Diante da dificuldade para encontrar uma saída para o problema dos precatórios — dívidas judiciais da União — e, assim, conseguir fechar o Orçamento de 2022 ainda hoje, o ministro da Economia, Paulo Guedes, passou a apostar em uma solução costurada entre o Legislativo e o Judiciário por meio de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Essa medida é uma alternativa à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que adia o pagamento dessa dívida por 10 anos — muito mal recebida pelo mercado —, mas também apresenta problemas, de acordo com especialistas.
“É uma solução inteligente e possível”, afirmou, ontem, o presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), após reunião com o ministro Paulo Guedes. Para o senador, resolver o impasse dos precatórios e, assim, abrir espaço no Orçamento para ampliar o Bolsa Família são tarefas “complementares”. Pacheco contou que marcaria uma reunião com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, que também preside o CNJ, junto com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a fim de encontrar uma solução para os precatórios. O encontro foi agendado para hoje, às 9h45.
Hoje é o último dia para o governo enviar ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2022. Sem uma solução para os precatórios, precisará lançar integralmente os R$ 89,1 bilhões previstos para essa despesa no ano que vem, acima da previsão inicial de R$ 57,8 bilhões. Nesse cenário, não haveria espaço para bancar o novo Bolsa Família nem o reajuste dos servidores, promessas anunciadas pelo presidente Bolsonaro.
A proposta que será analisada hoje por Pacheco, Fux e Lira foi feita pelo vice-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas. O desenho prevê um limite de R$ 39,8 bilhões para os precatórios que seriam pagos neste ano, deixando a maior parte, R$ 49,3 bilhões, para 2023. Guedes elogiou a solução via CNJ e demonstrou confiança para conseguir avançar nessa saída – tanto que o Orçamento de 2022 não está totalmente fechado. Ainda não há previsão, na pasta, para a entrega física da peça orçamentária no Congresso, como ocorre tradicionalmente.
“Achamos essa proposta eficaz e vemos com muita satisfação essa retomada da pauta econômica (com o Congresso)", disse o ministro, ao lado do senador, ressaltando que o problema dos precatórios não afeta apenas o novo benefício prometido por Bolsonaro.
“O problema do precatório não é ligado apenas ao Bolsa Família, mas à previsibilidade e à exequibilidade do Orçamento público”, acrescentou Guedes. Ele aprova a solução apontada por meio do CNJ e fora da Constituição para conseguir preservar a regra do teto de gastos -- emenda constitucional que limita o aumento de despesa à inflação do ano anterior.
Judicialização
Contudo, essa solução tem problemas, de acordo com o presidente da Comissão Especial de Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Eduardo Gouvêa. Além de adiar o pagamento de dívidas que não cabem recursos, o que é inconstitucional, há dificuldades com o limite de R$ 39,8 bilhões para os precatórios de 2022. Esse montante é maior do que o espaço extra de R$ 35,5 bilhões no limite do teto de gastos se a PEC das pedaladas for aprovada, conforme dados da Economia.
“Se essa proposta for aprovada, o efeito na dívida será pior do que o da PEC dos precatórios”, alertou Gouvêa. Por conta das multas e dos juros sobre os valores parcelados por meio da PEC, o especialista estima que a dívida poderá ultrapassar R$ 1 trilhão em uma década.
O representante da OAB contou que a proposta também precisará passar pelo fórum técnico do CNJ sobre o tema, o Fonaprec. “Até agora, não fomos consultados”, lamentou o advogado, que é membro do órgão. Além disso, ele alertou para o fato de que essa solução do CNJ vai interferir na independência do Poder Judiciário em vez de atacar a raiz do problema dos precatórios, que provoca tantos processos contra a União na Justiça.
Apesar de elogiar a iniciativa do ministro Bruno Dantas em buscar uma alternativa à PEC dos precatórios, o especialista em contas públicas Leonardo Ribeiro, economista do Senado Federal, disse que esse adiamento da maior parte dessa despesa obrigatória, criando uma espécie de subteto, “pode gerar um ajuste fiscal muito perigoso”. Segundo ele, um governo ideológico pode entrar em uma estratégia de não pagar, contando com a judicialização de que teria um subteto. “Isso é muito perigoso para uma democracia”, alertou.
Para Ribeiro, o melhor caminho de uma solução para os precatórios é o Legislativo, porque seria possível tirar parte dos precatórios do teto de gastos. “Assim, evitaria que o resultado fiscal do governo ficasse distorcido”, disse. “Mas o governo inviabilizou politicamente essa saída ao enviar a PEC dos precatórios. Para que essa solução ocorra, seria preciso uma outra PEC”, completou o economista, que elogiou as propostas da OAB.