Inflação, crises energética e política, desemprego, alta dos juros, real desvalorizado ante ao dólar e falta de componentes importados que ajudam a interromper a produção estão afastando o cidadão comum, com salário médio de R$ 2 mil por mês, da compra de um carro zero-quilômetro, simples, sem qualquer acessório, que, atualmente, custa em torno de R$ 50 mil. Quem pensa no seminovo ou no usado, também, pode se deparar com o preço mais salgado do que esperava.
O processo de avanço nos custos retroalimenta-se. Com menos carros novos nos pátios das montadoras e das revendedoras, a demanda se desloca para seminovos ou usados devido à espera maior para a entrega por conta da falta de peças. Então, os preços sobem e os prazos de financiamento diminuem. Segundo especialistas, há muito tempo, não existe mais o carro popular na praça, com preços entre R$ 25 mil e R$ 30 mil.
“Consequência do aumento do custo de vida. A inflação alta faz o Banco Central elevar os juros. As taxas do Crédito Direto ao Consumidor (CDC), que responde por 50% do financiamento de veículos, estão em 22% ao ano e a previsão é de que cheguem a 26% até o fim de 2021, com o aumento da taxa básica da economia (Selic)”, explica Luiz Carlos Moraes, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes dos Veículos Automotores (Anfavea). Para se ter uma ideia do impacto no bolso do trabalhador, segundo Moraes, nos últimos 12 meses encerrados em julho, o preço dos carros novos subiu 8,3%. Nos seminovos, a alta chegou a 17,4%. Entre 2011 e 2017, último dado disponível, os preços dos veículos usados subiram, em média, 20% ao ano.
Entre os vilões do alto custo para as montadoras estão os dispositivos importados que, com a pandemia, tiveram a produção reduzida, principalmente, os semicondutores — chips ou cristais de silício, usados em circuitos eletrônicos —, com alta de 45%, no acumulado em 12 meses até julho. Os altos preços de carros novos também foram influenciados por outros produtos, como resinas e elastômeros, com avanço, no mesmo período, de 109,8%, siderurgia (de 84,5%, principalmente o aço), plástico (de 43,3%) e borracha (de 16,9%). Assim, comprar um automóvel novo, hoje, está bem mais difícil para a classe média.
O último resultado da Anfavea aponta que os utilitários leves — os SUVs, de porte avantajado e interior espaçoso — são responsáveis por 40% dos emplacamentos. As revistas especializadas os chamam de um veículo que está “entre o carro e o caminhão” — tem modelos entre R$ 70 mil e R$ 160 mil. Para quem tem poucos recursos, a saída, no momento, segundo o presidente da Anfavea, “é alugar por dia, para viagens, ou por prazo mais longo”.
“O custo realmente nos preocupa. A queda na produção dos novos tem sérias consequências para o consumidor. Estimamos que uma possível volta ‘à normalidade’ só deve acontecer no segundo trimestre de 2022, se tivermos, até lá, um ambiente político e econômico sereno”, diz Moraes.
Para a estudante Rayssa Andrade, 20 anos, o carro próprio é sinônimo de melhoria na qualidade de vida. “Me ajudaria na ida ao trabalho, principalmente. Antes, eu morava perto do local do estágio, mas mudei de endereço e, agora, demoro muito mais tempo para chegar, porque tenho que esperar o ônibus. Às vezes, o horário até bate com o da aula”, afirma.
Apesar dos preços exorbitantes e créditos escassos, Rayssa tem poupado para realizar o sonho de comprar um veículo e garantir uma mobilidade maior. “Ainda não dei entrada no meu carro, mas busco economizar uma parte do meu salário”, destaca. Com o mesmo sonho de Rayssa, a enfermeira Rafaela Dias, 24, tenta comprar um veículo há três anos. “Desde a faculdade, eu sentia necessidade de ter meu carro, porque já cheguei a ficar quatro horas dentro do ônibus. Mas, com o meu salário, não conseguia”, afirma.
