Em 2020, foi o novo coronavírus. Este ano, a ameaça também vem do dragão da inflação. A carestia se tornou a grande preocupação dos brasileiros em 2021 — e continuará por um bom tempo. O vilão que castiga o bolso dos brasileiros este ano e, provavelmente, em 2022, é a alta inflação nos alimentos, nos combustíveis e na energia elétrica. Os dois últimos itens responderam, sozinhos, por 10% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) divulgado em agosto, e a 30% da alta registrada na prévia da inflação de setembro, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A expectativa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para 2021 é de 4,07% pelo Banco Central, mas a autarquia reconhece que a inflação deverá manter o ritmo no ano que vem, especialmente pressionada por combustíveis e energia elétrica. “(Esses itens) refletem fatores como câmbio, preços de commodities e condições climáticas desfavoráveis”, explica ata do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada nesta semana.
Especialistas explicam que, por se tratarem de preços administrados, não dependem da “lei da oferta e demanda” internas, a elevação da Taxa Básica de Juros - Selic, pelo BC, acaba não tendo impacto nos valores dos itens. Em relatório trimestral da inflação divulgado na quinta-feira, o órgão avalia que a inflação acumulada em 12 meses atingirá 10,2% ainda neste trimestre, mas deve desacelerar em razão do instrumento de controle inflacionário para 8,5% no fim do ano. Apesar do recuo projetado, a expectativa da inflação está bem acima do teto da meta definida pelo governo, de 5,25%.
André Braz, economista e coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), explica que os preços dos combustíveis sobem ou caem em função do aquecimento da economia mundial. “Os países estão investindo no aquecimento da atividade econômica e, com isso, a demanda fica muito maior. Acabam faltando recursos e o preço, nesse caso do petróleo, acaba subindo, o que afeta os combustíveis e compromete nossa economia”, explica o especialista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Pedro Rodrigues, explica que a alta de preços na conta de luz e nos postos de gasolina impacta a economia nacional como um todo, sobretudo no atual cenário de retomada econômica e de recuperação dos efeitos causados pela pandemia da covid-19. “Para as famílias, o aumento da energia elétrica e dos combustíveis corrói a renda, reduzindo o poder de compra. Há, ainda, o efeito indireto do aumento desses energéticos para toda a sociedade”, afirma o doutor em Economia.
Segundo André Braz, embora a energia e a gasolina pesem muito no orçamento familiar, a primeira pode causar maiores estragos. “O efeito da energia é mais nocivo, porque a energia se espalha ao longo da cadeia produtiva, a indústria paga mais caro, setor de serviços paga mais caro. Tudo isso reflete em aumento dos custos que são repassados ao preço final para o consumidor. Já a gasolina fica mais cara no orçamento familiar”.
O chefe de cozinha Márcio Muniz, 35 anos, sabe bem o peso da carestia da gasolina no orçamento familiar. Ele conta que, em 2020, optou por deixar o carro na garagem e ir trabalhar de transporte coletivo, todos os dias, mesmo com medo em razão da pandemia. “Eu costumava ir de carro até a gasolina chegar a R$ 4,50, aí comecei a ir de ônibus, pois o valor que eu recebo da empresa para transporte já não pagava o combustível que eu gastava para percorrer os 26 km de ida e volta do trabalho”, afirma o brasiliense, que atualmente utiliza o carro apenas para lazer, fazer compras e ir à igreja.
Crise hídrica
Segundo dados do IPCA-15 de setembro, com alta de 2,85% no mês, a gasolina acumula uma disparada de 39,05% em 12 meses. O que encarece os combustíveis, segundo especialistas, são as constantes altas das cotações do petróleo e do dólar, que afetam países de todo o globo. Já a conta de luz, que subiu 3,61% no último mês, é pressionada pela pior crise hídrica em mais de 90 anos no país. A escassez de chuvas que deixou os reservatórios das usinas hidrelétricas (principal fonte de geração da matriz energética brasileira) em níveis alarmantes, exigiu o acionamento de usinas térmicas, mais caras e mais poluentes. A conta tem sido repassada ao consumidor por meio de taxas adicionais chamadas “bandeiras tarifárias”, cobradas na conta.
