Encher o tanque de gasolina, fazer compras de supermercado por 15 dias ou garantir a carne no prato por, pelo menos, dois meses. Esse era o poder de compra do consumidor com apenas uma nota de R$ 200, há um ano, segundo James Carneiro, de 49 anos de idade, morador da Vicente Pires. O cenário, porém, mudou. “Agora, não consigo encher nem meio tanque com esse valor”, desabafa ele, que, como 14,4 milhões de brasileiros, está desempregado. A alimentação também ficou mais restrita. “Antes, com R$ 200 a gente quase enchia o carrinho de supermercado, agora sai com duas ou três sacolinhas em mãos. Uma compra realmente farta, com carrinho cheio, não fica menos do que R$ 800”, disse o pai de família, que faz bicos como pintor.
Os aumentos apontados por James são comprovados no último IPCA-15 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), divulgado em agosto pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. No ano, o índice acumulou alta de 5,81% e, em 12 meses, de 9,30%. No caso do setor de alimentação e bebidas, a alta foi de 1,02% somente em agosto.
Lançada há um ano, durante a pandemia, para suprir a necessidade de papel moeda nos pagamentos do auxílio emergencial, a nota de R$ 200 passa pouco pelas mãos dos brasileiros. De acordo com o BC, foram produzidas 450 milhões de cédulas de R$ 200, mas menos de 20% foram colocadas em circulação.
“É mais fácil ver um lobo guará do que uma nota de 200”, brinca James Carneiro, referindo-se ao animal típico do cerrado cuja estampa está na cédula. Embora a nota seja difícil de ser encontrada, o BC afirma que a entrada em circulação da cédula, assim como aconteceria com qualquer outra, ocorre de forma gradual e de acordo com a demanda da sociedade. “O ritmo de utilização da cédula de R$ 200 vem evoluindo em linha com o esperado e seguirá em emissão ao longo dos próximos exercícios”, informou o BC.
O poder de compra da cédula, no entanto, despencou. Ontem, a equipe do Correio visitou uma das unidades de uma grande rede de supermercados do DF. A compra, de R$ 201,42 contou com arroz, feijão, óleo, ovos, frango e outros 18 itens que couberam em três sacolas.
Câmbio
O principal fator que tem causado a inflação é a alta do dólar, afirma o diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea, José Ronaldo Souza Júnior. “A taxa de câmbio tem impacto em tudo. Quando essa taxa fica muito alta, aumentam os custos de produção e os preços sobem”, explicou. Como segundo motivo dos altos preços nas prateleiras, Ronaldo aponta a elevação nos preços das commodities, principalmente agrícolas. “A alta das commodities tem afetado diretamente o preço dos alimentos, impulsionada pela demanda internacional muito forte e por eventos climáticos que afetaram a produção”, diz Souza Junior, referindo-se às secas e às geadas.
Quem mais sente a inflação no bolso é o brasileiro de baixa renda. A última Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, divulgada em julho pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), identificou um valor médio de R$ 560,65 da cesta básica em 17 capitais analisadas. O valor equivale a 55,68% do ganho líquido do trabalhador remunerado com um salário mínimo (R$ 1.100).
O índice Abrasmercado, da Associação Brasileira de Supermercados, traz um número ainda maior. Os dados de junho da Associação apontam que houve uma alta de 22,11% na comparação com maio, passando de uma média nacional de R$ 542,27 para R$ 662,17 no valor da cesta com os 35 produtos de largo consumo nos supermercados.
O poder de compra da cesta com um salário mínimo é o menor em 15 anos. Com base na cesta mais cara que, em julho, foi a de Porto Alegre, o Dieese estima que o salário mínimo necessário deveria ser equivalente a R$ 5.518,79, valor que corresponde a 5,02 vezes o piso nacional vigente. O cálculo é feito levando em consideração uma família de quatro pessoas, com dois adultos e duas crianças.