A queda de 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre de 2021, na comparação com os primeiros três meses do ano, desencadeou uma nova onda de revisões para baixo das estimativas de crescimento do país, já ameaçado pela crise hídrica e pela instabilidade política. Não estão descartadas uma nova recessão — caracterizada por queda da atividade por dois trimestres consecutivos — ou mesmo o pior dos mundos na teoria econômica, a estagflação, que é um cenário sem crescimento econômico, mas com inflação elevada, caso ocorra racionamento de energia.
A retração na atividade econômica anunciada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) interrompeu um processo de recuperação da atividade que já durava três trimestres. O recuo foi puxado pelas quedas de 2,8% na agricultura e de 0,2% na indústria. O escorregão de 3,6% nos investimentos e a estagnação do consumo das famílias (principal motor do PIB que vem desacelerando desde o último trimestre de 2020), também contribuíram para o mau resultado.
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De acordo com a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), após o dado novo do PIB, os modelos apontam nova queda de 0,1% no terceiro trimestre. “Ainda há muita incerteza para confirmarmos uma estagflação, mas ela poderá ocorrer se houver racionamento de energia”, destacou. A economista revisou a estimativa de alta do PIB de 5,2% para 4,9%, neste ano, de 1,6% para 1,5%, em 2022.
Mesmo quem ainda não reduziu as projeções admite que o viés é de baixa. “Os mais otimistas do mercado, que estavam prevendo alta de 6% para este ano, devem ajustar as estimativas para algo mais próximo de 5%, que é o que estamos prevendo. Não vemos como o país possa crescer mais do que isso”, comentou Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, que reduziu de 2,2% para 1,8% a previsão de alta do PIB em 2022. Alessandra diz que o cenário de estagflação “não é o mais provável”, mas não descarta recessão se o risco de apagão aumentar.
Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, destacou que, apesar de ter crescido 0,7% no segundo trimestre, o setor de serviços não compensou as quedas da indústria e da agricultura. “Olhando para a frente, existem alguns desafios que são os desajustes da cadeia produtiva e os ruídos políticos”, disse. “A preocupação é maior com 2022, que será um ano de turbulências”, acrescentou.
Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos, observou que, nas últimas quatro semanas, houve uma piora importante nas condições de liquidez do mercado e nas expectativas de chuvas e de racionamento. Além disso, “a inflação está pressionada e vai fazer o Banco Central subir a Selic (taxa básica de juros) para acima de 7%, ou de 7,5%, o que vai prejudicar a atividade”. Essa combinação de fatores, deve levá-lo a reduzir a projeção de alta de 2,3% do PIB em 2022. Para 2021, ele manteve a previsão de 5,5%.
Já o ministro da Economia, Paulo Guedes, minimizou a queda na atividade ao afirmar que o PIB “andou de lado”. “A economia voltou em V. Disseram que eu estava em um universo paralelo quando dizia isso, mas estamos crescendo novamente. Hoje saiu um dado, praticamente de lado, de queda de 0,05%, que é arredondado para 0,1%. Se fosse 0,04% seria zero”, disse, em um evento com parlamentares.
Para analistas que acompanham de perto os números do PIB, há muita desigualdade nos dados e no processo de retomada de cada segmento e, portanto, não é adequado falar que o país “decolou”, como o ministro costuma dizer. Com a queda de 0,1% no PIB, o Brasil perdeu 10 posições no ranking global elaborado pela Austin Rating, e ficou abaixo da média mundial e dos seus pares. “O resultado do segundo trimestre mostra que a economia brasileira não está bombando”, disse Alex Agostini, economista-chefe da Austin.
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Edu Andrade/Ascom/ME - Paulo Guedes
Inflação e desemprego seguram o consumo
A estagnação do consumo dos brasileiros está na raiz da retração de 0,1% do PIB (Produto Interno Bruto) no segundo trimestre do ano. O consumo das famílias respondeu por 62,7% do PIB em 2020, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Neste ano, porém, com o aumento da inflação e da instabilidade econômica do país, muitas famílias tiveram reduzir fortemente seus gastos.
