CONJUNTURA

Sinais de ceticismo no PIB

Com piora nas perspectivas econômicas e aumento dos riscos políticos, os donos do dinheiro demonstram insatisfação com a forma de o presidente Jair Bolsonaro governar e aumentam o tom crítico com o governo, por não verem promessas cumpridas

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) completa o terceiro ano de mandato entregando muito pouco do que prometeu, os pesos-pesados do Produto Interno Bruto (PIB) mostram insatisfação com a forma de governar do chefe do Executivo, devido aos arroubos autoritários. As ameaças contra a Constituição e aos integrantes do Judiciário feitas durante as manifestações de 7 de Setembro não serão esquecidas com uma simples carta pacificadora que sequer foi escrita pelo inquilino do Palácio da Alvorada. Logo, a debandada do barco do capitão reformado seguirá seu curso a cada recaída do chefe do Executivo para o perfil bélico, de acordo com especialistas.

Apesar de Bolsonaro ter uma base de apoio barulhenta que não pode ser desprezada, analistas lembram que a rejeição ao presidente cresce junto com a piora dos indicadores econômicos, principalmente, a inflação. E a realidade dos fatos é que o desemprego tem apresentado patamares recordes e vai continuar elevado em 2022, com a massa salarial encolhendo cada vez mais devido à carestia. A alta do custo de vida não dá trégua, e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), está acima do teto da meta deste ano, de 5,25%, e do centro da meta do ano que vem, de 3,5%. Com isso, o Banco Central deverá acelerar o aumento da taxa básica de juros (Selic), atualmente em 5,25%, para patamares acima do neutro (6,5% a 7,5%), limitando o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), que deverá ser pífio no ano que vem, se houver. De acordo com Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, “mesmo se elevar a Selic para 9% no fim do ano, o IPCA do ano que vem deverá ficar acima de 4%”, devido à inércia.

Descontentamento

Diante da divulgação da queda de 0,1% no PIB do segundo trimestre e do aumento das incertezas, as projeções do mercado para o crescimento do PIB não param de serem revisadas para baixo, e o desembarque do governo, segundo analistas, deve continuar diante dos riscos de polarização e da piora dos indicadores. “O PIB deverá desembarcar, sim, do governo, de forma gradual. Vamos afundando nos próximos meses, porque a solução política real fica mais distante. A solução política de quinta-feira (a carta) foi fake e isso vai apenas fazer com que os desajustes se prolonguem”, avalia o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. “A instabilidade política está dada, o sentido de irreversibilidade da crise se mantém, a agonia apenas será mais prolongada e até a eleição. Esse ritmo arrastado de idas e vindas não facilita a vida para uma terceira via e coloca riscos ainda crescentes do que podemos ter no segundo turno das eleições”, afirma.

“Há um grande descontentamento com a agenda econômica no setor produtivo, porque o governo não está conseguindo criar condições para o crescimento e os sinais de piora na questão fiscal estão aumentando”, acrescenta Lucas Fernandes, coordenador de política da BMJ Consultores Associados. “As declarações de Bolsonaro afetaram a imagem do país no cenário internacional, o que preocupou muito os exportadores, principalmente do setor do agronegócio, que está nitidamente rachado. Os exportadores estão desembarcando porque precisam de uma imagem melhor no meio ambiente para fazer negócios”, destaca. Fernandes lembra que uma das principais preocupações dos empresários, no momento, é a garantia de que o resultado das urnas em 2022 será respeitado por Bolsonaro. “Sem isso, o clima de instabilidade vai persistir e a debandada também”, alerta Fernandes. Ele lembra que esse foi um dos motivos para as entidades empresariais se mobilizarem em torno do manifesto em favor da democracia “A Praça é dos Três Poderes”, que dividiu empresários e banqueiros e acabou sendo divulgado na última quinta-feira (9), com 247 assinaturas.

A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, lembra que, além de o governo não ter entregue o que prometeu, ele aumentou o risco de ruptura democrática. “E, por isso, as entidades empresariais deram o sinal de que estão atentas a esse risco. O mercado financeiro e os investidores não querem isso. Ninguém gosta de regime autoritário. E, quando esse risco entrou no radar, muita gente está reavaliando as estimativas e o apoio ao governo”, complementa.

