O ministro da Economia, Paulo Guedes, reconheceu que os “ruídos” recentes em relação às instituições democráticas provocados pelo presidente Jair Bolsonaro, podem atrapalhar o crescimento da economia. “A pergunta é se todo esse ruído sobre instituições e democracia poderia atrapalhar essa bem posicionada economia, no sentido de que estamos prontos para avançar de novo. Minha resposta é: isso poderia gerar muito ruído, isso poderia desacelerar o crescimento. Mas não mudaremos a nossa direção (na economia). Estamos na direção certa há muito tempo”, disse Guedes, ontem, em resposta a uma pergunta feita pelo ex-presidente do Banco Central e presidente do Conselho do Credit Suisse, Ilan Goldfajn, em um evento virtual da instituição financeira voltada para investidores.
O mercado reagiu mal às falas de Bolsonaro durante as manifestações de 7 de Setembro. O ministro, no entanto, procurou minimizar os riscos apontados pelos agentes econômicos, tanto em relação à inflação quanto à questão fiscal. Ele reafirmou que o choque de preços “é temporário” e fez previsões bem mais otimistas para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do que as do mercado.
“Acho que estamos no pior momento da inflação, mas ela vai desacelerar até o fim do ano ficando em torno de 7,5% e 8%”, afirmou Guedes. A mediana das estimativas do mercado estava em 7,58%, mas depois da alta acima do esperado no IPCA de agosto, que alcançou 0,87%, uma nova onda de revisões começou. O piso das novas previsões está em 8,2%, mas elas chegam até a 9,5%.
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Rombo
Em relação à piora das expectativas do quadro fiscal, Guedes voltou falar em redução do deficit primário neste ano e no próximo, assim como da dívida pública bruta, mas esqueceu de explicar que isso está ocorrendo, principalmente, devido à inflação elevada — que tem ajudando no aumento da arrecadação, por conta dos preços mais altos, e do PIB nominal usado como denominador do cálculo da dívida. O ministro voltou a falar que o rombo das contas públicas passará de 1,5% do PIB neste ano para menos de 0,3% do PIB. Ele também garantiu que as despesas em relação ao PIB passarão de 19,5% do PIB, neste ano, para 17% do PIB, no ano que vem. “Estamos nos trilhos do compromisso de consolidação fiscal”, garantiu.
Contudo, a previsão de queda nas despesas está baseada em parâmetros desatualizados do Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) enviado ao Congresso no fim de agosto, que não inclui uma série de gastos prometidos por Bolsonaro e que não puderam ser incluídos, como o Bolsa Família turbinado, que dependendo do novo valor do benefício, poderá superar R$ 20 bilhões. E, para fechar as contas incluindo a previsão integral de R$ 89,1 bilhões de precatórios — dívidas judiciais —, o governo entregou o Orçamento de 2022 com despesas indexadas ao salário mínimo corrigidas por uma taxa de 6,2% para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (INPC), que já acumula alta de 10,4% nos 12 meses encerrados em agosto.
Teto de gastos
Para cada ponto percentual a mais no INPC, a margem do teto de gastos vai encolher R$ 8 bilhões, de acordo com dados da Economia, que previa uma folga de R$ 30,4 bilhões. Logo, se o INPC ficar em torno de 10%, não haverá margem extra no limite da regra que corrige as despesas pelo IPCA acumulado em 12 meses até junho.
Outra despesa recentemente criada pela Câmara dos Deputados também vai disputar espaço com os precatórios e o novo programa social, que são R$ 28,9 bilhões de perdas para a União com as mudanças do projeto da reforma do Imposto de Renda, conforme estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI). Além disso, as receitas estão superestimadas, porque o governo prevê alta de 2,5% no PIB enquanto o mercado vem reduzindo as projeções para algo entre 1,1% e 1,8%, no máximo, o que, segundo analistas, torna um estouro no teto de gastos em 2022 cada vez mais inevitável.
O ministro disse que uma solução para a questão dos precatórios deverá sair a partir das negociações, na próxima semana, entre o governo e os presidentes do Legislativo e do Judiciário, para, assim, abrir caminho para um Bolsa Família “moderado e substancial”.
Durante o evento virtual do Credit Suisse, Guedes ainda fez questão de afirmar que Bolsonaro não ultrapassou as “linhas do jogo”. “De fato, há muito ruído nas ruas. Mas nós merecemos respeito. O presidente merece respeito pelos 60 milhões de votos que recebeu. Verbalmente, há excessos. Mas ele não ultrapassou as regras democráticas”, disse. Ele voltou a afirmar que as instituições são fortes e que, como seres humanos, todos erram. E, portanto, se houve algum “erro ou mal-entendido”, o presidente divulgou a carta pacificadora na quinta-feira para tudo voltar aos trilhos.