Quem está acostumado a comprar produtos importados e a realizar viagens ao exterior sabe bem quanto a alta do dólar pesa no bolso. O que uma parcela da população desconhece é que praticamente todos os serviços e bens consumidos no país são influenciados pelo valor comercial da moeda norte-americana, atualmente cotada a R$ 5,34.
O economista sênior da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo(CNC), Fábio Bentes, explica que a alta do dólar impacta desde os preços do pão francês e do leite, até a viagem de férias. “Mesmo sem comprar produtos importados ou viajar ao exterior, ninguém se livra do dólar valorizado. Ele afeta o dia a dia do brasileiro desde quando acorda, na energia elétrica do banho que ele toma, na gasolina para abastecer o carro, em tudo”, afirma.
Segundo Bentes, mesmo as pessoas que estão trabalhando de casa, saindo pouco e não têm automóvel são atingidas pela desvalorização do real frente ao dólar. “Quem está em home office também consome produtos que chegam em sua casa por meio de algum transporte que queima combustível fóssil, cotado em dólar, que repassa custos no preço final”, observa.
A alta na moeda norte-americana tem atingido pessoas de todas as classes sociais. A médica Naiana Magalhães, 35 anos, conta que a programação de ir aos Estados Unidos neste mês teve que ser cancelada em razão, principalmente, do alto valor do dólar turismo, hoje cotado a R$ 5,57.
“Quando planejamos passar 10 dias em Miami, imaginávamos que o dólar estaria abaixo de R$ 5. Fazer essa viagem hoje seria inviável, por isso, pedimos o reembolso e vamos remarcar quando a taxa de câmbio arrefecer”, afirma Naiana.
As férias estão mais caras, a começar pelos preços das passagens aéreas. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) de setembro, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na última sexta-feira, apontou que passagem aérea foi o terceiro item que mais pressionou a variação total do indicador (de 1,14%) no mês, com impacto de 0,11 ponto percentual ficando atrás apenas da energia elétrica (0,17%) e da gasolina (0,17).
“Há um ano, era inimaginável que passagem aérea fosse o terceiro item que mais pressionaria o IPCA. Isso só foi possível porque aumentou a circulação, que permitiu reajuste nas tarifas do transporte aéreo, e porque boa parte dos custos da aviação são afetados pela taxa de câmbio. O combustível utilizado é cotado em dólar, atingindo não só viagens ao exterior, mas as domésticas também”, afirma Fabio Bentes, da CNC.
Fernanda Consorte, economista do Banco Ourinvest, explica que cerca de 30% do índice que mede a inflação oficial do país é composto de produtos influenciados diretamente pela taxa cambial.
O aumento do preço desses produtos, por sua vez, acaba refletindo no custo dos serviços, acrescenta Bentes. “Os preços livres, que são estabelecidos por oferta e demanda, ainda estão com inflação baixa, mas há indícios claros de que serão contaminados pelo dólar”, diz.
Ainda que não poupe ninguém, a alta da taxa de câmbio acaba pesando mais sobre o brasileiro de baixa renda. Isso porque o dólar caro também bate nos preços dos itens básicos de consumo, como energia elétrica e alimentos. “Ele aumenta o custo dos combustíveis, que contaminam a energia elétrica, uma vez que estamos usando termelétricas que funcionam com óleo e gás, cotados em dólar”, explica Fabio Bentes.
José Ronaldo de Castro Souza Júnior, diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), observa que alimentos e combustíveis são os itens que sentem mais rapidamente os efeitos da variação cambial.
“O preço dos alimentos é cotado em dólar e sofre as pressões de oferta e demanda internacionais, inclusive vindas do Brasil, que é um grande produtor. Então, quando há uma desvalorização do câmbio, automaticamente o preço aumenta. Se há valorização do real frente ao dólar, aí o preço diminui”, destaca o economista.
A vendedora de roupas autônoma Cissa Colado, 41 , tem sentido a carestia dos itens básicos. Mãe de seis filhos, incluindo uma bebê de nove meses, ela desabafa: “A alimentação, os lanches, são o que mais tem apertado no dia a dia. Depois disso, o combustível, a água e a luz. Por sermos muitos, já era caro, agora, está surreal”, afirma a moradora de Taguatinga.
Os comerciantes, especialmente os que trabalham diretamente com produtos importados, também reclamam. “Nossos produtos são diretamente impactados pela alta do dólar, pois 30% são importados. Nossos clientes questionam sempre por que os preços têm aumentado tanto”, afirma Luciano Almeida, 35, gerente de uma loja de cosméticos e perfumes na Feira dos Importados do DF.
José Aparecido Freire, presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Distrito Federal (Fecomércio-DF), explica que as empresas de produtos importados precisam lidar com a insegurança, uma vez que a oscilação cambial constante impede o cálculo preciso da margem de lucro. “É difícil driblar esse problema, porque o pagamento da importação é feito no dia em que o produto é despachado, não no dia da compra. É só quando o produto chega que o empresário vai saber qual é a margem que vai ter”, diz.
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Taxa é sensÃvel à crise polÃtica
Os especialistas são unânimes ao afirmar que a taxa de câmbio é extremamente sensível a ruídos políticos e fiscais. Embora, em um primeiro momento, a pandemia de coronavírus tenha influenciado a disparada do dólar, uma série de fatores conjunturais no país colabora para uma taxa de câmbio ainda bastante salgada, explica Fernanda Consorte, economista do Banco Ourinvest.
“A pandemia enfraqueceu a economia e, como o dólar é uma variável de medida de risco, acabou indo para cima. Mesmo agora, com uma luz no fim do túnel em termos de pandemia, com a vacinação e crescimento econômico, a gente ainda vê a taxa de câmbio depreciada. Claramente, isso tem sido influenciado pelos fatores políticos”, afirma Fernanda.
Entre os fatores conjunturais que geram ambiente de risco no Brasil para os investidores estrangeiros, a economista destaca a crise institucional, a ausência de reformas, a proximidade das eleições de 2022 e a polarização do quadro eleitoral, que acabam afetando os investimentos.
Para o economista José Ronaldo Souza Júnior, diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), completam o combo de problemas o nível de endividamento elevado no país, as despesas primárias em crescimento e o deficit nas contas públicas desde 2014.
“Ainda há essa discussão sobre o orçamento do ano que vem, com a questão dos precatórios, que gera mais insegurança nos investidores que acabam retirando dinheiro do Brasil. Consequentemente, temos desvalorização do câmbio maior que a média dos países emergentes”, afirma Ronaldo. (FF)