A proposta de emenda à Constituição (PEC) que pretende autorizar a União a adiar por até 10 anos o pagamento de precatórios judiciais, defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, azedou o clima do governo com o mercado financeiro. Para especialistas da área jurídica, a medida é inconstitucional e será barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) se for aprovada pelo Congresso.
Ao tentar mudar a Constituição para permitir uma espécie de calote da União, o governo vai gerar instabilidade jurídica e uma onda de desconfiança de investidores, de acordo com os analistas. "O governo quer mexer em uma cláusula pétrea. Isso é inconstitucional", alertou Eduardo Gouvea, presidente da Comissão Especial de Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Qualquer um que tiver uma dívida na Justiça também vai se sentir no direito de parcelar", destacou.
Outro consenso entre os especialistas é de que a PEC só vai piorar a imagem do governo como mau pagador. Gouvea lembrou que uma tentativa não tão ousada já foi rejeitada pelo STF, em 2015, e ressaltou que a aprovação da PEC teria um impacto extremamente negativo na dívida pública mobiliária. “O país vai perder credibilidade e as taxas de juros ficarão mais altas ainda. Além disso, haverá fuga de capitais, porque ninguém vai ter interesse em investir em um país que muda as regras dessa forma”, disse.
O jurista Ives Gandra Martins também alertou para os riscos da PEC. “Prejudica a imagem do governo e do Brasil e é um calote que, se o contribuinte der, pode ser encarcerado”, frisou. Na avaliação da economista e advogada Elena Landau, que coordenou o programa de privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, a proposta “é um absurdo”. “É oficializar o calote na Constituição”, afirmou.
Risco do teto
A PEC dos precatórios foi a forma que Guedes encontrou para buscar recursos para ampliar o Bolsa Família do jeito que Bolsonaro quer para pavimentar o caminho da reeleição em 2022. A proposta ainda deve criar um fundo com recursos de privatizações de estatais para custear despesas fora do teto de gastos, na contramão dos manuais de responsabilidade fiscal.
A Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, divulgou documento, ontem, alertando sobre a inconstitucionalidade da PEC. Segundo a entidade, o teto de gastos estará em xeque, assim como a credibilidade do governo ao adotar medidas de contabilidade criativa, como fez a ex-presidente Dilma Rousseff.
“Se o parcelamento cogitado avançar, o teto será formalmente preservado, com garantias constitucionais, mas a regra sofrerá um golpe importante. Não serão raros os questionamentos a respeito de novas possibilidades de mudanças para comportar outros eventos que viessem a acometer as contas públicas no futuro”, alertou o comunicado