O Congresso recebeu ontem a Proposta de Emenda à Constituição que parcela o pagamento de dívidas judiciais da União com empresas, servidores e beneficiários da Previdência, abrindo espaço no Orçamento de 2022 para o Auxílio Brasil em ano eleitoral. A proposta dilui o desembolso dos “superprecatórios”, acima dos R$ 66 milhões, por 10 anos. A PEC muda, ainda, o cálculo de correção de dívidas judiciais, outra medida destinada a abrir espaço para mais gastos do governo no ano que vem.
A proposta cria ainda um fundo a ser abastecido com recursos de venda imóveis, dividendos de empresas estatais, alienação de participações societárias, concessões e partilha de petróleo. Segundo o governo, os valores poderão ser usados para abater dívida pública ou antecipar o pagamento dos precatórios parcelados. As despesas do fundo ficarão fora do teto de gastos.
Não há menção ao pagamento de um “bônus” às famílias beneficiárias do Auxílio Brasil com recursos do fundo, como vinha sendo estudado pelo governo. Segundo um integrante da equipe econômica, essa medida não está no texto encaminhado pelo Executivo e será discutida no Congresso para eventual inclusão.
A proposta também muda o índice de correção para Selic, hoje em 5,25% ao ano. Os precatórios tributários têm, hoje, valores atualizados pela Selic, mas os alimentares (como benefícios previdenciários ou que envolvam salários de servidores) são corrigidos por IPCA (que acumula alta de 8,35% em 12 meses) mais o juro da poupança (equivalente hoje a 3,675% ao ano). Na prática, a atualização fica acima de 11% ao ano.
Para 2022, são estimados R$ 30 bilhões em precatórios previdenciários e R$ 13,7 bilhões em dívidas judiciais relacionadas a gastos com pessoal da União. É quase metade dos cerca de R$ 90 bilhões previstos para o ano que vem. Segundo a Secretaria-Geral da Presidência, o custo com correção de precatórios alimentares pode chegar a IPCA mais 6% ao ano.
Os precatórios até R$ 66 mil (requisições de pequeno valor) serão pagos à vista, mas aqueles acima de R$ 66 milhões poderão ser ressarcidos em 10 parcelas, sendo 15% à vista e o restante em prestações anuais
Precatório emperra benefício
A tentativa de Jair Bolsonaro de criar um fato positivo em meio à crise institucional aberta com o Poder Judiciário por conta do voto impresso — cuja Proposta de Emenda Constitucional (PEC) vai à votação hoje, no plenário da Câmara —, entregando pessoalmente a medida provisória do programa substituto do Bolsa Família aos parlamentares no Congresso, ontem, não foi bem recebida por analistas. As principais críticas foram a falta de transparência e o anúncio atabalhoado da MP, que não constava da agenda do presidente da República.
O novo benefício, o Auxílio Brasil, ainda não tem valor previsto e, por isso, não dá para prever qual será o impacto dessa despesa no teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior. De acordo com o ministro da Cidadania, João Roma, só será definido no fim de setembro quanto será pago. ,
Ele garantiu respeito ao teto e disse que o governo prevê um gasto adicional de R$ 18 bilhões, que se soma aos R$ 35 bilhões estimados para o Bolsa Família em 2022. Contudo, reconheceu que esses recursos estão condicionados à aprovação da PEC que prevê o adiamento do pagamento dos precatórios — dívidas judiciais da União —, entregue ao Congresso depois, conforme nota do Palácio do Planalto divulgada no início da noite de ontem. O Ministério da Economia fará um detalhamento da proposta hoje.
“O desenho (do novo programa) ficou muito ruim, porque inclui até atletas, o que deve dificultar a calibragem e tirar a efetividade do Bolsa Família, que é um programa com foco específico e que, por isso, é bem avaliado. Confundiram tudo e misturaram muitos departamentos. Tudo descuidado e improvisado”, lamentou a economista e consultora Zeina Latif.
Folga em 2022
Pelas estimativas do Tesouro Nacional, existe uma folga entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões na regra do teto de 2022 devido à inflação mais alta neste ano — assim, é possível incluir um novo Bolsa Família perto de R$ 300. Mas o governo avisou que as despesas com precatórios devem passar de R$ 54 bilhões, neste ano, para R$ 90 bilhões, em 2022 — por isso, precisará aprovar a PEC dessas dívidas para incluir novas despesas como o Auxílio Brasil.
A explosão no volume de precatórios poderia ter sido evitada, no entender dos especialistas, se houvesse melhor acompanhamento das sentenças judiciais. “Não dá para cumprir o teto, pagar precatório e ampliar o Bolsa Família. Essa é a realidade das contas públicas. E esse problema é resultado de uma gestão problemática”, explicou o especialista em contas públicas Leonardo Ribeiro, economista do Senado.
O economista Tony Volpon, estrategista-chefe da WHG Capital, reconheceu que o governo poderia ter tratado melhor o problema dos precatórios em vez de querer mexer na Constituição para adiar o pagamento.
“Se o governo estivesse fazendo uma proposta para tratar os precatórios como a dívida mobiliária federal, poderia ser uma forma mais coerente para não deixar de pagar essas dívidas e ainda evitar o descumprimento do teto”, avaliou. Conforme disse, para o investidor estrangeiro a manutenção do teto de gastos é fundamental para que o país não perca a credibilidade.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, torceu o nariz para o novo pacote. “A pressão eleitoral em cima de Bolsonaro é grande e o risco de entregar uma piora fiscal é muito grande, especialmente com o Centrão dentro do governo. Os valores que estão sendo colocados para o novo auxílio serão difíceis de caber no teto do ano que vem”, avaliou.
José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, reforçou que o investidor está cada vez mais ressabiado com o Brasil, pois as incertezas estão aumentando. “Ele está vendo juro e dólar para cima e economia para baixo. O clima está horroroso. Nenhum fundo europeu vai achar graça dessa exibição de tanques na Esplanada. Isso só piora o ambiente de negócios”, alertou.
R$ 90 bilhões
é quanto o governo calcula que será a despesa com precatórios em 2022. Para este ano, está em R$ 54 bilhões