CONJUNTURA

Crise hídrica terá forte impacto na inflação, avalia BC

Presidente do Banco Central reconhece que a crise hídrica tem forte impacto nos preços e dificulta calibragem da política de juros, mas reafirma que a missão da autarquia é trazer a inflação para dentro da meta estabelecida pelo governo

O presidente do Banco Central, Roberto Campo Neto, reconheceu o forte impacto que a alta do custo da energia terá sobre a inflação. Segundo ele, a crise hídrica é mais preocupante sob a ótica do aumento de preços que da possibilidade de racionamento, e aumenta o desafio do BC de manter a inflação dentro das metas estabelecidas pelo governo por meio da política de juros.

“A gente tem todos os choques externos, choques internos, a crise hídrica, mais um ruído eleitoral, de fato isso dificulta”, disse Campos Neto, durante evento promovido pelo jornal O Estado de S. Paulo. “Mas o BC tem de pensar que sua missão é atingir a meta, entregar a meta de inflação. Esse é o elemento mais importante para garantir a estabilidade com crescimento sustentável de curto, médio e longo prazo”, completou.

A inflação acumulada em 12 meses atingiu 8,99% até julho, acima do teto da meta para este ano, que é de 5,25%, e de 5% para 2022. A expectativa de analistas é de que o BC vai subir fortemente a taxa básica de juros, a Selic, para trazer a inflação para a meta no próximo ano.

Para a economista–chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack, ainda não se sabe exatamente de que forma cada um dos fatores citados pelo presidente do BC pesará na política monetária de agora em diante, mas a crise hídrica e a nova taxa de energia elétrica não deveriam se refletir na taxa básica de juros — a Selic.

“Os preços de energia elétrica fazem parte do grupo de preços administrados, e esses preços apresentam menor sensibilidade às alterações de oferta e demanda”, diz. Segundo Abdelmalack, o trabalho do BC precisará ser no sentido de evitar a propagação dos efeitos secundários do aumento na energia nos demais preços da economia.

Felipe Queiroz, pesquisador na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), critica a utilização de apenas um instrumento para controle inflacionário, a taxa básica de juros. Segundo o economista, no caso da crise hídrica, um aumento nos juros só contribuirá para que haja mais transferência de recursos do setor público para o setor privado. “Há diferentes tipos de inflação, e o aumento da Selic só é eficiente em um único tipo, que é a inflação de demanda”, pontuou.

Segundo Queiroz, em um cenário onde há aumento da renda, baixa taxa de desemprego e consumo acelerado, a taxa Selic é útil para aumentar o preço do crédito e enfraquecer o ritmo de atividade da economia. Já em um quadro oposto, como o atual, com a economia em retração e o desemprego elevado, o juro alto não só é ineficiente, como piora a situação. “É uma política macroeconômica incoerente, inconsequente e socialmente destrutiva”, disse.

Problema global


Roberto Campos Neto ressaltou que a alta inflação não é um problema exclusivo do Brasil, mas de grande parte do mundo, que tem tido pressão tanto nos preços ao consumidor quando nos custos de produção. Segundo o presidente do BC, a limitação na produção e o aumento na demanda pioraram o quadro inflacionário global.

Um dos motivos para a limitação citada por Campos Neto, é a falta de componentes para produção, como tem ocorrido, há alguns meses, no setor automotivo no Brasil. O presidente do BC citou o fechamento de fábricas de carros no país e destacou a escassez de semicondutores no setor, a pior em 25 anos.

 

Bolsa Família depende de precatórios

O secretário especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Bruno Funchal, acredita que é possível criar um novo Bolsa Família com benefício de R$ 300, mas condicionou isso a uma solução para os R$ 89,1 bilhões de despesas com precatórios — dívidas judiciais —, que foram incluídas integralmente no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa), enviado ao Congresso no último dia 31. E essa solução, segundo ele, precisará ocorrer por meio de entendimento entre o Legislativo e o Judiciário e ficar dentro da regra do teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento de despesa à inflação do ano anterior.

“Um (beneficio do) Bolsa Família de R$ 300 vai depender da solução final dos precatórios, mas acredito que seja possível”, afirmou Funchal, durante evento virtual de uma plataforma de investidores do mercado financeiro. O governo vinha tentando evitar argumentos em defesa da Proposta da Emenda à Constituição (PEC) dos precatórios para a ampliação do Bolsa Família devido à polêmica que o tema vinha causando. “Para ser um pouco maior, o programa precisa ter espaço no Orçamento. Aí vai ter que haver uma definição de prioridades”, emendou.

Funchal voltou a defender a polêmica PEC 23/2021, que trata do parcelamento em 10 anos dos precatórios, enviada pelo Executivo ao Congresso no início de agosto. A PEC vem sendo bastante criticada por especialistas por institucionalizar o calote no pagamento de dívidas consolidadas em sentenças judiciais, para as quais não cabe mais recurso. Por isso, ela foi denominada de PEC das pedaladas.

O secretário avaliou que a solução que está sendo costurada pelo Legislativo e o Judiciário, via Conselho Nacional de Justiça (CNJ), criando uma espécie de subteto para os precatórios, sem mexer na Constituição, é parecida, no conteúdo, com a proposta do governo. “Tanto a nossa proposta original quanto a que está em discussão via CNJ vão no caminho de não romper o teto, mas de compatibilizar a despesa dentro com o teto”, afirmou. “A gente aqui no governo sabe da importância do teto de gastos para ancorar a expectativa e trazer credibilidade. Não estamos trabalhando com essa hipótese de retirar (precatórios) do teto de gastos”, frisou.

De acordo com Funchal, assim que for definida uma solução para os precatórios, o governo poderá incluí-la na mensagem de atualização do Ploa de 2022, que possui dados desatualizados e precisará ser corrigido até novembro. Ele descarta atrasos na tramitação da peça orçamentária, como ocorreu no ano passado. (RH)

“Para ser um pouco maior, o programa precisa ter espaço no Orçamento. Aí vai ter que haver uma definição de prioridades”
Bruno Funchal, secretário especial do Tesouro