Os agentes econômicos reagiram da pior forma possível às manifestações de 7 de Setembro e às declarações do presidente Jair Bolsonaro intensificando o confronto com os demais Poderes. O consenso entre analistas é de que, daqui para a frente, o cenário, que já era pessimista, ficou mais nebuloso devido ao aumento do “custo Bolsonaro”. Com isso, a população terá de arcar com a fatura da maior incerteza, via baixo crescimento da economia e alta da inflação. A previsão é de que os índices de preços podem chegar à casa dos dois dígitos, como já acontece com os juros cobrados pelo mercado para investir em títulos públicos. Os papéis com vencimento em janeiro de 2031, por exemplo, voltaram a ser negociados acima de 11% ao ano.
Os pronunciamentos, ontem, dos chefes do Judiciário e do Legislativo, contrapondo-se ao presidente, deixaram dúvidas sobre o que ainda virá no cenário político. O mercado está também na expectativa em relação às manifestações da oposição ao governo, marcadas para o próximo domingo. Analistas avaliam que Bolsonaro, apesar da queda na popularidade, ainda conta com apoio de uma fatia da população que não pode ser ignorada. Contudo, avaliam que o governo terá muito mais dificuldade para avançar com reformas, como a tributária e a administrativa, e, para piorar, vai retroceder no ajuste fiscal. A previsão é de que o Centrão cobrará caro para barrar o impeachment, e, como não há espaço para novas despesas no Orçamento de 2022, a saída deverá ser via estouro do teto de gastos — regra constitucional que limita o aumento de despesas à inflação.
Outro consenso entre os analistas é o de que, ao voltar a desafiar o Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro travou a saída que vinha sendo negociada com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para o problema dos precatórios, as dívidas judiciais da União. No total, R$ 89,1 bilhões devem ser pagos em 2022, o que não deixa espaço para a promessa do presidente de aumentar o valor dos benefícios do Bolsa Família nos meses que antecedem as eleições do próximo ano. “O risco fiscal aumentou e, se não houver solução para os precatórios, o governo deverá estourar o teto”, alertou Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos.
Volatilidade
Não à toa, a piora nas expectativas derrubou a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) e fez o dólar subir com força, ontem. De acordo com o economista Juan Jensen, sócio da 4E Consultoria, a tendência é de muita volatilidade no mercado financeiro até as eleições de 2022. “As perspectivas pioraram. Esse governo só entregou a reforma da Previdência e não vai conseguir entregar mais nada, nem ajuste fiscal. Se vier alguma coisa, será muito pontual”, afirmou Jensen. “A reforma administrativa é pouco ambiciosa. E a reforma do Imposto de Renda, é melhor enterrar, porque ficou tão ruim que a melhor opção é não fazer”, acrescentou.
Jensen reduziu de 5,2% para 4,9% a previsão de alta do Produto Interno Bruto (PIB) de 2021, mas manteve em 2,4% a estimativa de expansão em 2022. Mais pessimista, o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, passou a prever altas de 4,1%, neste ano, e de 1,1% em 2022 — “na melhor das hipóteses”, porque a estimativa não considera os efeitos de um agravamento da crise hídrica.
“Tudo mudou de patamar e, agora, ninguém sabe o que vai acontecer”, disse Gonçalves. “O país só não entra em recessão por acaso”, alertou. O economista, porém, não descarta as chances de o país entrar em um cenário de estagflação — baixíssimo crescimento com inflação — já que o Banco Central continuará elevando os juros para conter o processo inflacionário e, consequentemente, ajudará a frear o PIB. “Na melhor das hipóteses, o país voltará a registrar taxas de crescimento medíocres”, frisou.
O economista e consultor Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, que passou a prever altas do PIB de 4,9%, neste ano, e de 1,5%, em 2022, observa que o crescimento do país será “modesto”, especialmente, devido à limitação do principal motor do PIB: o consumo das famílias, que ficou estagnado no segundo trimestre. Ele destacou que a recuperação do consumo “parece travada pelo mau desempenho do mercado de trabalho”. “Acredito que melhore na segunda metade do ano, na esteira da vacinação, seja pelo consumo maior de serviços seja pelo aumento do emprego associado a esse setor, mas lembrando que o sarrafo está baixo”, disse.
Investimentos
De acordo com a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), outro motor do crescimento do PIB, os investimentos, não deve contribuir para taxas mais robustas da atividade. “A tendência é de queda dos investimentos nos próximos trimestres devido ao efeito base, e eles não devem ajudar na retomada”, alertou.
Sílvia Mastros comentou ainda que acabou a contabilidade criativa que vinha turbinando os investimentos na segunda metade de 2020: as reimportações fictícias de plataformas de petróleo antigas, que, na verdade, nunca saíram do país.
Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, lembrou que a inevitável piora nas contas públicas está freando o capital estrangeiro. “Os investidores não estão de costas para o Brasil, mas olhando para o país com uma lupa gigantesca e começando a discutir ações de garantia e maior prêmio de risco para investirem aqui”, resumiu.