Entrevista

'Educação financeira veio para ficar', diz Banco Central

O projeto piloto do Programa Aprender Valor está na fase de conclusão em 429 escolas espalhadas por 250 municípios de seis unidades da Federação

O Banco Central iniciou, no ano passado, um programa voltado para as escolas públicas incluindo a educação financeira em quatro disciplinas — português, matemática, geografia e história —, de forma transversal, como é previsto na nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O projeto piloto do Programa Aprender Valor está na fase de conclusão em 429 escolas espalhadas por 250 municípios de seis unidades da Federação: Ceará, Minas Gerais, Pará, Paraná, Mato Grosso e Distrito Federal.

Agora, o projeto vai ganhar dimensão nacional e o número de alunos capacitados deverá passar de 14 mil para mais de 180 mil no segundo semestre deste ano. Conforme dados do BC, 180.098 estudantes e 35.788 professores de 5.613 escolas foram cadastrados até o último dia 29 para a fase de expansão nacional do programa. Esses dados poderão mudar, pois o prazo de adesão só terminou no dia 31.

Os números surpreenderam o diretor de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta do BC, Mauricio Moura, que, em entrevista ao Correio, faz um balanço positivo do projeto. “A ideia é levar a educação financeira para as escolas brasileiras, e essa é uma ação que não vai retroceder. A educação financeira veio para ficar. Vai ser uma ação permanente do Banco Central”, garante. Ele espera chegar a 1 milhão de alunos até o fim de 2022. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como está o andamento do projeto Aprender Valor do BC?

Esse projeto é longo, de quatro anos. Ele começou a ser implementado em 2019 e vai até o fim de 2022, entrando um pouquinho em 2023. O objetivo é bastante ambicioso: levar a educação financeira a todas as escolas de ensino fundamental do país. Estamos falando de 100 mil escolas, 22 milhões de estudantes e 1,2 milhão de professores. Desenvolvemos a plataforma on-line (https://aprendervalor.caeddigital.net/#!/pagina-inicial) que permite nos conectarmos com professores em qualquer ponto do Brasil. E também desenvolver os projetos educacionais aplicados na sala de aula. Hoje, temos 35 projetos educacionais prontos. O projeto também disponibiliza dois cursos de formação para os professores e gestores de escolas públicas. Um é para treinar os professores para aplicar o projeto na sala de aula. O segundo é de gestão de finanças pessoais para o próprio professor, para que ele melhore a relação dele com o dinheiro.

E como foi o projeto-piloto? Como é feita a avaliação?

Fizemos o projeto-piloto em seis unidades da Federação, um estado de cada região do país, mais o Distrito Federal. Vamos ter os resultados em breve. Foram testados mais de 14 mil alunos de 429 escolas em aproximadamente 250 municípios, para pegar bem a diversidade nacional. Esses alunos cursam o 5º, o 7º e o 9º anos do ensino fundamental e realizaram os testes de entrada, entre abril e maio deste ano, antes de receberem a educação em sala. Eles vão ser novamente testados por volta de agosto e setembro. Aí vamos ter um comparativo do antes e do depois da aplicação dos projetos.

Como foi a escolha dos alunos? Eles tinham algum conhecimento prévio de educação financeira ou de economia doméstica?

Nós pegamos os alunos aleatoriamente, porque queremos apanhar a situação real do aluno hoje. Os 250 municípios foram escolhidos cuidadosamente para ter uma amostra representativa do território nacional. Por exemplo, no Ceará, não escolhemos apenas as escolas de Fortaleza, mas de todas as regiões do estado. Fizemos a mesma coisa nas demais unidades que participaram do projeto piloto. O intuito é justamente tentar ver se o programa funciona na diversidade que existe no país.

Mudou alguma coisa no projeto por conta da pandemia?

A pandemia mudou a vida de todo mundo. As escolas não estavam preparadas para o ensino a distância e os projetos eram focados no presencial, em sala de aula. Então, tivemos que rever os projetos e, alguns deles, adaptamos completamente para o ensino não presencial. Isso acabou atrasando o início do piloto em seis meses. Mas foi bom, porque conseguimos evoluir no sentido de aplicar remotamente todo o programa. Como ainda não sabemos como vai ser o novo normal, essa evolução dos projetos poderá ser útil mesmo após a pandemia.

Como foi desenvolvida a grade curricular do projeto?

Esse projeto é feito com duas grandes parcerias. A primeira, com o Fundo de Defesa Investimento Difusos, do Ministério da Justiça, que é quem está financiando o projeto. O custo total está em torno de R$ 11 milhões. Na parte de educação em sala de aula fomos buscar parceria junto ao Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (CAEd), da Universidade Federal de Juiz de Fora. A educação financeira nas escolas, como preconiza a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), é transversal. Nesse caso, a educação financeira foi incluída dentro de conteúdos de português, matemática, geografia e história. O professor não é obrigado a aplicar todas as disciplinas transversais previstas na BNCC e pode escolher quais vai aplicar. A educação financeira é uma delas.

