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Tudo pela reeleição

As empresas gastam muito para tentar prever o que vem pela frente, governos empregam milhares de técnicos com o mesmo fim, mas há um jeito simples e barato para praticar futurologia: basta acompanhar o que os Poderes estão fazendo em Brasília, nas últimas semanas, para intuir que o futuro será mais espinhoso do que querem fazer crer.

Os projetos em discussão na Câmara chegam de supetão, com pouco ou nenhum tempo para discussão, e são levados na marreta à votação em plenário, atropelando ritos processuais, com a intenção de criar fatos consumados antes que o eleitorado, tratado como capiau, e os grupos de pressão organizados se apercebam e reajam indignados.

Está sendo assim com o pacote apresentado como reforma do Imposto de Renda das pessoas (PF) e empresas (PJ), que, se dependesse do presidente da Câmara, Arthur Lira, cacique do tal Centrão, e do ministro da Economia, Paulo Guedes, teria sido votado em julho.

A expectativa deles é que vá a voto nesta terça-feira. As dúvidas sobre quem ganha, quem perde, se é bom ou ruim, seguram a votação.

Com menos partes interessadas no balaio dos deputados, o tratoraço de Lira e seus aliados no Centrão, vitaminando a minoria da extrema-direita bolsonarista na Câmara, concluiu essa semana a aprovação de uma reforma trabalhista que ninguém pediu nem ainda sabe do que se trata. Ela será implantada, se o Senado referendar o jabuti.

Ela foi enfiada no corpo de medida provisória (MP) do presidente Jair Bolsonaro com o único objetivo de prorrogar os programas de apoio à preservação do emprego formal durante a pandemia. E o que pretende o corpo estranho ao propósito de uma MP meritória? Tirar uns caraminguás dos empregos com carteira assinada.

O incrível é que, tanto a mudança do IR quanto o afrouxamento do que já fora afrouxado em 2017, com a revisão da CLT, não tem propósitos orientados por um plano de desenvolvimento. Os fins são matreiros: destinam-se a viabilizar a repaginação do Bolsa Família, visto como marca de Lula, como “Auxílio Brasil”, que se trata da mesma coisa com o selo eleitoral de Bolsonaro e um pouco mais de benefícios.

Como o orçamento federal é deficitário, o governo sacou a mudança do IR, cujos termos implicarão aumento da arrecadação (aliviando os que ganham até R$ 2.500 e onerando a classe média e os dividendos, que voltariam a ser tributados). Além disso, esperam reduzir gastos sociais, se a maior precarização do emprego formal implicar menos dependentes do auxílio emergencial, que acabará em outubro. É tudo contabilidade criativa.

Progresso foi abastardado
Tais projetos e arreganhos políticos do governo compõem um quadro com duas medidas temporais que explicam nosso subdesenvolvimento.

A mais longa tem uns 40 anos e se liga à falta de uma estratégia de desenvolvimento assentada em educação profissionalizante e em investimentos maciços em infraestrutura, na atualização permanente do parque industrial e na inovação tecnológica. Aqui só regredimos.

A medida temporal mais recente cavalga o afunilamento da ascensão social devido à contínua redução do voo da economia industrial e de serviços sofisticados (software como serviços, SaaS no acrônimo em inglês, basicamente), implicando dificuldade e ressentimento entre as classes médias. Elas se voltam contra os políticos — e, a partir de 2016, contra Lula e o PT, mas menos contra seus antigos aliados do Centrão — os partidos fisiológicos que tomaram de assalto, este ano, a Câmara, com apoio orçamentário e extrafiscal de Bolsonaro.

Comum aos dois momentos tem sido o abastardamento de toda política de desenvolvimento, execrada como daninha e fonte de corrupção pelo modelo de governança econômica desde 1994 e levado a extremo, depois de 2016, pelo fiscalismo meia-boca do gasto público.

Ele começou com a asfixia do investimento público, sequela do teto de gastos da lei orçamentária, que estão congelados ao nível real de 2017. Como não bastou, desde 2019, os programas sociais têm sido desbastados, já que o gasto com a elite estatal é incomprimível.

O populismo sem verniz
Então, ficou assim este ano, e deverá continuar até as eleições no ano que vem: a Câmara tomada por um grupo que, embora importante, sempre foi coadjuvante e nunca se preocupou com projeto de governo e de nação. Opera de acordo com suas vantagens patrimonialistas.

No Senado, sucede-se o mesmo, mas com menor intensidade, já que há uma espinha dorsal de senadores com forte visão de Estado e social.

O governo, por sua vez, padece da contradição de ter um presidente que não sabe nada de desenvolvimento e é influenciado pela extrema-direita dos EUA, mas, ao contrário de Donald Trump, que o inspira e a seus filhos, aliou-se ao neoliberalismo reacionário de Guedes.

O que há na Câmara, restando ser testado no Senado, é um populismo eleitoreiro sem verniz ideológico, o que explica o pacote malfeito do IR já em sua quarta versão (o que expõe sua irracionalidade), e o viés antissocial da nova reforma trabalhista. Não há nação nisso.

Ponha-se uma maioria forjada por verbas geridas sem escrutínio dos controles formais, e liberadas conforme vota o deputado, e tem-se o que se viu: a grande votação obtida pela emenda do voto impresso, um capricho de Bolsonaro. Talvez não por acaso, como apurou O Estado, o governo liberou R$ 1,03 bilhão a 131 deputados, 57% entre os 229 que disseram sim ao voto impresso, na véspera dessa votação.

O futuro será melancólico
Com um apoio parlamentar puramente pragmático e voltado a entregar, em troca dos benefícios fiscais, um leque de projetos que mantenha Bolsonaro na corrida presidencial, adivinhar o futuro imediato é fácil — será confuso na política e melancólico na economia.

O teto de gastos, na prática, virou formalismo, e até o dispositivo constitucional chamado de “regra de ouro”, que veda o financiamento de gasto corrente, tipo folha do funcionalismo e Bolsa Família, com endividamento do Tesouro, irá ao lixo, se for aprovada PEC proposta pelo governo para parcelar o pagamento de dívidas transitadas em julgado, os tais precatórios.

O governo que for eleito em 2023 vai encontrar um cenário de terra arrasada, com juros e desemprego nas alturas e crescimento de volta à mediocridade desde a recessão do biênio 2015-16, algo em torno de 1,5% a 2% ao ano. Nunca foi tão necessária a união da inteligência nacional para vencer a crise brutal que se insinua.