Termina terça-feira (31/8) o prazo para que o ministro da Economia, Paulo Guedes, envie ao Congresso o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2022. A expectativa em torno do que será encaminhado é grande, devido à falta de espaço para os novos gastos prometidos pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que tentará a reeleição, e à guerra por recursos que será travada tanto dentro do governo quanto no Legislativo.
Com a popularidade em queda, Bolsonaro aposta em medidas como o novo Bolsa Família e o reajuste de servidores civis para reduzir a rejeição da população, que sofre com desemprego recorde e aumentos sucessivos nos preços dos alimentos, da conta de luz, do gás e da gasolina. A equipe econômica, entretanto, ainda não apontou as fontes de recursos desses novos gastos, como exige a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
A disputa por recursos não será apenas entre os ministérios, mas envolve também questões como o pagamento dos precatórios — dívidas judiciais da União — e as emendas parlamentares, que somaram R$ 35,5 bilhões no Orçamento deste ano, o equivalente a um Bolsa Família. Desse montante, cerca de R$ 20 bilhões serão as polêmicas emendas do relator-geral, que devem ser corrigidas pela inflação e foram preservadas por Bolsonaro na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do próximo ano.
O especialista em contas públicas Fabio Klein, da Tendências Consultoria, vê com muita preocupação a manutenção das emendas do relator-geral na LDO, porque vai repetir os problemas do Orçamento deste ano. “O volume é muito elevado e não tem transparência na distribuição”, alerta.
Além das promessas de Bolsonaro de um Bolsa Família turbinado, medidas recentemente aprovadas pelo Congresso, como o novo Refis, e até mesmo o Fundo Eleitoral de R$ 5,7 bilhões, cujo veto ainda pode ser derrubado integral ou parcialmente, não cabem dentro do teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior. Elas devem somar mais de R$ 75 bilhões, pelo menos, tornando a tarefa de fechar as contas um grande desafio.
O governo vinha apostando numa folga do teto gerada pelo avanço do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que acumulou alta de 8,35% em 12 meses, até junho. Mas essa margem extra, que já chegou a cerca de R$ 50 bilhões no início do ano, ficará bem abaixo de R$ 20 bilhões, correndo o risco até ser nula se o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que corrige cerca de 70% das despesas obrigatórias, superar o indicador que corrige o limite do teto.
“Se a inflação continuar forte ao longo do segundo semestre, essa folga poderá ser zerada no fim do ano”, alerta a especialista em contas públicas Juliana Damasceno, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ela reconhece o mérito de um programa social mais robusto, a fim de reduzir a desigualdade de renda no país, mas lembra que o governo está com dificuldade de encontrar fonte de receita para essa nova despesa.
Distorções
Cortar subsídios, que vem sendo uma das soluções apontadas pela equipe econômica, é bastante complexo, principalmente, porque os maiores gastos tributários dificilmente serão reduzidos, como os do Simples Nacional e os da Zona Franca de Manaus. Outros, como as isenções às entidades sem fins lucrativos, tiveram até aumento, quando Bolsonaro perdoou as dívidas de igrejas a fim de preservar a base de apoio dos evangélicos.
“Há renúncias em que o governo não pode mexer, porque estão protegidas, e outras que, se suprimidas, podem levar à falência várias empresas. Corrigir essas distorções será difícil, porque não há transparência nesses gastos e nem uma avaliação do impacto econômico dos incentivos”, destaca a pesquisadora do Ibre. Para ela, haverá demora na tramitação do Ploa, cuja aprovação poderá ficar para o ano que vem, como já ocorreu com a peça orçamentária deste ano.
Os ministérios já enviaram as previsões orçamentárias para a Economia, mas evitam comentar o assunto antes da divulgação do Ploa. A Saúde, por exemplo, tem uma estimativa de despesa de R$ 134 bilhões para o ano que vem — dado 25,7% menor do que o autorizado em 2021: R$ 180,5 bilhões. Uma das dúvidas dos analistas da pasta é se os gastos com vacinação continuarão fora do teto, devido à ameaça da variante Delta do novo coronavírus.
PEC das pedaladas é empecilho
O grande problema do Orçamento de 2022 envolve a questão dos precatórios, cuja previsão saltou de R$ 54,7 bilhões, em 2021, para R$ 89,1 bilhões, em 2022, consumindo toda a margem extra do teto que o governo estava prevendo para novas despesas. Apesar de serem processos antigos, que deviam estar previstos na programação de riscos fiscais, o ministro Paulo Guedes insiste em afirmar que foi surpreendido por um “meteoro”. E a solução anunciada por ele só aumentou a desconfiança. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de parcelamento dos precatórios por 10 anos foi chamada “PEC das pedaladas” por ir na contramão das regras fiscais e da Constituição e, de quebra, acabar com a regra de ouro — que proíbe o governo de se endividar para pagar despesas correntes, como salários e aposentadorias, sem a autorização do Congresso.
“A PEC das pedaladas causou má impressão no mercado. O governo está trabalhando em um remédio para abrir espaço no Orçamento que pode virar veneno e matar o paciente. A vaca e todo o gado podem ir para o brejo”, alerta Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas. “O governo tenta calibrar o Orçamento com medidas que podem surtir efeito do ponto de vista eleitoral, mas caminham para a irresponsabilidade fiscal e para o populismo”, acrescenta.
Em busca de solução
De acordo com analistas, será muito difícil que os parlamentares defendam a PEC, principalmente aqueles que buscarão o voto dos eleitores em 2022. Na avaliação de Leonardo Ribeiro, economista do Senado, a solução fora da Constituição que está sendo buscada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), elaborada pelo ministro Bruno Dantas, vice-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), pode ser um bom caminho.
A minuta da proposta, já encaminhada por Dantas ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, limita a R$ 39,8 bilhões o pagamento de precatórios no próximo ano, o que daria uma folga de R$ 49,3 bilhões no Orçamento. O restante teria prioridade de pagamento no Orçamento de 2023. “Os tribunais não requisitarão novos precatórios quando o teto for atingido. Só no ano seguinte”, explica Dantas.
Mas, enquanto não houver uma solução para o problema dos precatórios, não haverá espaço algum para novas despesas em 2022, porque o governo precisará incluir na proposta orçamentária a previsão integral das dívidas judiciais.