Conjuntura

Acesso à educação avançou, mas conquistas podem diminuir após a pandemia

Levantamento sobre mobilidade educacional de gerações nascidas entre as décadas de 1920 e 1980 mostra que os filhos conseguiram ter mais instrução do que os pais. Contudo, devido à pandemia da covid-19, esse quadro evolutivo poderá regredir

O Brasil evoluiu historicamente em termos de mobilidade educacional, com avanço progressivo da escolaridade da população ao longo das últimas décadas, como mostra um estudo inédito feito pelo Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), coordenado pelo economista Paulo Tafner, diretor-presidente da entidade. Ele alerta para os riscos de um retrocesso dos ganhos conquistados, devido à pandemia da covid-19.

O levantamento recém-concluído, de 139 páginas, faz uma análise comparativa da evolução da escolaridade geracional dos brasileiros nascidos a partir das décadas de 1920 a 1980, avaliando a mobilidade histórica educacional dos filhos em relação aos pais. Para isso, foram utilizados como base os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 1996 e 2014, analisando os filhos com idades de 27 a 76 anos. Uma das principais conclusões do documento que o Correio teve acesso com exclusividade é que, ao longo dos anos, os filhos atingiram uma escolaridade maior do que os pais.

“O Brasil está vivendo um momento muito especial. Porque, ao mesmo tempo em que temos uma história com um filme bonito, a fotografia atual é ruim. É uma situação paradoxal”, avalia Tafner. Segundo o especialista, na história do Brasil, houve fatos positivos em matéria de mobilidade educacional, mas ainda estamos muito distantes dos países desenvolvidos e com riscos maiores daqui para frente. “Com a pandemia, as gerações que nasceram a partir de meados da década de 1990 e dos anos 2000 poderão ser os mais afetadas na questão da mobilidade educacional”, alerta.

Historicamente, os filhos acabaram tendo um nível educacional melhor do que o dos pais. Isso era um retrato positivo da evolução, de acordo com o presidente do IMDS. “Tudo indica que haverá um retrocesso. Essa pandemia atingiu todo mundo, especialmente o segmento mais pobre da sociedade. O estudo mostra que, década a década, os filhos foram superando a geração de seus pais em termos de escolaridade e, no futuro, poderemos ver o oposto devido à dificuldade no acesso à educação”, alerta. “A história e a evolução da mobilidade educacional do brasileiro são bonitas, porque cada geração foi superando a de seus pais. E é possível que tenhamos uma geração nova com escolaridade inferior à dos pais. O que é muito ruim”, acrescenta.

Desigualdade

Na avaliação de Tafner, com a pandemia da covid-19, é provável que os avanços obtidos nesse processo possam ser revertidos em uma década ou mais de uma. Nesse sentido, o maior problema está nos extratos mais pobres da sociedade. Devido ao aumento da desigualdade, essas famílias devem regredir na mobilidade educacional, especialmente, porque a renda familiar está encolhendo pelo desemprego recorde e com a inflação crescente. “As crianças e os adolescentes perderam mais de um ano letivo, que dificilmente será recuperado, e vão enfrentar um mundo ainda mais competitivo. Logo, aqueles que estudarem menos vão ficar para trás”, lamenta. “Podemos ter uma década perdida. Mas ainda é cedo para avaliarmos o verdadeiro impacto da pandemia na educação das crianças e dos adolescentes”, emenda

Vale lembrar que, pelas estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), um ano de educação perdido por conta da pandemia poderá reduzir em 2% o potencial de crescimento da economia no futuro.

Outro destaque do estudo do IMDS, denominado “Escolaridade dos pais e realizações dos filhos na vida adulta: análise dos dados brasileiros”, é que houve aumento consistente nos níveis educacionais dos brasileiros nascidos de 1920 até a década de 1980. O grau de escolaridade que mais aumentou entre esses indivíduos foi o de filhos com ensino médio completo ou superior incompleto—passou de 4,79% para 46,36% entre 1920 e 1980.

