O bom exemplo do Piauí

"Tratava-se de fazer a reforma de regras mais dura possível e, depois, o aporte do maior volume possível de ativos no respectivo fundo de previdência"

Como ocorre na maioria dos casos que tenho examinado ultimamente com lupa, a atual administração do Piauí, meu estado natal, se viu, há algum tempo, diante da perspectiva de explosão dos seus “custos previdenciários”, que é a soma dos deficits nessa área com as contribuições patronais do ente. Só que, diferentemente da maioria dos demais, resolveu fazer o dever de casa para valer.

Tratava-se de fazer a reforma de regras mais dura possível — e ele a fez (algo que a reforma federal de 2019 deveria ter tornado obrigatório não apenas para a União), e, depois, complementar esse esforço com o aporte do maior volume possível de ativos do estado no respectivo fundo de previdência. Só assim seria possível, diante da alta rigidez do resto do gasto corrente, evitar a debacle dos investimentos, que já vinham em nítida escalada descendente há algum tempo, e eventualmente, até mesmo ficar sem caixa para arcar com todas as despesas obrigatórias.

O ponto é que o agravamento do problema previdenciário em todos os rincões do país, desde a União e os estados e municípios mais ricos, até os mais pobres, causado especialmente por razões demográficas (além das velhas contratações e concessões salariais equivocadas), jogou, a exemplo da pandemia — que atingiu todos igualmente —, os deficits da área para cima, exaurindo os espaços orçamentários que costumam ser destinados ao único item flexível, mas crucial para expandir a economia — os investimentos. E vejam a falta que eles estão fazendo agora, quando a pandemia está arrefecendo, com variantes e tudo, mas o PIB “anda de lado”, segundo o ministro da Economia, exatamente por conta das novas variantes (desculpa essa um tanto esfarrapada, especialmente para um governo que tem total descaso pela vacinação...).

Desconheço quem, na administração pública nacional, tenha mais bem entendido essa questão do que o atual governador do Piauí. Há muito na gestão estadual, ele simplesmente viu, lá atrás, que os investimentos locais, que haviam atingido a marca de R$ 1,9 bilhão em 2013, acabariam desabando, diante de sinais da iminente derrocada previdenciária que se esboçava. Como previdência de servidores é pagamento sagrado, e também diante de um orçamento ultra engessado nas demais contas fora investimento, percebeu que teria de reformar regras no que pudesse naquela área, e deveria, ao final, fechar a conta previdenciária via aporte de ativos a fundos criados especificamente para esse fim (saiba-se que, hoje, os fundos já criados por entes subnacionais acumulam cerca de R$ 200 bilhões em ativos garantidores de aposentadorias).

O melhor caminho a seguir é razoavelmente complexo, pois envolve, primeiro, segregar, dentro da massa existente, dois grupos: uma previdência nova que já nasce praticamente equilibrada para quem ingressou a partir de uma certa data, enquanto se administra da melhor forma possível o grupo mais antigo, uma espécie de peso morto para as contas. Como terão mesmo de ser pagos, o melhor é transferi-los aos poucos para o grupo novo, trazendo junto um montante de ativos que o ente identifique em seus rincões (e há muito disso), na dimensão requerida para cobrir a parcela do passivo atuarial ali identificada.

Registre-se que essa nova previdência seria criada com menor chance de desequilíbrio no futuro, porque, como ocorre com fundos previdenciários privados similares, as contribuições são aplicadas pelos gestores em fundos apropriados para cobrir, em boa medida, as aposentadorias futuras. Isso não deve ser confundido com a “previdência complementar”, que já existe e foi criada lá atrás por sugestão minha a FHC exclusivamente para servidores recém ingressados, e vai bem, obrigado.

Antes de partir para soluções mais complexas no Piauí, viu-se que os investimentos locais haviam caído de R$ 1,9 bilhão para algo ao redor de R$ 900 milhões entre 2018 e 2020, e, antes que desaparecessem, foi definido um caminho que buscaria economizar imediatamente R$ 1 bilhão, sendo metade por conta da reforma mais dura que pudesse ser feita, e metade via aporte de ativos, além de reorganizações, melhoria de gestão etc. Essa seria a principal herança que a atual gestão deixaria para a próxima administração — a garantia de que o Estado pudesse voltar a investir, já de 2023 a 2030, pelas contas que fiz, algo próximo do pico de R$ 2 bilhões, que fora observado em 2013. Claro, sem falar na necessidade de aprovar um plano de ajuste de longo prazo para os demais itens de alta rigidez no orçamento: pessoal ativo e despesas em “outros custeios” financiadas com receitas vinculadas a determinados usos.

Tenho adotado a mesma visão que meu falecido irmão e ilustre piauiense, ex-ministro Reis Velloso, de olhar sempre com muita atenção, independentemente de quem esteja no poder, os problemas que afligem nosso estado, e ajudar a melhorar os problemas que ali surgem, dentro das óbvias limitações existentes. Foi com esse espírito que me senti feliz em poder destacar hoje mais um bom exemplo que vem do Piauí.