Em agosto, após o quadro piorar, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) determinou uma nova bandeira, da “escassez hídrica”, cobrando R$ 14,20 a cada 100 quillowat-hora consumidos. A situação, segundo o Banco Central, ainda pode se agravar, caso haja um eventual recrudescimento da crise hídrica, especialmente se forem necessárias restrições ao consumo de energia elétrica.
O economista Pedro Rodrigues ressalta que o acesso à energia, tanto elétrica quanto de combustíveis, é de extrema importância para que o setor produtivo não tenha a sua retomada comprometida. “Um esforço conjunto deve ser empregado para que seja possível um gerenciamento da crise hídrica, evitando blecautes e racionamento”, aponta.
A empresária Aureny Martins de Amorim, 51 anos, atesta o impacto na retomada econômica. Proprietária de uma empresa de construção especializada em gesso, ela conta que o aumento nos itens têm comprometido os lucros e impedido investimentos. “O combo de aumento cria um efeito dominó. A energia é uma ferramenta que não tem como a gente diminuir dentro da empresa, a gente precisa dela e nos foge a possibilidade de economia. E a questão do combustível aumenta o frete, o imposto sobre o frete, e acaba refletindo no produto. A gente acaba perdendo vendas, pois eu tenho assumido esses aumentos e perdido parte do lucro”, afirma a brasiliense.
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Sem solução a curto prazo
O preço dos combustíveis foi um dos principais temas de discussão do governo e entre líderes partidários do Congresso Nacional nesta última semana. O governo federal que, até então, atribuía a responsabilidade do controle de preços dos combustíveis aos estados, por meio de uma diminuição no imposto estadual (ICMS), agora transfere o ônus à Petrobras, que vem sofrendo pressões para alterar sua política de preços.
“Atualmente, o mercado internacional de energia está passando por problemas para o atendimento da demanda. A oferta que foi reduzida em função da pandemia não está crescendo no mesmo ritmo, consequentemente, os preços estão subindo”, explica Pedro Rodrigues, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
Em defesa da Petrobras, o presidente Luna e Silva explicou que, considerando um valor médio atual da gasolina, 66% não correspondem à estatal. Os outros 34% — cerca de R$ 2 por litro —, cabem à parcela da Petrobras, “para cobrir custos de exportação, produção e refino de óleo, investimentos, juros da dívida, impostos e participações governamentais”, argumentou.
Rodrigues explica que o preço ao consumidor final dos combustíveis é composto por um conjunto de variáveis e que é preciso considerar cada uma delas. “Esse valor é determinado segundo uma política de preço que considera os preços de referência internacional dos combustíveis e da taxa de câmbio, além de incluir custos de frete, transporte e taxas portuárias. Portanto, os preços domésticos dependem do cenário internacional, que determina a variação do preço do barril de petróleo e da taxa de câmbio”, conta.
O economista e coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) André Braz explica que, em razão de a Petrobras ser uma empresa de economia mista, com capital aberto e ações negociadas em Bolsa, o repasse de preços ao passo do aumento do petróleo é inevitável. “Se ela não repassar o preço dos aumentos do petróleo nos seus derivados vai importar caro e vender barato. E como fica a remuneração dos acionistas? A empresa não pode operar em prejuízo. Isso pode penalizar o capital da empresa”.
Ainda segundo o especialista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), é preciso compreender que a tendência de alta ocorre no mundo inteiro e que uma solução a curto prazo não é viável. “O que já tinha que ter sido feito é investir nas refinarias muitas sucateadas, por exemplo, o que diminuiria a necessidade de importação. Embora não evitasse aumento de preços, haveria uma diminuição da exposição do Brasil ao comportamento internacional. Também tem como investir em outras fontes de energia, mas ninguém toca no assunto”, conta. (FF)