Com o aumento constante do preço dos alimentos, típico de um cenário de inflação agravado pela pandemia, pela alta dos juros e pela desvalorização do real, além da crise hídrica que elevou a tarifa da energia, o dinheiro some do bolso. E os consumidores ainda têm que conviver com desemprego, desalento, escândalos políticos e queda na qualidade de vida. Tudo isso — e mais surpresas que podem vir — requer atenção e determinação para manter o orçamento doméstico equilibrado.
A palavra de ordem do momento é economizar, sobretudo, entre as donas de casa, que já estão tirando produtos essenciais dos carrinhos de supermercado. Disciplina é indispensável em tempos de crise. O especialista em finanças e professor da Faculdade Santa Marcelina Enrico D’Onofrio destaca que o planejamento do orçamento familiar é fundamental para conseguir driblar as dificuldades. “O aumento dos custos com alimentação, transportes e energia elétrica são aqueles que merecem maior atenção, uma vez que estão no topo da lista dos itens com maior inflação”, alerta.
No caso dos alimentos, uma solução possível é buscar melhores preços, normalmente mais acessíveis nos atacarejos, e pesquisar. Quando se compra no atacado, em maior quantidade, e em promoções, o valor unitário das mercadorias é menor. Além disso, há a vantagem de poder reunir a família para compartilhar os artigos básicos. “A busca de produtos substitutos também pode ser uma boa solução”, aponta D’Onofrio.
O aumento substancial da gasolina é outro problema que tira o sono de grande parte da população que necessita seja do veículo próprio seja do transporte coletivo urbano para se deslocar ao trabalho ou à escola. “Para aqueles que utilizam veículo próprio, uma alternativa é o compartilhamento dos gastos com outras pessoas que vão para um destino próximo”, recomenda o especialista.
O professor chama a atenção, ainda, para a necessidade do consumo consciente da água e da energia elétrica. “Nas residências, um dos produtos que mais gasta energia elétrica é o chuveiro. Devemos observar nossos hábitos, para evitarmos a escassez maior ou o racionamento”, destaca.
Eletrônicos
O educador financeiro Tiago Cespe, da Cespe Educação Financeira, enfatiza, também, a necessidade de prestar atenção aos pequenos eletrônicos dentro de casa, que consomem muita energia sem que se perceba. Se forem desligados, o impacto positivo no orçamento é grande. “Muitas pessoas deixam o microondas ligado, por exemplo, só para ver o horário, o que é possível ver no celular. Não há nenhuma necessidade de deixar o microondas na tomada.” Uma saída é manter o rádio, o aparelho de som e outros eletrônicos conectados a uma régua de energia, e mantê-la desligada durante o dia.
São coisas aparentemente simples, mas que fazem a diferença. “O preço da gasolina, por exemplo, pode ficar mais leve com algumas atitudes. Será que é necessário andar de carro diariamente? O ideal é ir ao trabalho alguns dias de transporte público, ou até mesmo procurar outros transportes que não consomem muita gasolina: bicicletas, motocicletas, entre outros”, assinala Cespe.
“Sobre o gás de cozinha, observe que usamos várias panelas para preparar refeições separadas. É importante ficar atento se não é possível otimizar isso. O banho também precisa ser curto, apenas para higienizar o corpo, e não ficar refletindo sobre a vida”, reitera.
Apesar de todas as dificuldades — ou mesmo por conta delas —, o consultor financeiro salienta que não se pode abrir mão de manter uma reserva financeira. “É muito importante anotar em uma planilha os gastos da família. Há pequenas despesas, como programação de TV, que, muitas vezes, pagamos e não usamos. Às vezes, temos um plano de celular de que não precisamos. E também gastamos com lanches ou cafezinho fora de hora. Não se trata de abrir mão de prazeres na vida. A ideia é analisar os exageros”, aconselha Tiago Cespe.
Pensamento “jaque”
Há uma grande diferença entre ser feliz e ser descontrolado. Segundo Bruna Allemann, especialista em educação financeira da Acordo Certo, empresa de renegociação de dívidas, o pensamento “jaque”, atrelado à autogratificação, é bem comum entre os millennials e a geração Z (nascidos a partir de 1995) — mas não apenas entre eles. Começa com as seguintes observações: “Já que eu ganhei um pouco mais neste mês, vou comprar um relógio. Ah, já que eu não vou conseguir juntar dinheiro neste mês, vou pedir uma comida no delivery”. É o que ela chama de “taxa do eu mereço” que faz as pessoas gastarem mais do que realmente deveriam.