E como ocorre essa inserção transversal nas aulas?

Quando o professor for dar uma aula de interpretação de texto, ele vai expor um problema, uma situação que envolva a educação financeira. Por exemplo, coloca o aluno para ler corretamente e interpretar um contrato, uma proposta de venda de um produto, e entender o que está sendo oferecido. Não vai ter uma aula específica de educação financeira. Na aula de matemática, o professor vai transmitir o conhecimento de educação financeira de uma forma super tranquila para os alunos. E o projeto está indo no caminho certo, porque as avaliações que temos dos professores que participaram do projeto-piloto são positivas. Dos 1,7 mil professores das 429 escolas que aplicaram os projetos na sala de aula, 96% recomendaram o projeto para outros colegas.

O planejamento de cada uma dessas disciplinas para a educação financeira é único
ou diferenciado?

Os projetos são bem completos, tem anexos, fichas e diferentes aplicações para cada disciplina. O professor de matemática vai ter um planejamento totalmente diferente do professor de português, de geografia ou de história. O aluno de matemática vai aprender operações de frações e conceitos básicos de educação financeira. Em geografia, o projeto trabalha os impactos do processo de industrialização e da produção; circulação e consumo de mercadorias; meio ambiente e distribuição de riqueza, por exemplo. O intuito é despertar no estudante o interesse de participar ativamente da comunidade e de identificar questões financeiras da população, desenvolvendo o exercício da cidadania com consciência social e responsabilidade fiscal.

E quando foi feito o treinamento dos professores no projeto-piloto?

Durante o segundo semestre do ano passado e neste ano. O curso de finanças pessoais fica à disposição dos professores, não é obrigatório. Claro que ajuda a ensinar, porque o próprio professor se sente mais confortável na relação pessoal com o dinheiro. Os cursos obrigatórios para começar a aplicar os projetos, normalmente, são feitos no início do semestre letivo. O que os professores e as escolas precisam fazer é se cadastrarem na plataforma para terem acesso ao programa. Finalizamos, no dia 31, a primeira fase de expansão nacional para todas as escolas do Brasil. Uma segunda fase será aberta no fim do ano com vistas ao ano letivo de 2022.

Quem precisa aderir ao programa? O professor ou o diretor da escola?

O professor é a peça-chave. Ele pode cadastrar a sua turma e seus alunos. Claro que, se o diretor cadastrar a escola como um todo, outros professores vão ter acesso, e o movimento se torna mais rápido. Estamos tendo uma resposta muito boa. No projeto-piloto, tínhamos seis unidades da Federação. Hoje, na expansão nacional, só falta um estado, Rondônia, ter escola cadastrada. E de 14 mil alunos, inicialmente, já tivemos uma expansão para mais de 180 mil. Em número de municípios, já estamos com 1.082. E passamos de 429 escolas para 5.613.

Qual é a meta para esse projeto?

Como nunca fizemos um projeto tão ambicioso, não tínhamos parâmetros para colocar metas. Mas o objetivo, no fim do projeto, é estar em todos os estados e ter uma quantidade representativa dos 22 milhões de alunos no país. Vamos comemorar quando passarmos de 1 milhão de alunos, e esperamos que isso ocorra no ano que vem. O projeto dura quatro anos, porque, nesse período, vamos conseguir concluir os projetos educacionais, mas a gente não vai sair das escolas. A gente não vai retroceder. A educação financeira veio para ficar. Vai ser uma ação permanente do Banco Central.

Diante do aumento expressivo nas adesões, é possível dizer que o interesse pela educação financeira é crescente no país? O brasileiro não tem tradição de cuidar das finanças pessoais.

O período de descontrole inflacionário nas décadas de 1970 e 1980 não ajudou muito a formar a capacidade de planejamento financeiro no brasileiro. Era sempre tudo muito atropelado. Mas temos visto um movimento grande de ações de educação financeira, de influenciadores digitais e canais voltados para esse assunto. Acho que é o momento de alavancarmos o conhecimento do cidadão em educação financeira, que é para a vida inteira. Todo dia você se relaciona com dinheiro. Uma das coisas que mais estressam o cidadão é quando eles têm uma relação negativa com o dinheiro e está em situação financeira desconfortável.

Aliás, as famílias estão cada vez mais endividadas. Conforme dados do Banco Central, o endividamento total das famílias chegou a 58,5% da massa salarial.

É preciso interpretar essa questão, porque existe endividamento bom e ruim. O bom é quando a família tomou crédito para comprar imóvel, está pagando e dentro da renda e construindo um patrimônio. Mas é preciso evitar tomar crédito errado. Se endividar em crédito rotativo para consumo é uma das piores decisões financeiras que alguém pode tomar. Por isso, o foco do Programa Aprender Valor está no princípio básico Pla-Pou-Cré. Pla de planejamento, pou de poupança e cré de crédito, para saber como utilizar os produtos financeiros de forma correta. A gente não quer apenas levar conhecimento para as crianças, mas mudar o comportamento delas para que tenham uma relação mais saudável com o dinheiro.