CONJUNTURA

Indústria perde o ritmo e terá dificuldades para se recuperar

Dificuldade de manter cadeias de suprimentos explica parte da retração do setor, que sofre, ainda, com a elevação dos custos de energia e a piora das condições financeiras. Para analistas, recuperação vai demorar

Rosana Hessel
Fernanda Strickland
postado em 03/09/2021 06:00
 (crédito: Nissan/divulgaçao)
(crédito: Nissan/divulgaçao)

A indústria brasileira perdeu ritmo e não deve se recuperar tão cedo, de acordo com analistas. Dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que o setor encolheu 1,3% em julho, na série com ajuste sazonal. A queda foi a pior para o mês desde 2015 e maior do que a esperada pelo mercado, de 0,8%.

Apesar de acumular alta de 11% no ano, o setor está em patamar 2,1% abaixo do nível pré-pandemia, de fevereiro de 2020. As grandes categorias, de bens duráveis e de semiduráveis e não duráveis, estão, respectivamente, 18,2% e 7,1% distantes dos níveis anteriores à chegada da covid-19 no país. Já o setor de bens de capital está 16,4% acima do patamar pré-crise, após crescer 0,3% em julho, mas desacelerou em relação a junho, quando havia disparado 33,1%.

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O resultado pior do que o esperado confirma as estimativas mais pessimistas para o terceiro trimestre — que começa com a indústria sem forças para ajudar o Produto Interno Bruto (PIB) a ter um resultado positivo, após a queda de 0,1% no segundo trimestre na comparação com os três meses anteriores. A indústria, aliás, teve contribuição relevante para esse resultado, pois recuou 0,2%, na mesma base de comparação.

“A indústria, principalmente o segmento de bens duráveis, como automóveis e eletrodomésticos, vai ter dificuldades para se recuperar, porque há muitos gargalos para o setor produtivo, como a falta de peças e componentes, que é um problema no mundo inteiro e só deverá se normalizar em 2022”, destacou a economista Marina Garrido, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Segundo a economista, os dados corroboram as estimativas do Ibre de queda de 0,1% no PIB do terceiro trimestre, o que sinaliza um cenário recessivo em formação. “A tendência é continuarmos revisando para baixo”, disse. Logo após o resultado do PIB de quarta-feira, o Ibre reduziu de 5,2% para 4,9% a estimativa de expansão do PIB neste ano, e de 1,6% para 1,5% a previsão de alta em 2022.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, reforça a tendência de um PIB mais baixo neste ano. “A queda na produção industrial de julho dá o tom para um terceiro trimestre fraco, de fato. Neste ano, o crescimento está caminhando para ficar abaixo de 5%”, avaliou. Vale prevê altas de 4,7%, no PIB de 2021, e de 1,4%, no ano que vem, mas afirma que “o viés é de baixa”.

Conforme os dados do IBGE, dos sete meses já decorridos de 2021, cinco foram negativos, e a indústria da transformação acumula dois trimestres no vermelho. Para Marina Garrido, o setor é o que deverá enfrentar mais dificuldades daqui para frente. “Há muitos riscos que devem atrapalhar a indústria além do gargalo dos componentes, como a alta do custo da energia, que encarece custo de produção”, alertou.

“Há, ainda, outros riscos, como as condições financeiras, que estão piorando, e a diminuição da demanda interna devido ao desemprego elevado e ao endividamento das famílias”, complementou.

Problemas

Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos, lembrou que a queda de 2,7% na produção de bens duráveis foi determinante para o resultado do setor em julho. “Isso é, basicamente, consequência do problema na cadeia de suprimentos, como semicondutores. Além disso, o IBGE corrobora com a pesquisa sobre produtividade da CNI (Confederação Nacional da Indústria), que aponta queda de 1,6% no segundo trimestre de 2021 comparativamente ao trimestre anterior”.

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BC deve intensificar elevação dos juros

Mesmo com queda no Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre, o Banco Central deverá pesar a mão sobre a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 5,25% ao ano. As apostas são de uma nova alta de mais de 1 ponto percentual na Selic, na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) dos dias 21 e 22 deste mês.

As previsões para a Selic no fim do ano seguem em alta, assim como as da inflação, diante do aumento das incertezas. Na última reunião do Copom, o BC já sinalizou que elevaria os juros acima do patamar neutro, ou seja, entre 6,5% e 7%, o que significaria um freio adicional na retomada da economia, algo que deverá atrapalhar os planos de reeleição do presidente Jair Bolsonaro.

“A Selic em 8,5% vai ser piso para o Banco Central conseguir colocar a inflação no centro da meta em 2022”, alertou o economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, Eduardo Velho. Segundo ele, as pressões inflacionárias não devem ceder, especialmente, após o reajuste de 50% na bandeira tarifária da conta de luz devido à crise energética.

Conforme dados do boletim Focus, do Banco Central, a mediana das estimativas do mercado para a Selic no fim do ano é de 7,50% e, para o IPCA, de 7,27%. Essa taxa está bem acima do teto da meta de inflação, de 5,25%.

“Mesmo se a Selic for para 9%, a inflação do ano que vem ficará em 4,43%”, destacou. O teto da meta de inflação é decrescente, e, em 2022, passará para 5%. Pelas projeções de Velho, nas próximas semanas, a mediana das estimativas do mercado para a taxa Selic deverá aumentar para a faixa de 8,5% a 9%.

Velho não descarta o risco de a inflação romper o teto da meta por dois anos seguidos. Isso porque a pressão inflacionária deve se estender no ano que vem, quando os preços administrados forem reajustados pelo Índice Geral de Preços (IGPs) deste ano, que tem ficado acima de 30% no acumulado em 12 meses. “O consumidor pode esperar novos aumentos na conta de luz, por exemplo, ao longo de 2022”, alertou.

Na avaliação do economista Simão David Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP), o país caminha para o pior dos mundos na teoria econômica, o de estagflação — quando não há crescimento e a inflação é elevada — , algo já vivido na década de 1970. “Isso é um sinal de desarranjos econômicos estruturais e não vai ocorrer por acidente. O que aconteceu foi o seguinte: a Lei de Murphy funcionou. Muita coisa deu errado. Teve pandemia. Teve o governo errado. São Pedro não ajudou. O Brasil foi mal administrado e o câmbio ficou mais alto do que devia. O Brasil já não ia bem, e não ir bem agora não é uma grande surpresa”, explicou.

Pudim azedo
Analistas lembram que, apesar desse cenário pouco animador para a economia e para um governo que quer se reeleger em 2022, o Banco Central, agora, vai ter que mostrar que é realmente independente. “O BC vai ter que fazer aquilo que lhe compete, que é controlar a inflação, ainda mais depois que ganhou a autonomia. Vai ter que fazer a prova do pudim. E tem que provar um pudim azedo”, resumiu Silber. (RH)

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