A especialista reforça que a despreocupação com o dinheiro é um hábito mundial — e mais comum do que parece. A frase mais recorrente é “não me preocupo tanto em poupar, prefiro viver o presente”. “Gastar sem pensar e querer gratificações imediatas é um risco muito alto quando olhamos a longo prazo. No fim, as pessoas perdem a oportunidade de usufruir de uma reserva financeira em casos de emergência, de investir em uma velhice segura, de recorrer a um plano médico melhor, além de apoiar os familiares em casos de necessidade”, avalia.
Bruna aponta estratégias para aqueles que querem se ver livres da “taxa do eu mereço”. O começo é simples: papel e caneta, diz. Primeiramente, anote custos fixos e de luxo — suas taxas de merecimento mensais. Faça esse exercício por três meses. As anotações trazem uma grande clareza de quanto se gasta com “pequenos mimos”, além de mostrar quanto poderia ser poupado. Se isso não der certo, recolha, se possível, tudo que foi comprado nos últimos três meses e se pergunte o quanto cada objeto ou serviço foi essencial para você.
“Muitas vezes, o que foi comprado nessa gratificação pessoal deve ter sido usado poucas vezes ou, até mesmo, nenhuma”, destaca Bruna Allemann. O próximo passo é se organizar e aprender a lidar com as despesas. “Não tenha medo nem vergonha de falar ‘não posso fazer isso agora’, ou melhor, ‘isso não é prioridade neste momento’. É a partir daí que a mudança vai acontecer. Sem determinação e organização, o equilíbrio financeiro não se concretiza.”
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Esforço
Em seguida, é fundamental “calcular o seu tempo”. “Já parou para pensar quanto tempo você leva para ganhar R$ 100? Há um exercício que nos ajuda a mensurar a remuneração. Pegue seu salário e o divida pelas horas trabalhadas no mês, para descobrir o valor da hora. Agora, divida por 100 o valor que você encontrou no cálculo anterior. Este é o tempo do seu esforço. Tendo em mente o tempo que você demora para conquistar os tão suados R$ 100, fica mais fácil mentalizar se aquele gasto enorme que você demorou 10 minutos para fazer vale realmente à pena”, compara Bruna.
O quarto passo é ter um planejamento financeiro eficiente, que deve ser revisado sempre que necessário. Para isso, a educadora financeira aconselha o método 50, 30, 20. Anote o valor total de suas receitas, ou seja, tudo que você ganha no mês — sem contar as rendas eventuais. Divida uma folha de papel em três colunas: 50%, 30% e 20%. “Na primeira, veja quanto dá 50% do valor da sua receita e abaixo dela escreva todos os custos fixos como moradia, alimentação, educação, transporte e saúde. Na segunda, coloque 30% da renda. Ali, relacione todos os custos de luxo, ou seu merecimento mensal. A última coluna, de 20% do que você recebe, será o valor que você irá poupar.”
No final, é possível observar que os custos não se encaixam perfeitamente nesta regra, alerta, mas o processo servirá para nortear quais são prioritários. “O que sobrar, vai para a coluna do meio. Essa deverá ser a inteligência da sua reorganização financeira. Pode ser que seus custos fixos cheguem a 70% do seu salário. Não tem problema, poupe 20% e gaste 10%. O gastar é a última coisa que você deve fazer, e se quiser gastar mais, ajuste seus custos fixos, mas nunca deixe de guardar.”
O último passo é desfrutar do equilíbrio entre gastar, economizar e poupar. E alguns pontos são importantes, destaca Bruna Allemann. “Ter controle — inclusive emocional — sobre suas finanças; ter a liberdade financeira para aproveitar a vida; ter foco e compromisso com os seus objetivos pessoais e financeiros; estar sempre protegido, com uma reserva para imprevistos. Com esse passo a passo, é possível pagar as contas, guardar dinheiro e ainda se dar aquele presente tão sonhado. Tudo é uma questão de planejamento”, reforça.
"O aumento dos custos com alimentação, transportes e energia elétrica são aqueles que merecem maior atenção, uma vez que eles estão no topo da lista dos itens com maior inflação”
Enrico D’Onofrio, professor da Faculdade Santa Marcelina
"Há pequenas despesas, como programação de TV, que, muitas vezes, pagamos e não usamos. Não se trata de abrir mão de prazeres na vida. A ideia é analisar os exageros”
Tiago Cespe, educador financeiro
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