O marmorista Murilo Paiva Castro, 29 anos, está tentando adquirir novos hábitos. “A forma de sobreviver, na época que estamos vivendo, é trabalhar mais, se adequar aos novos valores, tanto de gasolina, quanto de alimentação. Tentamos diminuir a carne, comer mais o básico, alimentar as crianças de forma um pouco menos saudável, porque o saudável é muito caro. O gás dura só um mês. Cortamos metade das coisas que comíamos. No lanche das crianças, ia um biscoito recheado; agora, é água e sal; o leite também está muito caro”, disse.
A estudante de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB) e professora bilíngue Lalesca Medeiros, 23 anos, também relata dificuldades de lidar com os novos preços. “Não fazemos mais supermercado em grandes compras do mês, compramos picado e o que está em promoção. A qualidade da nossa alimentação mudou muito, ficou mais simples, menos variada. Minha mãe adora cozinhar e é muito difícil para ela abrir armários e geladeiras e não ter nada”, contou.
Lalesca explicou que além dos preços altos, a família enfrenta queda na renda. “Minha mãe é vendedora em papelaria, e as comissões diminuíram. É um baque, ainda mais quando está tudo aumentando. A qualidade de vida que tínhamos mudou drasticamente” relatou.
Para o eletricista Luiz Sérgio Filho, de 45 anos, os últimos meses têm sido os mais difíceis desde o início da pandemia. “Nós, aqui em casa, conseguimos receber o auxílio no início. Eu e minha esposa, que é manicure, ficamos sem trabalhar direito. Mas, Graças a Deus, conseguimos comprar comida e pagar nossas contas com ajuda do auxílio”, relembra.
Agora, sem o valor antigo do auxílio, Luiz Sérgio e a família estão buscando economizar ao máximo. “Nunca gostamos de luxo, mas, agora, compramos o básico, a própria cesta básica mesmo, e só. Paramos até de gastar água e ficar muito tempo com TV ligada. Todo mundo está economizando”, afirmou.
Agronegócio e indústria decepcionam
Dois setores fundamentais para o Produto Interno Bruto (PIB), a agropecuária e a indústria, deram péssimas notícias para o país no segundo trimestre deste ano. Os segmentos recuaram, respectivamente, 2,8% e 0,2%.
A estiagem, que ameaça levar o país ao racionamento de energia, foi o principal motivo da queda da produção no campo. De acordo com Renato Conchon, coordenador do Núcleo Econômico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a atividade do setor normalmente recua nesta época do ano, mas a seca intensa contribuiu para que o movimento viesse acima da expectativa.
“Toda atividade agropecuária tem ciclos. Normalmente vemos um primeiro trimestre bom, um segundo trimestre um pouco mais abaixo, o terceiro trimestre mais abaixo ainda e, no quarto, voltamos a ver números melhores”, disse Conchon. Segundo ele, a diminuição do PIB do setor foi potencializada pelas secas e em regiões produtoras de milho e algodão. “Também não previmos a geada em algumas regiões do Brasil, que acabou prejudicando ainda mais essas lavouras”, explicou o coordenador da CNA.
Apesar da queda no segundo trimestre, a CNA não espera redução da área plantada, o que poderia agravar a situação. Já a indústria, enfrenta cenário mais complicado. Conforme pesquisa divulgada ontem pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o índice de produtividade industrial no segundo trimestre 2021 caiu 1,6% em relação ao período anterior (mesmo número da redução na produção medida pelo IBGE), acumulando três trimestres consecutivos de baixa.
Marcelo Azevedo, gerente de Análise Econômica da CNI, explica que a produtividade resulta da queda de 3,8%, da produção da indústria de transformação e da diminuição de 2,3% das horas trabalhadas.
“O indicador reflete um esgotamento dos investimentos feitos — e o ambiente de incerteza para quem investe. Com diversos fatores em contração, não surpreende esse comportamento da produtividade”, disse o economista.
Azevedo observou que não há crescimento sustentável sem aumento da produtividade. E esta só cresce com mais investimentos em inovação, gestão e capacitação. “No passado, em momentos de aceleração da economia brasileira, esbarramos em alguns entraves, um deles a falta de trabalhador qualificado, que limitou o crescimento. O investimento na educação e qualificação é fundamental para que essa história não se repita quando a economia brasileira finalmente superar a pandemia e iniciar um novo ciclo de expansão”, disse.
*Estagiários sob supervisão de Odail Figueiredo