Após a desastrosa frase “devo, não nego; pago quando puder”, na semana passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, delegou ao secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, a tarefa de explicar a polêmica Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê o parcelamento por até 10 anos no pagamento de precatórios — dívidas judiciais da União. Funchal e os técnicos da Economia negaram que a proposta seja um calote nas decisões judiciais, apesar das críticas de especialistas que consideram a proposta inconstitucional.
Alegaram que o parcelamento traria “maior previsibilidade” para essa despesa, mas não deram garantias de que o acúmulo das parcelas com os novos precatórios, nos próximos anos, não vá virar uma bola de neve de dívidas impagáveis ou um enorme “pendura” da União.
Segundo Funchal, o parcelamento foi a saída encontrada pelo governo para compatibilizar o aumento “atípico e inesperado” de R$ 34,4 bilhões nas despesas com precatórios no ano que vem, para R$ 89,1 bilhões, à regra do teto de gastos.
“Essa é uma proposta para resolver um problema que não é nosso, é da sociedade. Tem uma desarmonia e estamos tentando trazer uma compatibilização para preservar a regra do teto”, afirmou. Se a PEC for aprovada, disse Funchal, haverá um espaço extra de R$ 33,5 bilhões no limite do teto que permitirá novas despesas, como o Auxílio Brasil, que vai substituir o Bolsa Família. A proposta ainda prevê um fundo a ser criado com recursos de privatizações e dividendos de estatais para custear a dívida mobiliária e os precatórios, e que ficará fora da regra do teto.
A PEC nº 23/2021 já foi apelidada de “PEC das pedaladas” porque resgata o expediente da contabilidade criativa em patamares maiores do que no governo Dilma Rousseff. Para piorar, o governo ainda incluiu nela um jabuti que modifica a regra de ouro — que proíbe o governo de emitir dívida pública para cobrir despesas correntes, como salários e aposentadorias. O texto retira a necessidade de aval do Congresso para flexibilizar a regra, bastando a aprovação da despesa no Orçamento. Em nota, a pasta justificou que a medida “visa aprimorar e agilizar o procedimento atual”.
Preocupação
Especialistas no Brasil e no exterior veem a medida com preocupação. Nikhil Sanghani, economista da Capital Economics para a América Latina, afirmou que “o compromisso do governo com a disciplina fiscal deve enfraquecer, e o teto de gastos poderá ser comprometido”. Para o analista da consultoria britânica, “devido ao aumento da desconfiança, o real vai se desvalorizar ainda mais, devendo encerrar este ano em R$ 5,50, passando para R$ 6 no fim de 2022”. Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, observou que “a sensação de insegurança aumenta, tanto para estrangeiros, quanto para a própria população”.
De acordo com o presidente da Comissão Especial de Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Eduardo Gouvêa, a PEC viola, pelo menos, oito artigos da Constituição, “como o estado de direito, o princípio da isonomia e o princípio da segurança jurídica”. Ele destacou que a proposta, prevista na PEC, de mudar o indexador do parcelamento para a taxa básica de juros (Selic) é outra medida inconstitucional que será facilmente derrubada no STF. Segundo Gouvêa, a OAB pretende entrar com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo “na hora em que a PEC for aprovada”.
“A irresponsabilidade fiscal tem perna curta. Essa mágica para burlar o teto de gastos, abrindo espaço para despesas no ano eleitoral, terá como consequência a alta da inflação e dos juros, a fuga de capitais, a redução dos investimentos e o desemprego”, lamentou o secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco.
"O real vai se desvalorizar ainda mais, devendo encerrar este ano em R$ 5,50, passando para R$ 6 no fim de 2022”
Nikhil Sanghani, economista da Capital Economics para a América Latina