A desconfiança no governo está aumentando de forma generalizada, devido à inflação crescente e incapacidade do Executivo de equilibrar as contas públicas, que estão no vermelho desde 2014. O quadro que está se formando para 2022 não é nada animador, porque, enquanto o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se preocupa com a reeleição, o fiscal fica cada vez mais frouxo. Logo, restará ao Banco Central a missão de segurar o processo inflacionário, ou seja, os juros não vão parar de subir, o que ajudará frear o crescimento do país no ano que vem.
Esse foi o cenário traçado por 42 analistas em reunião trimestral prévia à divulgação do Relatório de Inflação, realizada ontem entre diretores do Banco Central e um primeiro grupo de economistas convidados. Participaram do encontro os diretores do BC Fabio Kanczuk (Política Econômica), Bruno Serra (Política Monetária) e Fernanda Guardado (Assuntos Internacionais). Os outros dois grupos serão ouvidos hoje.
Pelas contas dos analistas, o Produto Interno Bruto (PIB) não deverá crescer mais do que 2% em 2022. Algumas previsões ficaram abaixo de 1,5%. Enquanto isso, as projeções para a inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), estão cada vez mais próximas do teto da meta do ano que vem, de 5%. Com isso, as estimativas para a taxa básica de juros (Selic) variam entre 7,5% e 8% ao ano.
Na avaliação dos especialistas, medidas como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que parcela em até 10 anos o pagamento de precatórios acima de R$ 66 milhões, para abrir espaço orçamentário ao programa Avança Brasil, devem piorar o cenário fiscal. A PEC, defendida com afinco pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, segundo especialistas em contas públicas, além de gerar insegurança jurídica, vai na contramão da austeridade fiscal, porque burla o teto de gastos (que limita as despesas pela inflação do ano anterior) e altera a regra de ouro (que proíbe o governo de emitir dívida para pagar despesas correntes, como salário e aposentadorias).
Não à toa, o humor dos mercados nos últimos dias azedou e isso tem ajudado a derrubar a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) e a elevar os juros dos títulos públicos de médio e longo prazos para mais dois dígitos. Os prefixados com vencimento em 2026, por exemplo, já pagam 10,07% ao ano. Ontem, a B3 fechou com queda de 1,07%, para 116.642 pontos, distante do recorde de quase 131 mil de junho. Enquanto isso, o dólar não para de subir. Fechou o dia cotado a R$ 5,375, com alta de 1,99%.
Contas públicas
O clima da reunião com os diretores do BC foi de pessimismo. “Em linhas gerais, quem falou estava bastante preocupado com o cenário inflacionário de 2022. Mas a maior preocupação foi com o quadro fiscal, porque o governo tem anunciado medidas com teor populista, como a PEC dos Precatórios e a ampliação do Bolsa Família, que vão no sentido de piorar as contas públicas”, disse um economista. “Os diretores do BC falam pouco nessas reuniões e procuram mais ouvir. Houve uma divisão em torno da inflação, mas a maioria estava bastante pessimista em relação ao PIB de 2022”, contou uma economista que também estava na reunião.
A maioria demonstrou preocupação com o nível de juros, mas todos se mostraram preocupados também com o dólar, com o risco fiscal e as eleições. Além disso, a avaliação é de que o BC também será pressionado a subir os juros porque os Estados Unidos já colocaram a alta das taxas americanas no radar do mercado, com a divulgação, ontem, da ata da última reunião do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano). “Foi uma visão mais pessimista em relação aos juros finais”, disse o economista de um banco.
Em meio ao turbilhão de desconfiança no governo Bolsonaro, a consultoria norte-americana Eurasia rebaixou, ontem, as perspectivas para o Brasil. “Preocupações renovadas com a política fiscal e a inflação persistente estão minando as perspectivas de crescimento econômico para 2022 com impactos políticos, levando a um rebaixamento da trajetória de longo prazo do Brasil de neutra para negativa”, destacou relatório da instituição.