“Essa análise de gerações também revela um fator importante, que foi a redução do analfabetismo, que, nos dias de hoje, é mais residual”, destaca Tafner. Ao longo do tempo, o percentual da população de filhos sem instrução com pais analfabetos passou de 64,4%, em 1920, para 4,8%, em 1980, conforme dados do IMDS. Nesse mesmo período, a média nacional de filhos sem instrução reduziu de 45% para 2,2%, como mostra o quadro ao lado.

Apesar do saldo educacional apontado no estudo, Tafner reconhece que a evolução no ensino superior ainda é tímida, se comparada com países desenvolvidos. Ele conta que a taxa média de brasileiros que concluíram a universidade, de 18,1% para os nascidos em 1980, ainda é baixa e apresenta leve queda em relação à década anterior (de 18,2%). Isso, inclusive, confirma a tendência de que a universidade no Brasil ainda é para muito poucos privilegiados.

Para Tafner, houve poucos avanços nos cursos universitários, mesmo com os estímulos como o Programa Universidade Para Todos (Prouni), que ajudou a ampliar as vagas oferecidas por universidades privadas. Em relação aos padrões internacionais, esse é um dos pontos que o país ainda precisa melhorar bastante. “Nos países desenvolvidos, 40% da população possuem ensino superior completo. Estamos bem abaixo dessa média. Isso não é bom. Sabemos que nem todos os brasileiros vão ter chances de concluir o ensino superior, mas é importante termos um percentual maior”, destaca.

“O problema todo é quando se fala de ensino superior. Tem uma série de problemas ideológicos, burocráticos e fiscais que acabam limitando o aumento de universidades, porque é impossível criar uma universidade sem três doutorados, no mínimo”, explica o economista. Ele lembra que a regulamentação atual do ensino superior inibe o setor privado de aumentar o número de vagas e melhorar a qualidade. Para o estudioso, é preciso é ter uma boas regras, prevendo uma evolução que permita universidades privadas temáticas, como a Johns Hopkins, nos Estados Unidos, referência na área médica.

A educação é um dos principais instrumentos da mobilidade social e, portanto, a renda das pessoas e das famílias está muito fortemente relacionada à escolaridade. “E não é só isso. Indivíduos menos escolarizados são os mais sujeitos ao desemprego e são os que ficam muito mais tempo desempregados”, alerta Tafner.

De acordo com o especialista, existe uma discussão paralela sobre o modelo educacional, que precisa ser reformulado para atrair o interesse da geração atual de jovens, os millennials, para evitar que esse retrocesso na evolução da mobilidade educacional ocorra. Esse problema, aliás, já vinha preocupando analistas da área de educação, antes da pandemia, porque a escola é pouco atrativa para os alunos em um mundo cada vez mais digitalizado. E essa questão não será resolvida apenas com a Nova Base Curricular Comum (NBCC), que precisará ser testada.

“O país ainda vai fazer uma experimentação na nova base curricular, que tentou dar mais flexibilidade às escolas, mas isso vai demorar para sabermos o impacto. A mudança é positiva, porque tentou dar mais flexibilidade às escolas e ao ensino médio para tornar mais aderente à realidade dos adolescentes, mas a gente não sabe como vai ser o resultado”, afirma. “O ideal é termos mais flexibilidade para os alunos terem mais oportunidades para desenvolverem suas habilidades. A questão da habilidade precisa ser desenvolvida desde cedo, e em várias áreas, como o esporte, ainda pouco incentivado. Nem todo mundo vai ser um PhD”, completa.

Morre fundador do grupo Caoa

O médico e empresário brasileiro Carlos Alberto de Oliveira Andrade, que transformou uma pequena concessionária de veículos do interior da Paraíba em uma das principais companhias brasileiras do setor automotivo, o grupo Caoa, morreu, ontem, aos 77 anos. O anúncio foi feito em nota pela diretoria da empresa, que preferiu não divulgar a causa da morte, a pedido da família. Segundo a Caoa, ele estava com a saúde debilitada por conta de um tratamento de saúde e faleceu durante o sono. Andrade afastou-se do comando da companhia em 2013 e foi para a presidência do conselho. Desde 2017, Mauro Correia lidera o grupo.