Rafaela chegou a tentar um financiamento, mas não teve acesso a um crédito com taxas dentro do orçamento pessoal. “Pensei que conseguiria dar uma entrada com um dinheiro que tinha guardado e pagar as parcelas com a bolsa do meu estágio. Quando fui atrás, vi que, mesmo parcelado em muitas vezes, o valor ficava muito alto, então, desisti”, comenta a estudante. Depois de formada, a enfermeira continua buscando sonho. “Agora, já tenho um salário melhor. Com a pandemia, precisei adiar um pouco esse sonho. Mas não deixei de economizar e espero um dia conseguir”, complementa.
* Estagiária sob a supervisão de Rosana Hessel
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Locadoras rindo à toa
O impacto da pandemia não barrou totalmente a crescente expansão do setor de locação de veículos, em constante crescimento desde 2017. Nos primeiros meses da crise sanitária provocada pela covid-19 em 2020, o setor conseguiu ultrapassar a marca de 1 milhão de veículos, quebrando seu próprio recorde.
No ano passado, as locadoras compraram 360.567 automóveis e comerciais leves, totalizando uma frota de 1,007 milhão de veículos. Esse dado está acima do recorde anterior, de 2019, quando a soma de carros para locação no Brasil era de 997.416 unidades. O faturamento bruto anual do setor ficou em R$ 17,6 bilhões e o líquido, em R$ 15,3 bilhões, segundo a Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla).
A modalidade de aluguel que mais cresceu na pandemia foi a de longa duração para pessoas físicas (de 12 meses a 36 meses). Ficou conhecida como “carro por assinatura”, e chegou a 8% da frota total das locadoras (o equivalente a mais de 80 mil carros alugados por meio desse tipo de contrato). “O momento atual, no qual mais pessoas preferem evitar transportes coletivos, acelerou a demanda”, avalia o presidente da Abla, Paulo Miguel Júnior. A oferta é variada. Podem ser alugados desde os modelos mais básicos, os chamados veículos de entrada, até os mais equipados e luxuosos.
O aluguel de carros para viagens também está crescendo. Quem deixar para alugar um carro em cima da hora para os próximos feriados de 12 de outubro e 2 de novembro pode ficar sem veículo. Com a flexibilização das medidas de isolamento social, mesmo com a pandemia ainda em curso, a demanda por locação, de acordo com a Abla, nos dois próximos feriados, terá aumento de 20% em relação às mesmas datas do ano passado. A orientação do executivo é para as pessoas se programarem.
“Em primeiro lugar, faça a reserva do veículo de sua preferência o quanto antes. É importante checar se a Carteira Nacional de Habilitação está em dia e é válida, e observar que, na maioria das vezes, a locadora oferece descontos progressivos. Quanto maior o período de locação, menores ficam as tarifas diárias cobradas”. Outra orientação importante é que a opção de pagar com o cartão de crédito facilita a aprovação do cadastro e o atendimento. “Vale lembrar que alugar um modelo popular custa o equivalente a uma corrida de táxi de aeroportos mais afastados até as regiões centrais das cidades”, aconselha Paulo Miguel Júnior.
Recorde
A Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) também comemora. Com o expressivo volume de 1,439 milhão de unidades comercializadas em agosto, as vendas de usados chegaram a 10,234 milhões de unidades, no acumulado do ano, um crescimento de 48,2% sobre igual período de 2020 — automóveis, comerciais leves, pesados e motocicletas, de acordo com a entidade.
“A baixa disponibilidade de veículos novos segue como o grande desafio do setor da distribuição automotiva, e a oferta de usados surge como alternativa para suprir esse mercado”, avalia o presidente da Fenabrave, Alarico Assumpção Júnior. Desde 2004, início da série histórica, nunca o setor havia superado a barreira de seis veículos leves usados vendidos a cada novo emplacado em um mês. “Neste ano, chegamos a uma proporção de 6,5, em julho, e atingimos 6,8, em agosto”, destaca Assumpção Júnior. (VB e GB)