Estagflação

Analistas reconhecem que a economia não decola como o ministro da Economia, Paulo Guedes, insiste em afirmar aos seus interlocutores. Aliás, até Guedes começa a admitir que os ruídos provocados por Bolsonaro prejudicam o crescimento econômico, visto que o chefe da equipe econômica já está ficando sem argumentos para continuar falando que a economia “está bombando” ou “decolando em V” — expressões que entraram para o rol das anedotas do Posto Ipiranga de Bolsonaro, junto com “zerar o deficit primário no primeiro ano de governo” e “arrecadar R$ 1 trilhão com privatizações”

O consenso entre os especialistas é de que a economia será o principal assunto na campanha eleitoral de 2022 e Bolsonaro não terá bons números para mostrar. Pelo contrário. Em meio a uma crise hídrica sem precedentes em curso, a realidade dos números é bem clara: o país está mergulhando em um cenário de estagflação — o pior dos mundos em teoria econômica, que combina baixo crescimento com inflação elevada. “O PIB já abandonou Bolsonaro. O caminho já está traçado, e é um caminho muito ruim, de estagflação. No começo do ano, a economia ainda pegou alguns efeitos favoráveis do ano passado, mas, daqui para frente, por razões internas e externas, o PIB só tende a piorar”, alerta o economista Simão Silber, professor doutor da Universidade de São Paulo (USP). Pelas estimativas dele, em 2022, o país não conseguirá crescer mais de 1%. Ele lembra que o PIB ainda não voltou aos patamares de antes da recessão de 2015 e 2016. Segundo trimestre deste ano ficou 2,2% abaixo do registrado nos últimos três meses de 2014, de 175,2 pontos.

Na avaliação do professor da USP, o presidente não vai ter coisas boas para falar sobre a economia durante a campanha, porque a tendência é de piorar o que já não está bom. Ele destaca alguns riscos que precisam ficar no radar e podem atrapalhar ainda mais esse cenário e que vão além da crise hídrica, como o indício de greve dos caminhoneiros, que pode elevar ainda mais os preços; e o dólar valorizado diante do aumento da desconfiança na capacidade de o governo controlar as contas públicas em um cenário em que Bolsonaro fará de tudo para tentar se reeleger.

Racionamento

Diante desse cenário cada vez mais pessimista, José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, por exemplo, reduziu recentemente, de 4,8% para 4,1% a previsão de expansão do PIB deste ano e revisou de 2,1% para 1,1% a estimativa de alta do PIB no ano que vem, mas admite que essa taxa poderá ainda ser menor se houver racionamento. “O país está em um cenário de estagflação, e, na melhor das hipóteses, o PIB vai crescer 1% no ano que vem. O país voltará a ser medíocre, se tudo der certo. Como isso não ocorre, vamos ser medíocres dedicados à mediocridade”, afirma. Segundo Gonçalves, não adianta o governo falar que vai fazer ajuste fiscal e reformas. “Esquece. Isso não vai acontecer com o clima político tenso e com o Congresso apertado”, avalia.

Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do Banco Alfa, ressalta que o PIB só abandona quem não tem chance. “É a mesma lógica do Centrão”, alerta o analista que prevê um cenário de “tempestade perfeita” se a crise hídrica se agravar, porque é ela que vai determinar a inflação, o crescimento do PIB e a própria chance de reeleição de Bolsonaro. “Ainda falta muito tempo até a eleição. Na mesma época, em 2005, todos achavam que o Lula estava morto por conta do Mensalão e o próprio papo de deixar sangrar era o discurso do PSDB. E todos sabem o que aconteceu”, pontua.


"Há um grande descontentamento com a agenda econômica no setor produtivo, porque o governo não está conseguindo criar condições para o crescimento e os sinais de piora na questão fiscal estão aumentando”

Lucas Fernandes, coordenador de política da BMJ Consultores


"O país voltará a ser medíocre, se tudo der certo. Como isso não ocorre, vamos
ser medíocres dedicados à mediocridade”

José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator