Os recentes ruídos fiscais, a pressão inflacionária cada vez maior e a prévia do Produto Interno Bruto (PIB) mostrando desaceleração na economia elevaram as expectativas do mercado sobre a inflação e a taxa básica de juros (Selic). Na última semana, economistas de instituições financeiras se anteciparam ao avaliar que o Banco Central (BC) deverá acelerar o ritmo do reajuste da Selic em, pelo menos, 1% a partir da próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, agendada para esta semana.
As novas expectativas foram lançadas após a divulgação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no último dia 9, apontando que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de agosto atingiu o maior patamar para o mês em 21 anos, levando a inflação acumulada em 12 meses à beira dos 10%. No ano, ela chega a 5,67%.
Na avaliação de economistas ouvidos pelo BC, a média de aumento nos juros esperada para a próxima reunião do Copom chega a 1,25 ponto percentual. Atualmente, a meta da autarquia para a Selic é de 5,25% ao ano e, com o novo reajuste, poderá ficar entre 6,25% ou 6,5%. Os especialistas do mercado também elevaram a projeção do IPCA ao final do ano de 7,58% para 8%. A mediana para a taxa Selic no fim do ano, que estava em 7,63%, foi para 8%. Em algumas projeções menos conservadoras, bancos estimam que a taxa básica de juros chegará a 8,25% ainda este ano.
Na avaliação do Itaú, a expectativa de crescimento do PIB para este ano caiu de 5,7% para 5,3%, e a taxa Selic não deverá ser menor do que 8% até dezembro. Para 2022, trouxe estimativas mais pessimistas, de 9% para a taxa básica de juros e crescimento de apenas 0,5% no PIB. “Com a projeção de IPCA acima da meta no horizonte relevante para política monetária, o BC está correto, a nosso ver, ao indicar que a taxa de juros deve ser elevada para patamar restritivo”, afirma Julia Gottlieb, economista do Itaú BBA.
De acordo com Daniel Xavier, economista sênior do banco ABC, a evolução do quadro inflacionário se mostrou mais desfavorável do que o que havia sido antecipado pelo mercado, fora as “surpresas” com o IPCA. “A abertura qualitativa dos índices oficiais mais recentes segue mostrando taxas de núcleo inflacionário incompatíveis com as metas perseguidas pelo BC. Além disso, os índices mensais de difusão se mostram bastante acima de suas respectivas médias históricas. Neste contexto, não apenas as expectativas inflacionárias para 2021 subiram, como, também, as expectativas para 2022”, explica o economista.
Ainda segundo ele, a comunicação do BC tem sido bastante direta e clara “no sentido de manter o ritmo de ajuste previamente sinalizado, reiterando o compromisso com as metas centrais em 2022 e 2023”.
Autonomia
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem demonstrado esse compromisso do banco com o ritmo de ajustes de juros em declarações recentes. Uma dessas ocasiões foi em evento promovido pelo BTG Pactual Digital esta semana, quando ele reconheceu a discrepância entre as expectativas do BC e a inflação registrada, que “nunca foi tão grande em um curto período de tempo no país”. Economista do BTG Pactual Digital, Álvaro Frasson afirma que a postura de Campos Neto é um reflexo positivo da autonomia da autarquia, decretada pelo governo no último dia 9.
“Quando o banco é autônomo, tem maior independência para colocar os juros onde precisa colocar para cumprir sua função principal que é controlar a inflação. A nossa expectativa é de que o ajuste na Selic seja de 1% na próxima reunião, e que a taxa deva chegar até 8% no fim do ano”.
Projeções do BTG Pactual Digital, segundo Frasson, se equiparam à mediana do último relatório Focus, com variação sutilmente mais pessimista em alguns indicadores, como na projeção para o PIB de 2022, que no Focus é de alta de 1,7%. “Projetamos 8% de Selic este ano, e 8,5%, no final de 2022, porém com clima de alta. Para o PIB de 2022, 1,5%”.
Barulhos fiscais ainda ecoam
Em meio à alta da inflação e ao aumento da taxa de juros que está por vir, os barulhos fiscais também atingem diretamente o mercado financeiro e ecoam entre os investidores, destacam os especialistas. Na última semana, dois novos temas elevaram a preocupação fiscal com relação ao cumprimento da regra do teto de gastos. O primeiro deles foi a projeção do Ministério da Economia que elevou o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) para em 8,4% em 2021. O índice é utilizado para reajuste do salário mínimo que poderá aumentar de R$ 1.100 para R$ 1.192,40 no ano que vem. Se confirmado, o aumento será maior do que os atuais R$ 1.169 estimados pelo governo no Orçamento de 2022. O teto do INSS passaria dos atuais R$ 6.433,57 para R$ 6.973,99.
O segundo tema que gerou ruídos nos últimos dias foi o aumento temporário do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que permitirá o início do novo Bolsa Família (Auxílio Brasil), ainda este ano, aumentando de R$ 189 para R$ 300 o valor médio do benefício. A medida só garante recursos para o programa até dezembro.
O economista sênior do banco ABC Daniel Xavier explica que o aumento previsto no mínimo deverá ter um efeito, segundo as estimativas do ABC, da ordem de R$ 18 bilhões. “O espaço para o cumprimento da regra do teto de gastos em 2022 também deve ficar menor. A reação do mercado financeiro é na direção de ampliar o risco fiscal percebido à frente, com elevação dos juros longos e pressão de alta sobre a moeda brasileira”.
O aumento temporário no IOF, apesar de gerar ruídos, não representa risco fiscal, segundo o economista do BTG Pactual Digital Álvaro Frasson. Para ele, o que mais preocupa o mercado ainda é a questão dos precatórios, uma vez que a medida paliativa do governo, ao aumentar o IOF este ano, não financiará o programa de renda mínima para o ano que vem. “Não financia o aumento que o governo quer dar, nem o número de famílias que o governo quer alcançar. O que continua no nosso radar é como será resolvida a questão dos precatórios, esse sim é o grande entrave para o teto de gastos para o ano que vem”.
A PEC dos precatórios citada por Frasson teve a admissibilidade aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), na última quinta-feira, e deverá ser apreciada em breve pelo plenário da Câmara dos Deputados. De acordo com o economista, existem alternativas melhores do que a PEC para bancar o Bolsa Família nos novos moldes. “Poderiam, por exemplo, retirar do teto de gastos apenas o que é o precatório pago para o Fundef, só aí aliviaria R$ 16 bilhões da regra do teto”, pontua.
Juliana Gotlieb explica que qualquer medida que acarrete em uma flexibilização adicional do regime fiscal do teto de gastos impacta a já “frágil sustentabilidade fiscal brasileira”. Segundo ela, recentemente, apesar da melhora esperada no deficit primário, os riscos em torno da manutenção da disciplina fiscal aumentaram. “Se materializados, trariam efeitos negativos para a economia. Com esse quadro, estamos sujeitos a maiores créditos extraordinários não sujeitos ao teto de gastos, a uma dívida pública maior e ao risco de alta mais intensa do prêmio de risco e dos juros, impactando negativamente o crescimento”, alerta.
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