GOVERNO

Guedes passa de superministro a mero instrumento eleitoral de Bolsonaro

Antes tido como guru liberal do presidente da República, titular da Economia passa a ser visto no mercado como mero instrumento dos objetivos eleitorais de Bolsonaro e artífice de medidas populistas que podem jogar de vez a credibilidade do país por terra


O ministro da Economia, Paulo Guedes, perdeu estatura. Ele não é mais uma unanimidade na Faria Lima, importante avenida de São Paulo que concentra as maiores instituições do mercado financeiro e seus operadores, apelidados de “farialimers”. A credibilidade do “Posto Ipiranga” — que foi o fiador da candidatura do presidente Jair Bolsonaro junto ao meio empresarial — estava desgastada desde o fim de 2019, quando Guedes não entregou o que prometeu da agenda liberal que mudaria o país. Agora, ela está ruindo, especialmente após o chefe da equipe econômica defender, nesta semana, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para parcelar por 10 anos o pagamento de precatórios da União (dívidas judiciais sobre as quais não cabe mais recurso). De acordo com especialistas da área jurídica, a medida é inconstitucional e deve piorar a imagem do país junto aos credores e investidores internacionais.

Apesar de Guedes tentar justificar o calote institucionalizado porque houve um aumento surpreendente no volume dos precatórios — de R$ 54 bilhões, em 2021, para R$ 90 bilhões, em 2022 —, a PEC está sendo vista como uma medida desesperada do governo para encontrar as receitas que atendam as demandas eleitoreiras de Bolsonaro, que nunca foi um liberal, e dos aliados do Centrão, que tomou conta do governo. A frase de Guedes para defender a mudança na Constituição — “Devo, não nego e pagarei assim que puder” — foi muito mal recebida pelo mercado financeiro, principalmente pelos detentores dos títulos da dívida pública.

A cereja do bolo dessa confusão é a crise institucional provocada por Bolsonaro, que não para de atacar o Supremo Tribunal Federal (STF), o que gera ainda mais preocupação, um cenário em que o risco fiscal voltou ao radar do mercado, provocando alta do dólar e dos juros futuros. As promessas de um Bolsa Família robusto, de subsídio para o diesel e o gás, de tentativas de criar fundo com recursos não recorrentes para cobrir despesas permanentes, estão deixando muita gente de cabelo em pé. Uma coisa é buscar programas para socorrer a população mais vulnerável, outra é criar um monte de despesas para atrair votos em 2022, sem apresentar fontes permanentes de receita, colocando em risco a única âncora fiscal que os agentes financeiros ainda confiam — o teto de gastos (emenda constitucional que limita o aumento das despesas do governo à inflação anterior).

“O mercado está bastante dividido. A questão dos precatórios chama a atenção e precisa ser mais bem conduzida”, destacou um economista de uma gestora que pediu anonimato. “Há muito ruído, e a impressão é de que o Ministério da Economia está perdendo a liderança da pauta no Congresso”, acrescentou. Outro economista que trabalha em um banco da Faria Lima e que sempre apoiou o superministro, reconheceu que a preocupação é crescente, especialmente em relação à crise institucional. “Os atritos entre as instituições estão atingindo níveis mais preocupantes. Isso tumultua o cenário e encurta o horizonte, aumenta os prêmios de risco e dificulta a recuperação do país, bem no momento em que a vacinação engrenou e poderia estar ajudando a melhorar as perspectivas de investimentos e de retomada da economia”, lamentou.

O superministro da Esplanada, que comandava uma pasta que reunia cinco ministérios — Fazenda, Planejamento, Trabalho, Previdência e Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior —, já não tem tanto poder como antes no governo Bolsonaro. Para acomodar o Centrão no Palácio do Planalto, dando o comando da Casa Civil para o senador Ciro Nogueira (PP-PI), e não deixar o fiel escudeiro Onyx Lorenzoni sem ministério, o presidente tirou duas importantes secretarias especiais de Guedes e criou o Ministério do Trabalho e Previdência. A nova pasta vai absorver quase 70% do orçamento da Economia, e Guedes ainda corre o risco de perder o Planejamento, que é responsável pela elaboração do Orçamento da União.

Além de não cumprir as promessas, como zerar o deficit no primeiro ano e arrecadar R$ 1 trilhão com privatizações, a grande dúvida é até quando a presença de Guedes no governo vai impedir “grandes maluquices e guinadas”. Algumas apostas são de que ele sai, se perder o Planejamento. Outros acreditam que o ministro ficará até o fim do governo e ainda vai apoiar todas as medidas populistas que puder para reeleger Bolsonaro.

