O mercado financeiro de investimentos tem operado com cautela frente aos resultados negativos no mercado externo e aos ruídos sobre riscos políticos e fiscais em Brasília. Apesar de ter fechado a última semana em alta de 0,76%, a 118.052 pontos, o Ibovespa encerrou com perda acumulada de 2,5%. O volume financeiro de R$ 21,93 bilhões nas ações do índice demonstra estabilidade, mas o recuo na variação, que voltou ao percentual registrado há quatro meses, reflete a preocupação dos investidores.
Eduardo Voglino, analista de ações credenciado à Associação dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais (Apimec), explica que, acima de qualquer preocupação, as quedas no cenário financeiro podem ser encaradas pelos investidores como oportunidades. “Em momentos de queda é justamente quando surgem oportunidades extraordinárias, que não duram muito tempo. Basta lembrar o que aconteceu na chegada do coronavírus, em março de 2020. Excelentes empresas negociavam a preços descontadíssimos. Para se ter uma ideia, as BDRs do Google (GOOG34) negociavam a R$ 36. Hoje, as mesmas BDRs negociam a R$ 95”, exemplifica.
Até 7 de junho, o Ibovespa acumulava ganhos de 9,88% em 2021, com recorde histórico de 130.776 pontos. O principal propulsor para o aumento foi o crescimento do PIB no primeiro trimestre, muito acima das expectativas. Com a queda de aproximadamente 9% nas últimas semanas, o índice volta para o patamar registrado em maio deste ano.
Para Voglino, a melhor opção para quem tem investimento em ações, nesse momento, é aguentar a pressão e permanecer com os papéis na carteira, mesmo negativos, em troca de obter lucro no longo prazo. “As turbulências são uma característica intrínseca à Bolsa. Essa queda é de origem macroeconômica, e tomar decisões de investimento com base em previsões macroeconômicas aumenta as chances de perder muito dinheiro”, alerta.
Ida para a fixa
Com o movimento de elevação dos juros no Brasil, o economista Adriano Rondelli, da Valor Investimentos, explica que a tendência é que os investidores, pelo menos iniciantes, saiam da renda variável para a fixa. “No ano passado, com os juros em baixa, observamos uma migração da renda fiz para a Bolsa, agora isso reverteu. O investidor iniciante tende a alocar em renda fixa e as carteiras de investimentos de todo o mundo voltam a ter percentual significativo de parcelas de renda fixa”, explica Rondelli.
José Lúcio Nascimento, diretor de produtos do BTG Pactual Digital, explica que outro ponto importante para os investidores, em momentos de turbulência no mercado financeiro, é a diversificação da carteira de investimentos em ativos. “Quanto mais diversificada a carteira, melhor. Com posições nos mais diversos ativos e de acordo com o nível de propensão ao risco, o investidor pode entender se terá mais percentual em renda fixa ou em renda variável, se deve investir em ativos ou colocar em fundos”, explica.
Segundo Nascimento, o cenário de incertezas no mercado financeiro, especialmente no Brasil, é generalizado; natural, devido ao processo de normalização dos juros; e pontual. “Seja na Bolsa, em títulos do tesouro ou de fundos da previdência, é generalizado. A gente está subindo juros e é natural (a instabilidade) devido a normalização desses juros. Em 2022, a inflação tende a voltar ao normal”, ressalta.
Até o ano passado, a Taxa Básica de Juros, a Selic, fechava em 2%. Após vários reajustes do Comitê de Política Monetária (Copom), hoje está em 5,25% e a expectativa de especialistas é de que os juros cheguem entre 7,5% e 8% em 2021. Para o diretor do BTG, o aumento dos juros e o retorno normal das atividades econômicas devido ao avanço das campanhas de vacinação, resolverão a questão do “descasamento” de oferta e demanda, que também tem inchado a inflação. A normalização de preços de commodities também deverá amenizar, segundo ele, os problemas enfrentados na cadeia produtiva de vários setores do país.
“Está todo mundo demandando ao mesmo tempo, enquanto a oferta das coisas não consegue acompanhar”, diz Nascimento. Para o diretor do BTG, o atual cenário gera uma tendência de migração para investimentos em renda fixa. “A posição da renda fixa estará mais alta do que nos últimos 12 meses”, afirma Nascimento.
Ainda segundo o economista, o Brasil tem sentido mais o peso da inflação, por ser mais fechado comercialmente. “A gente acaba sendo mais afetado por essa quebra de cadeia produtiva lá fora, que desequilibra a oferta e a demanda, e acarreta em mais inflação de alimentos e de várias commodities agrícolas e metálicas, por exemplo”, diz Nascimento.
Reforma tributária
Especialistas do mercado financeiro apontam que, além do cenário macroeconômico, os ruídos domésticos sobre riscos políticos e fiscais no país também têm colocado o mercado brasileiro em baixa. A dificuldade para aprovação da reforma tributária e o “flerte” do governo com o rompimento do teto de gastos para bancar programas sociais são alguns dos fatores que têm preocupado o cenário externo. “A razão para esse cenário não é única, mas a primeira é o risco fiscal”, diz o economista Rondelli.
Na última quinta, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que “ruídos envolvendo questões domésticas” têm jogado para baixo as expectativas das projeções para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), para 2022. Ele admitiu que o aumento persistente da inflação surpreendeu, e afirmou que a questão tem sido acompanhada pelo BC.
A afirmação de Campos Neto demonstra o esforço do BC para “apagar o incêndio” enquanto o governo tenta manter aceso, segundo José Nascimento. “Acho válida a discussão sobre novos programas propostos, desde que caiba no orçamento, e esteja dentro do teto”, referia-se ao novo Bolsa Família, previsto para outubro. O secretário especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Bruno Funchal, informou, na semana passada, que o plano do governo de reajustar 50% no benefício ou aumentar o número de beneficiados para 17 milhões, custará entre R$ 26 bilhões a R$ 28 bilhões a mais em 2022.
Além das questões políticas e fiscais, a má imagem do país com relação às questões ambientais pode ser o maior desafio para a nação, nesse momento, segundo Herbert Steinberg, fundador da Mesa Corporate Governance. Ele explica que, ao mesmo tempo que existe liquidez de sobra para os países investirem, existe uma movimentação de retaliação mundial com o Brasil.
“Lá fora está sobrando dinheiro, (os países) não têm onde investir, e não querem e não podem investir no Brasil, por conta da questão ambiental. Em Londres, Nova York, centros secundários da Europa e da Ásia, o país está de mal a pior e sofre descriminação, não só devido às ambiguidades no cenário político e à percepção de risco, mas a essa imagem, seja verdadeira ou não, de que não observa os temas sobre meio ambiente”, explica Herbert, que já foi consultor de gigantes como Santander, Citibank e McDonald’s.