ENERGIA

Crise hídrica deve manter inflação em alta e frear atividade econômica

Além de pesar no bolso do consumidor, alta das contas de luz aumenta os custos de todos os setores da economia e pode tirar 2 pontos do PIB. Programa de estímulo à redução voluntária do consumo, lançado pelo governo, não afasta risco de racionamento

» FERNANDA FERNANDES
postado em 29/08/2021 06:01
 (crédito: Caio Coronel/Itaipu)
(crédito: Caio Coronel/Itaipu)

A pior seca no país em 91 anos, que esvaziou os reservatórios das hidrelétricas, tem ficado cara para indústrias, comércio e consumidores — e a situação deve piorar. O aumento das tarifas e a necessidade de reduzir o consumo de energia, para que o sistema elétrico não entre em colapso, devem manter a inflação em patamar elevado e frear a atividade econômica. O economista Gabriel Leal de Barros, da RPS Capital, calcula que, se não chover o suficiente no período úmido, que vai de outubro a abril, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve se manter na casa dos 8% neste ano e no próximo, e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) pode ter uma perda de até dois pontos percentuais em 2022. Como a previsão do mercado para o PIB do próximo ano é de 2%, o país pode cair na estagnação.


O cenário é delicado. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) prevê que, até novembro, os reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste, que respondem por 70% da geração de energia do país, deverão chegar a 10% da sua capacidade. Hoje, as hidrelétricas já operam em nível baixíssimo, com 22,5% da capacidade de armazenamento. O índice é inferior aos 23,4% registrados no mesmo período de 2001, quando o Brasil enfrentou a “crise do apagão”.


Nesta semana, ministro da Economia, Paulo Guedes, confirmou que haverá um novo reajuste das tarifas em setembro. “Não adianta ficar sentado chorando. Temos de enfrentar a crise. Vamos ter de subir a bandeira, a bandeira vai subir”, disse ele, em referência ao valor da bandeira vermelha patamar 2, taxa extra aplicada atualmente na conta de energia. O novo reajuste será decidido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) na próxima terça-feira, e a tendência é que fique entre 50% e 58%. A bandeira vermelha 2 foi reajustada em 52% há dois meses, passando de R$ 6,24 a R$ 9,49 para cada 100 kWh consumidos. Com o novo aumento, o valor será de, no mínimo, R$ 14.


Para Gabriel Leal de Barros, o aumento da sobretaxa é a única alternativa a curto prazo. “Nossa dependência de hidrelétricas ainda é de quase 70%. Quando tem uma crise hídrica muito forte, a tarifa precisa subir para evitar que as distribuidoras de energia sofram um grande desequilíbrio financeiro”, explica.

Déficit

Esse desequilíbrio ocorre porque, com as hidrelétricas operando em baixa, o governo demanda mais energia das usinas termelétricas, que é mais cara. “O megawatt produzido em uma usina movida a carvão custa o dobro do gerado por uma hidrelétrica. Se for uma termelétrica movida a gás, o custo é quatro vezes maior”, pontua o economista sênior da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fabio Bentes.


A alta das tarifas, explica Bentes, gera um efeito cascata em toda a economia — e pode desacelerar o setor de comércio. “A energia elétrica é um item insubstituível e utilizado em todos os setores do comércio e da indústria. (O aumento) vai pressionar o orçamento das famílias e prejudicar o comércio, porque o setor não vai conseguir segurar o reajuste sem repassar uma fatia um pouco maior do que a usual para os preços”, afirma.


“Além de ter um peso grande no orçamento familiar, a energia é usada para praticamente tudo. Metade do custo da produção de leite é energia elétrica. No cimento, 25% é energia”, exemplifica o economista.

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