CONJUNTURA

Crise da Evergrande alerta sobre possível desaceleração da economia chinesa

Com dívida de US$ 300 bilhões, gigante chinês da construção civil tem dificuldade para pagar credores e gera o temor de que uma crise possa eclodir no país asiático, com reflexos em todo o mundo, inclusive no Brasil. Bolsa cai 2,33%. Dólar sobe.

Fernanda Strickland
postado em 21/09/2021 06:00
Torres construídas pelo grupo Evergrande na China. Dúvida é se o governo de Pequim vai atuar para evitar a quebra do conglomerado -  (crédito: Windmemories/Wikimedia Commons)
Torres construídas pelo grupo Evergrande na China. Dúvida é se o governo de Pequim vai atuar para evitar a quebra do conglomerado - (crédito: Windmemories/Wikimedia Commons)

A crise do conglomerado da construção civil Evergrande, segunda maior empresa chinesa, provocou um terremoto, ontem nos mercados financeiros globais e acendeu um alerta sobre uma possível desaceleração brusca da economia da China, que teria efeitos severos em todo o mundo, em especial sobre países como o Brasil. Não à toa, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) chegou a operar em baixa acima de 3% durante boa parte do pregão. No fim do dia, o Ibovespa, índice que reflete o desempenho das principais ações, fechou em queda de 2,33%, aos 108.844 pontos. Foi o menor nível de fechamento desde 23 de novembro do ano passado. O dólar subiu para R$ 5,53, com alta de 0,93%.

A pandemia do novo coronavírus prejudicou o fluxo de caixa da companhia chinesa em 2020, e são elevados os riscos de a Evergrande decretar calote e provocar um efeito cascata na segunda economia do planeta, da qual o Brasil é muito dependente. O crescimento acelerado da China vinha sustentando os preços das commodities agrícolas e minerais exportadas pelo Brasil, como a soja e o minério de ferro. Se o valor dessas mercadorias despencar, a economia brasileira, que já está fragilizada pelas tensões políticas e fiscais, e ameaçada pela crise hídrica, pode afundar ainda mais. Nesse caso, o estrago não ficaria restrito à Bolsa, mas prejudicaria o próprio crescimento econômico do país.

Fundada em 1996, a Evergrande tem projetos de construção em 280 cidades da China, além de negócios com veículos elétricos e até clubes de futebol. O crescimento rápido da empresa foi bancado com elevadas captações de recursos junto a grandes grupos internacionais, como Allianz, Ashmore e Blackrock, o que a levou a companhia a acumular uma dívida estimada em US$ 300 bilhões. Recentemente, o grupo alertou o mercado sobre problemas de fluxo de caixa, dizendo que poderia entrar em default se não conseguisse levantar dinheiro rapidamente. Diante desse cenário, os mercados reagiram negativamente. O índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, fechou o dia com queda de 1,79% e a bolsa de tecnologia Nasdaq recuou 2,17%.

A bolsa de valores brasileira (B3) teve forte impacto, de acordo com especialistas, pelo fato de cerca de 30% da composição do Ibovespa ser de empresas exportadoras, e outra parte significativa, de bancos. Com o abalo, vários analistas relacionaram o caso da Evergrande ao abalo provocado no mercado mundial pela quebra do banco de investimentos norte-americano Lehmann Brothers, em 2008. O tamanho da crise, no entanto, vai depender de uma decisão do governo chinês: se está ou não disposto a resgatar a empresa.

Situação crítica

De acordo com Eduardo Velho, economista-chefe do JF Truts, a situação é efetivamente crítica e não se pode descartar o risco de calote e de as autoridades chinesas virarem as costas para o problema. “Em abril de 2020, o governo da China começou uma regulamentação de preços e proibiu que empresas operassem extremamente alavancadas — o limite máximo foi estabelecido em uma vez o patrimônio líquido. O Evergrande já tinha feito alta captação, teve que se adequar. Reduziu preços e comprometeu sua capacidade de honrar os bancos. O dilema é se o governo vai mesmo recuar na aplicação de suas próprias leis fiscais”, acentuou Velho.

Além dos ventos contrários vindos da China, lembrou o economista, o mercado convive com as dúvidas se os Estados Unidos vão retirar rapidamente os estímulos fiscais que mantêm a liquidez da economia norte-americana. Internamente, a incerteza vem da dificuldade que o governo brasileiro encontra para equilibrar as contas, e para fazer avançar as reformas administrativa e tributária e a PEC dos Precatórios.

Alex Agostini, economista-chefe da classificadora de risco Austin Rating, apontou para a possibilidade de reação em cadeia. O passivo de US$ 300 bilhões da Evergrande, disse, mexe com todo mercado de títulos do mercado chinês, maior financiador da dívida norte-americana, que afeta o mundo. “No Brasil, não foi diferente. Uma das principais quedas foi na Vale (as ações encerraram o pregão em queda de 3,19%). O minério de ferro exportado para a China representa quase 10% de nossa pauta, por isso, é relevante tudo que acontece por lá”, disse.

Para Agostini, a expectativa é de que a Evergrande tenha a ajuda do governo chinês. Segundo ele, não é possível enxergar o atual momento com as lentes da crise das subprimes, de 2008. “Essa foi nos EUA, com o mercado totalmente alavancado nas hipotecas. Agora, não é uma crise no sistema imobiliário chinês. É de uma empresa que tem raízes no setor, mas com investimentos em diversos outros, que está com insuficiência de caixa”, observou.

Iceberg

“No Brasil, se, por um lado, cai o preço do minério de ferro, por outro, o real se desvaloriza. Assim, a inflação começa a ceder nos índices de preços no atacado. Uma coisa vai acabar compensando a outra”, disse Agostini. Pedro Serra, gerente de Research da Ativa Investimentos, reforçou que não resta dúvida de que a expectativa sobre o comportamento do governo chinês foi o que alucinou os investidores. “Isso pode ser a ponta do iceberg. Um problema na Evergrande tem um efeito direto na demanda por aço. A especulação gera volatilidade. E já temos tradicionalmente a aversão ao risco quando se trata de mercados emergentes. Assim, o Brasil tende a sofrer mais com isso”. No entanto, analisando mais profundamente a situação, Serra sinaliza que “o momento é de cautela, e não de desespero”.

O economista Cesar Bergo, sócio-investidor da Corretora OpenInvest, enfatizou que o mercado espera que o governo chinês conduza a questão de maneira a produzir impacto menores, tais como transferindo obras inacabadas para outras construtoras e intermediando as negociações entre clientes, fornecedores e prestadores de serviço. “Embora algum respingo seja observado nas empresas que dependem em maior grau da economia chinesa, os impactos no mercado brasileiro não serão tão fortes. Parece que não está previsto o vencimento vultoso da dívida antes de 2022. Isso dará um fôlego maior para as negociações”, apontou.

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