal).

Informações do Banco Central apontam que, até o fim de 2019, mais de 60 mil brasileiros mantinham US$ 192,6 bilhões (mais de R$ 1 trilhão) em ativos declarados no exterior. O valor corresponde a quase metade do Produto Interno Brasileiro (PIB), que no segundo trimestre de 2021 somou US$ 2,1 trilhões.

A retirada da regra de tributação de recursos em paraísos fiscais a pedido de Guedes acende ainda mais os debates sobre a existência de conflito de interesses, uma vez que o ministro da Economia mantém offshore ativa nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe. Dados divulgados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICJI) apontam que em 2015, a offshore de Guedes tinha aporte de US$ 9,5 milhões. Pelos cálculos, desde que assumiu o cargo como ministro da Economia, somente a variação cambial permitiu ganho de aproximadamente R$ 14 milhões.

De acordo com a Comissão de Ética Pública da Presidência da República, os dados patrimoniais do ministro foram analisados em maio de 2019, oportunidade em que Guedes protocolou compromisso de que adotaria “medidas para mitigar ou prevenir a ocorrência de conflitos de interesses”. O mesmo compromisso, segundo a Comissão, foi firmado pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, que também foi apontado pelo Consórcio de Jornalistas como dono de duas offshores.

“Dentre as medidas usualmente determinadas e aceitas pela Comissão, encontra-se a recomendação de manter inalteradas as posições de seus investimentos durante todo o exercício do cargo, de modo a prevenir ocorrência de conflito de interesses, nos termos da Lei no 12.813/2013, sem prejuízo da necessidade de outras medidas no caso concreto e da observância das regras previstas na legislação, como a que impede a utilização de informações privilegiadas” , informa o órgão.

Mesmo que não tenha havido movimentação nos investimentos das empresas (o que não há como saber uma vez que ambos, Guedes e Campos, mantêm sigilo bancário sobre o capital de suas respectivas empresas), somente a variação cambial já garante ganhos. Essa variação cambial depende, entre outros fatores, das políticas e medidas adotadas tanto por Guedes como por Campos Neto, ocupantes dos dois maiores cargos da Economia do país.

A Comissão explica que as recomendações dada a ambos, foram encaminhadas às autoridades alcançadas pelo Código de Conduta da Alta Administração Federal e que se constatado descumprimento diante de novas informações ou possível ocorrência de conflito de interesses durante o exercício do cargo, “poderão ser reavaliadas as providências recomendadas ou instaurado processo de apuração ética em face da autoridade”.

Além da possibilidade de processo de apuração ética, Guedes e Campos Neto já são investigados preliminarmente. Nesta segunda-feira (01/10), o procurador-geral da República, Augusto Aras, abriu investigação a respeito dos investimentos no exterior de ambos os membros do governo. O Ministério Público Federal (MPF) em Brasília também abriu Procedimento Investigatório Criminal (PIC) para investigar o ministro da Economia.

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