Ao que tudo indica, o Posto Ipiranga rasgou o uniforme de economista liberal e pretende esquecer o que aprendeu na Universidade de Chicago. Ele, agora, parte para um novo projeto de poder: permanecer no governo e fazer de tudo para reeleger Bolsonaro. O superministro parece estar sob efeito de kryptonita, incapaz de barrar tudo que vai na contramão do discurso liberal. As propostas que Guedes encaminha ao Congresso acabam sendo desfiguradas, como ocorreu com os jabutis na medida provisória da privatização da Eletrobras.

Insanidade fiscal

“Esse desespero eleitoral está levando o governo à insanidade fiscal”, alertou Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas. Segundo ele, uma das medidas cogitadas pela equipe econômica, como o uso de recursos de privatizações para a criação de programas sociais, é proibida pelo artigo 44 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Além disso, o especialista em contas públicas classificou o calote previsto na PEC dos precatórios, além de inconstitucional, outro crime de responsabilidade fiscal. “O governo está tentando dar uma pedalada em dívidas com precatórios para os quais poderia ter se programado melhor, porque essas bombas fiscais são mapeadas anualmente com a Advocacia-Geral da União e o Judiciário durante a elaboração do Orçamento”, afirmou.

Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, também reconheceu que Guedes vem perdendo poder e influência no governo e que sua saída, hoje, não teria o mesmo impacto do que no ano passado. “Na verdade, essa PEC dos precatórios é um sinal muito negativo para o mercado em geral.

Independentemente do montante, essa despesa já era dada se houvesse um melhor acompanhamento dos processos judiciais. Isso só mostra que o governo está sem margem de manobra de arrecadação no ano que vem e precisa cortar despesa, em vez de criar novas”, destacou. Para a economista e advogada Elena Landau, responsável pelo processo de privatização do governo Fernando Henrique Cardoso, o ministro da Economia nunca teve o poder que os agentes de mercado financeiro imaginavam. “Me perguntam se o Paulo Guedes perdeu poder. Paulo Guedes está encolhido desde que começou. Ele só fica enquanto for necessário a Bolsonaro. Ele aceita qualquer perda de poder, sempre”, resumiu.

Nova agenda

Analistas ainda têm dúvidas se as reformas estruturais, como a tributária e a administrativa devem avançar com a proximidade das eleições. Aliás, o “meteoro” dos precatórios apelidado por Guedes, na verdade, é visto como “a desculpa que o governo precisava para dar essa guinada radical”, abandonar, de vez, a agenda liberal e partir para medidas populistas focadas na campanha eleitoral, de acordo com um economista que fez parte do governo. Para ele, Guedes não deixará o cargo e vai mergulhar de cabeça nessa nova agenda — impressão compartilhada por um amigo pessoal do ministro. Vale lembrar que Bolsonaro nunca foi um liberal e, enquanto o Centrão se espalha como um polvo pela Esplanada, Guedes vira o pato manco da vez. O ministro assumiu a missão de tornar viáveis programas que têm o claro objetivo de recuperar a popularidade que Bolsonaro perdeu devido ao aumento do desemprego, que continua em níveis recordes e afeta quase 15 milhões de brasileiros.

Enquanto isso, os donos do dinheiro reconhecem, agora, que erraram em apoiar Bolsonaro nas eleições de 2018 somente para não ver o PT de volta ao poder. A carta aberta divulgada nesta semana defendendo a democracia e assinada por empresários, banqueiros, economistas e acadêmicos mostra que existe uma preocupação crescente com um golpe sendo armado pelo presidente como pano de fundo do debate do voto impresso. Conforme publicou o Blog do Vicente, os donos do dinheiro já reconhecem que Bolsonaro é pior do que Dilma Rousseff como presidente e, inclusive, admitem que, se Fernando Haddad tivesse vencido a disputa eleitoral em 2018, o Brasil estaria em uma situação muito melhor do que a atual.

“Me perguntam se o Paulo Guedes perdeu poder. Paulo Guedes está encolhido desde que começou. Ele só fica enquanto for necessário a Bolsonaro. Ele aceita qualquer perda de poder, sempre”
Elena Landau, Economista, responsável pelas privatizações no governo FHC

 

“Essa PEC dos precatórios é um sinal muito negativo para o mercado. Essa despesa já era dada se houvesse um melhor acompanhamento dos processos. Isso só mostra que o governo está sem margem de manobra de arrecadação no ano que vem” 

Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos